domingo, 2 de abril de 2017
UMA CONVERSA COM BERTOLT BRECHT
Camila Nogueira
Se nos perguntarem qual o texto
pertencente a série “Conversas com Escritores Mortos” que, ao longo desses
anos, mais nos marcou e mais fala ao leitor do DCM, nossa escolha repousará
muito provavelmente naquela com o dramaturgo, diretor e ativista social alemão Bertolt Brecht (1898 – 1956). Os trechos
que utilizamos constam em suas peças, poemas e tratados. A tradução foi feita
pela autora da entrevista.
·
Herr Brecht, qual
é a importância da consciência política?
Só podemos mudar a realidade quando
somos instruídos por ela. Suponho que o pior dos analfabetos seja o analfabeto
político.
·
É mesmo? Por quê?
O analfabeto político não se informa
sobre política, não fala sobre política nem participa de eventos políticos. Ele
não entende que o custo da vida, o preço do arroz, do peixe e da farinha, do aluguel,
dos sapatos e dos remédios, tudo isso depende de decisões políticas. O
analfabeto político é tão estúpido que é com orgulho que declara detestar
política, sem sequer imaginar que é da ignorância de pessoas como ele que
nascem os criminosos, as crianças abandonadas, as prostitutas e os políticos
corruptos, lacaios de empresas multinacionais e nacionais.
·
Por falar em
ladrões e em prostitutas, não posso deixar de pensar na Ópera dos Três Vinténs,
um dos maiores sucessos de sua vasta obra teatral. O anti-herói do musical,
Macheath, possui um código moral bastante questionável. O senhor simpatiza com
ele?
O bastante para parafraseá-lo: “Não sei
o que é pior: roubar um banco ou fundá-lo”.
·
Essa é uma
verdade incontestável.
Tenho para mim que a única verdade de
fato incontestável é que a vida é uma vagabunda e então você morre.
·
Que verdade
pessimista. Pensar em morrer não é agradável.
A maior parte das pessoas teme a morte,
e eu lhes diria uma única coisa – temam menos a morte do que a vida insuficiente.
·
Herr Brecht, uma
de suas frases mais citadas é a seguinte: “Do rio que tudo arrasta, diz-se que
é violento. Mas ninguém chama de violentas as margens que o comprimem”. Que
margens são essas?
Uma delas é a justiça. A justiça é
simples e solenemente feita para explorar aqueles que não a compreendem e
aqueles que, em situação miserável, não podem obedecê-la.
·
E quanto aos
juízes?
Muitos juízes são absolutamente
incorruptíveis: ninguém jamais conseguirá os obrigar a fazer justiça.
·
Quais as medidas
que o senhor pensa que devem ser tomadas para remediar essa situação?
A prioridade é sempre alimentar os
pobres. Para quem está bem de vida, falar de comida é desimportante. O motivo é
óbvio: eles já comeram. Algumas pessoas acham que têm a missão de purificar os
pobres dos sete pecados, mas deveriam alimentá-los antes de dar início à
pregação – caso contrário, que proclamem sua adorável filosofia, mas aguardem o
pior. Primeiro vem a comida, depois a moral.
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