segunda-feira, 30 de maio de 2016

Considerações sobre o Governo Cunha (2)

Considerações sobre o Governo Cunha (2)

As revelações dos últimos dias já não deixam margem para dúvidas: o golpe de estado em curso busca restaurar o regime de privilégios.


Hamilton Pereira (Pedro Tierra)*
Antonio Cruz / Agência Brasil
Menos de duas semanas depois de instalado o regime parlamentarista bastardo conduzido à sombra pelo Primeiro-Ministro Eduardo Cunha, sob os olhos complacentes do Judiciário e o apoio entusiasta do cartel da mídia monopolizada, a sociedade brasileira já experimenta o significado dessa forma de governo e começa a entender porque nossos avós e nossos pais a rejeitaram quando foram chamados a se pronunciar em plebiscitos. 
 
É que num país como o Brasil em que as oligarquias – as arcaicas e as contemporâneas – devoram os partidos, o sistema parlamentarista tenderá sempre a ser apropriado, como no caso presente, por uma camarilha. Por isso a constituição de 1988 consagrou, num momento de grande mobilização popular e, portanto, de grande legitimidade, o presidencialismo no seu texto.  
 
O Senador Romero Jucá – um dos mais relevantes planejadores do Golpe parlamentarista – foi colhido por uma composição ferroviária! E exposto aos olhos e ouvidos dos cidadãos por meio de um grampo (a mais contemporânea forma de luta política adotada nessa república de Pindorama) e aos olhos e ouvidos do mundo, atentos ao que ocorre nesses tristes trópicos. O então Ministro do Planejamento, pois já não é, expressava ao seu interlocutor nas gravações vindas a público, uma, apenas uma das reais razões do Golpe: deter a Operação policial/judiciária Lava-a-Jato, e “estancar a sangria”. 
 
Traduzindo: para o ex-Ministro a Lava-a-Jato já cumpriu seu papel no Golpe ao afastar o PT da disputa política. Trata-se, naturalmente, de uma suposição. Se seguir operando, a partir de agora será contra nós. Contenhamos pois, o apetite punitivo dos senhores procuradores antes que eles nos peguem na ratoeira e comprometam os objetivos principais: o saque aos direitos dos trabalhadores assegurados pela constituição de 88 e a derrubada do regime de partilha na exploração do pré-sal. Em outras palavras: atropelar a soberania popular para que o Estado Brasileiro possa renunciar à soberania nacional. Esses dois objetivos foram anunciados pelo governo interino, como se interino não fosse, nas suas primeiras iniciativas. 

 
Na primeira semana foi anunciado o assalto sobre as conquistas obtidas pelos setores populares em três décadas de lutas, desde a derrota da ditadura militar. O saque se materializa já nos momentos iniciais do governo interino por meio das reformas trabalhista e previdenciária, da revogação da política de valorização do salário-mínimo e dos cortes de investimento nas áreas de educação, saúde, moradia que caracterizam os alicerces de um Estado de bem-estar social esboçado pelos governos de Lula e Dilma, com o objetivo restaurar o Estado Mínimo sonhado pelo neoliberalismo e derrotado pelos cidadãos nas quatro últimas eleições presidenciais.
 
O Ministério Cunha-Temer é uma camarilha. É produto direto do espetáculo, em dois atos, a que fomos submetidos durante a votação do 17 de abril e 12 de maio, nas duas casas do Parlamento. Está à altura deles. Não guarda, portanto, nenhum compromisso com o esforço da sociedade para civilizar-se, nem mesmo com aqueles setores que, iludidos em sua boa-fé pelo cartel da mídia familiar, em particular a Rede Globo, saíram às ruas acreditando que estavam contribuindo para combater a corrupção no país. 
 
Os primeiros passos do governo ilustram os verdadeiros objetivos do golpe e as revelações dos últimos dias já não deixam margem para dúvidas: o golpe de estado em curso busca restaurar o regime de privilégios, arranhado pelos governos Lula e Dilma, que se perpetuou no país ao longo de cinco séculos e produziu uma das mais sociedades mais desiguais e violentas do planeta.
 
Diante da estreia desse trailer de filme de terror oferecida em duas semanas nos perguntamos sobre o que nos espera. Afastado o PT, trata-se naturalmente de uma suposição, agora cumpre preparar o país para entrega-lo a novos dirigentes, os únicos capazes de regenerá-lo, porque moldados de outra matéria, os juízes: Moro? Joaquim Barbosa? Gilmar Mendes? Ou quem sabe José Serra, o operoso chanceler interino que busca – ansioso – anular em alguns dias todas as conquistas construídas pelo Itamarati durante os últimos 13 anos, quando o país se afirmou no cenário internacional numa posição de destaque só comparável com o período do Barão do Rio Branco? 
 
Como chegarão aos seus objetivos é uma incógnita. Mas, diante das tropelias, do apetite e do escárnio dos primeiros dias, imaginam que já têm a chave nas mãos: o povo é contra? Revogue-se o povo em contrário...
 
A palavra está com as ruas.
 
*Hamilton Pereira (Pedro Tierra) é poeta. Presidente do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. 
 
 
    
   


Créditos da foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

30/05/2016 - Clipping Internacional

30/05/2016 - Clipping Internacional

Governo interino no Brasil quer acabar com os limites à aquisição de terra por estrangeiros.


Carta Maior
reprodução
 
Democracy Now, EUA
Governo interino no Brasil quer acabar com os limites à aquisição de terra por estrangeiros.
http://www.democracynow.org/2016/5/27/headlines/brazil_interim_govt_to_lift_limits_on_foreign_land_ownership
 
Huffington Post, EUA
O Brasil está sendo levado a discutirá violência contra a mulher após um estupro coletivo ter ido parar como vídeo nas redes sociais, glorificando-o.

http://www.huffingtonpost.com/entry/report-of-gang-rape-surfaced-on-social-media-shocks-brazil_us_57489146e4b03ede4414c68a?ir=WorldPost&section=us_world
 
The Guardian, Inglaterra
Polícia invade favelas à procura dos que estupraram coletivamente uma adolescente no Rio de Janeiro, mas nenhuma prisão foi feita
http://www.theguardian.com/world/2016/may/30/police-swarm-rio-slums-in-search-of-gang-suspects
 
The New York Times, EUA
Organização Mundial da Saúde libera o Rio de Janeiro para as Olimpíadas diante das ameaças do virus Zika.
http://www.nytimes.com/2016/05/29/world/americas/zika-olympics-rio-who.html?ref=americas
 
As primeiras prisões são efetuadas sobre o caso do estupro coletivo de adolescente
http://www.nytimes.com/2016/05/29/world/americas/first-arrest-made-in-gang-rape-case-in-brazil.html?ref=americas  
 
El País, Espanha
Especialista quer que Olimpíadas sejam transferidas do Rio de Janeiro por conta do virus Zika e de que se espalhriia mundialmente.
http://internacional.elpais.com/internacional/2016/05/29/actualidad/1464545459_088495.html
 
Pagina 12, Argentina
Entrevista com José Eduardo Cardozo: “O impechment é uma forma de encobrir o golpe”.
http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-300548-2016-05-30.html
 
Artigo de Emir Sader sobre o golpe no Brasil
http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-300549-2016-05-30.html
 
Diário de Notícias, Portugal
“Presidente assiste à queda dos que contribuíram para a destituição. Delcídio, o delator, Jucá, o operacional, e Cunha, o estratega”
http://www.dn.pt/mundo/interior/os-carrascos-de-dilma-vao-tombando-um-a-um-5198949.html
 
Plano Temer: austeridade em versão tropical divide o Brasil. Analistas ainda digerem decisão de instituir um teto de gastos. Os mais à direita dizem que a alternativa é o precipício. Os de esquerda falam em miséria e em retrocesso.
http://www.dn.pt/mundo/interior/plano-temer-austeridade-em-versao-tropical-divide-o-brasil-5196449.html
 
Esquerda.net, Portugal
O vídeo de denúncia da violação que quebrou o bloqueio mediático brasileiro. Ativistas feministas fizeram vídeo para criticar os principais meios de comunicação social brasileiros por não darem destaque à notícia da jovem adolescente que foi violada por 33 homens. Vídeo tornou-se viral e chegou a telejornais de todo o mundo.
http://www.esquerda.net/artigo/o-video-de-denuncia-da-violacao-que-quebrou-o-bloqueio-mediatico-brasileiro/42998
 
Huff Brasil, EUA
A possível nomeação de Fátima Pelaes é mais um baque para o movimento feminista
http://www.brasilpost.com.br/nana-soares/a-possivel-nomeacao-de-fa_b_10135828.html?utm_hp_ref=brazil
 
Deutsche Welle Brasil, Alemanha
Acusações de machismo e misoginia atingem a polícia.
http://www.dw.com/pt/acusa%C3%A7%C3%B5es-de-machismo-e-misoginia-atingem-a-pol%C3%ADcia/a-19292120
 
Protesto das mulheres fala em barbárie
http://www.dw.com/pt/imprensa-alem%C3%A3-destaca-protestos-de-mulheres-e-fala-em-barb%C3%A1rie/a-19292215
 
BBC Brasil, Inglaterra
Polícia afasta delegado que disse não saber se houve estupro coletivo
http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36410666





MUNDO
 
The New York Times, EUA
Poderá Trump vencer as eleições? O jornal analisa algumas regiões que parecem decisivas nas eleições que teria contra Hillary.
http://www.nytimes.com/2016/05/30/us/politics/donald-trump-general-election-battleground.html?hp&action=click&pgtype=Homepage&clickSource=story-heading&module=first-column-region&region=top-news&WT.nav=top-news
 
El País, Espanha
A morte de um polícial que tentava conter uma turba que linchava um suposto ladrão
http://internacional.elpais.com/internacional/2016/05/30/mexico/1464575683_375086.html
 
Daniel Barenboim: “Argentina é o que me resta do passado”. E condena Israel em entrevista.
http://cultura.elpais.com/cultura/2016/05/29/actualidad/1464535211_623687.html





Créditos da foto: reprodução

Temer e Gilmar se unem para tentar salvar o golpe

Temer e Gilmar se unem para tentar salvar o golpe

Com o golpe usurpador começando a ruir, o encontro entre Michel e Gilmar assumiu um caráter exclusivamente político.


Jeferson Miola
Anderson Riedel/ VPR
Na tarde do dia 28 de maio, o presidente-usurpador Michel Temer interrompeu seu descanso na residência em São Paulo e, portanto, a convivência com a “bela, recatada e do lar” esposa Marcela [como diz a revista Veja] e com o filho Michelzinho, para antecipar o regresso a Brasília.
 
Estaria tudo normal não fosse o dia 28 de maio um sábado e se, além disso, o presidente-usurpador tivesse compromissos de governo em Brasília no próprio sábado e no domingo.
 
O problema, contudo, é que Michel – como é chamado na intimidade pela corja golpista – regressou a Brasília, ao que se sabe, exclusivamente para se reunir com o ex-Advogado-Geral da União do FHC, o tucano Gilmar Mendes.
 
Gilmar Mendes, como se sabe, é um integrante de outro Poder de Estado – ele é juiz do STF, apesar de não reunir os atributos necessários para ser juiz da Suprema Corte, e de colecionar atitudes que justificariam seu impedimento no cargo. Atualmente, ele é Presidente do TSE, o Tribunal Superior Eleitoral – realidade também difícil de entender.

 
Além disso, a partir de terça-feira Gilmar presidirá a Segunda Turma do STF, justamente aquela que julgará a maior parte dos políticos investigados pela Lava Jato – por coincidência, a maioria deles pertencente ao PMDB, ao PP e ao PSDB, corruptos que foram decisivos para a perpetração do golpe de Estado e que são fundamentais para a sustentação do governo usurpador, cada vez mais desmoralizado.
 
O encontro entre um presidente do País – mesmo sendo de um governo golpista – e um integrante de outro Poder de Estado, sempre é acompanhado de mínima solenidade e formalidade. Do ponto de vista institucional, para tratar de assuntos institucionais, o encontro é dos titulares dos poderes Executivo e Judiciário, e não entre o titular-usurpador do Poder Executivo e um mero integrante do Poder Judiciário.
 
Michel e Gilmar sabem perfeitamente que o Judiciário é presidido pelo juiz Ricardo Lewandowski, que é quem responde institucionalmente pelo Judiciário. Como não trataram de assuntos institucionais, o encontro entre Michel e Gilmar assumiu um caráter exclusivamente político. E, em função disso, aqui começa o grave problema desse encontro e a dúvida que o envolve.
 
O mundo inteiro sabe que Michel Temer assumiu como presidente-usurpador porque uma quadrilha enlameada em corrupção tomou de assalto o Poder com o golpe de Estado contra a Presidente Dilma. Um golpe que foi perpetrado através do processo de impeachment sem fundamento constitucional, e “comandado por um bandido chamado Eduardo Cunha”, como reporta a imprensa internacional. Essa quadrilha assaltou o Estado para fazer um grande acordo nacional de impunidade para toda a bandidagem e implementar um programa anti-nacional e anti-popular.
 
Além disso, Temer responde juntamente com a Presidente Dilma no processo ficcional aberto por Gilmar Mendes, que quer recusar a prestação de contas da campanha eleitoral de 2014 para cassá-la sem nenhuma base fática e legal.
 
Na últimas semanas, a vida dos golpistas ficou insustentável. Não somente devido às revelações das conversas gravadas, que comprovam a conspiração contra o mandato legítimo da Presidente Dilma, mas também porque o povo brasileiro se insurge cada vez mais nas ruas contra o retrocesso que está sendo imposto pelos usurpadores, que sabem que precisam de um governo ilegítimo para impor o programa neoliberal selvagem que jamais conseguiriam aprovar nas urnas.
 
É crescente a percepção, no seio do povo brasileiro, de que o governo usurpador está inviabilizado; que não passou de farsa para derrubar a Presidente Dilma.
 
Quando da posse, este governo feito 100% testesterona e 0% de pigmento, era 75% Lava Jato. Hoje, o governo usurpador se aproxima da unanimidade: é um governo 100% Lava Jato, a começar pelo conspirador-mor – só falta a força-tarefa revelar as conversas do Sérgio Machado com o Michel Temer, que comandava o PMDB quando o presidente da Transpetro roubava para o esquema deles.
 
O governo usurpador do conspirador Michel Temer tem o cheiro podre de Eduardo Cunha e de Gilmar Mendes. O golpe usurpador começou ruir. A reunião de última hora entre os dois conspiradores é um esforço desesperado para tentar salvar o governo usurpador, que está bem próximo do seu fim. 


Créditos da foto: Anderson Riedel/ VPR

A regra fiscal de Temer-Meirelles: um ataque aos direitos sociais

A regra fiscal de Temer-Meirelles: um ataque aos direitos sociais

O programa de cortes presente na regra fiscal proposta vai manter a economia na lona e derrubar ainda mais a arrecadação tributária.


Pedro Paulo Zahluth Bastos* e Guilherme Santos Mello**
Lula Marques

Não é de hoje que a Constituição Federal é apontada como geradora de ineficiência e baixo crescimento. Já em 1988, velhos e novos tecnocratas contrários à expansão de direitos de cidadania, como Antônio Delfim Neto e Maílson da Nóbrega, alegavam que ela tornava o país ingovernável e incapaz de crescer. Seu argumento era dividido em três partes: a) a alocação obrigatória de recursos para atendimento dos novos direitos à saúde e à educação, por exemplo, pressionaria o orçamento e exigiria a elevação de impostos; b) os novos impostos reduziriam a capacidade de poupar e o investimento efetivo dos empresários, diminuindo a taxa de crescimento econômico; c) o baixo crescimento reduziria a geração de impostos para financiar o programa “irrealista” da Constituição de 1988. Assim, desde cedo argumentos supostamente técnicos eram usados para questionar o pacto social consagrado pela Constituição e atacar os direitos sociais e econômicos com a máscara da neutralidade científica.
 
Um fato sobre o qual os críticos tecnocratas da Constituição Federal se calam é que o gasto social tem um grande multiplicador fiscal, conservadoramente estimado acima de 1,5. Ou seja, o gasto social é receita privada que estimula novos gastos privados, estimulando a atividade econômica e gerando impostos que podem pagar o gasto inicial (a depender da conjuntura econômica). Em qualquer caso, este gasto estimula a economia, sobretudo se comparado a outros tipos de gasto poupados da crítica dos economistas neoliberais. Por exemplo, o multiplicador do pagamento de serviços da dívida pública é estimado pouco abaixo de 0,8, dado o fato que seus portadores são, em geral, liberados de preocupações imediatas de consumo. O ponto importante é que, enquanto o aumento dos juros não estimula a canalização da “poupança” (ou melhor, do estoque de riqueza acumulado por fluxos anteriores de poupança) para investimentos produtivos, um aumento da demanda provocado pelo gasto social estimula o aumento da produção e investimentos privados, que por sua vez aumentam a poupança agregada e a arrecadação tributária.
 
Sempre que uma crise fiscal ocorre por causa de uma crise econômica (e não o contrário), o argumento tecnicista reaparece de diferentes maneiras. A crítica é seletiva: a crise econômica e o desajuste fiscal cíclico são usados para questionar determinações constitucionais para o gasto social. Curiosamente, os mesmos críticos raramente se levantam para questionar o impacto fiscal da “Bolsa Rentista”, associada ao fato de o Brasil ter historicamente as maiores taxas de juros do mundo e o maior custo fiscal dada a relação dívida pública/PIB.
 

O discurso alarmista com a Constituição Federal tende a aumentar quando os portadores de títulos públicos exigem aumento de taxas de juros e têm receio que outros gastos possam “pressioná-los”. Quando um desajuste fiscal decorre da desaceleração da arrecadação tributária determinada por uma desaceleração cíclica da economia, o alarmismo é particularmente perigoso. Se este discurso for forte o suficiente a ponto de convencer ou forçar o governo a determinar corte de gasto público e/ou a elevação de impostos indiretos (sobre transações), tal medida pode retrair ainda mais o gasto privado e, portanto, trazer exatamente o desajuste fiscal e o aumento da dívida pública como proporção do PIB que, teoricamente, a austeridade queria evitar.
 
É esta lição que o bloco político e os economistas conservadores não querem tirar da austeridade desastrosa comandada por Joaquim Levy e Nelson Barbosa durante o segundo governo Dilma Rousseff. Ao invés de admitir que o país atravessava uma desaceleração, mas que a política econômica pró-cíclica foi um elemento determinante para transformá-la em uma recessão que agravou o desajuste fiscal, afirmam que o desajuste só pode ser resolvido com mais cortes, agora sobre as despesas constitucionais obrigatórias.
 
Curiosamente, estes mesmos economistas parecem aceitar a revisão da meta de déficit fiscal para R$ 170,5 bilhões em 2016, o que permitirá ao governo interino, se quiser, promover uma política fiscal anticíclica no curto prazo, distribuindo emendas parlamentares, renegociando dívidas de estados e não realizando nenhum tipo de “ajuste fiscal” do estilo que era exigido do governo Dilma. Tal circunstância nos faz imaginar que eram menos teoricamente ignorantes, do que politicamente hipócritas, as censuras àqueles que, como nós, criticavam a resistência do ministro Levy a revisar a meta fiscal irrealista em 2015.
 
De um ponto de vista estrutural, a radicalidade da proposta de corte do gasto em educação e saúde pública apresentada por Temer e Meirelles é impressionante. A regra que impede a ampliação real do gasto público, levado a apenas acompanhar a taxa de inflação, representa o desmonte do Estado brasileiro no longo prazo. Obriga o governo a cortar radicalmente os dispositivos legais e constitucionais que preveem ampliação da cobertura de bens públicos. O arranjo da Constituição de 1988 para a saúde (SUS) e a luta para comprometer todas as esferas da federação com ampliação dos recursos para o sistema educacional, consubstanciada no Plano Nacional de Educação (PNE), caem por terra com uma canetada só.
 
A longo prazo, a proposta fiscal de Temer-Meirelles impede qualquer aumento do gasto real no sistema público mesmo que a arrecadação, a economia, a população, a sociedade e a demanda por serviços e infraestrutura pública cresçam e se diversifiquem. Decretará a austeridade permanente para os gastos sociais e os investimentos públicos. A previdência social, por exemplo, não poderá receber novos aposentados sem que se corte gastos em outra área. O investimento em infraestrutura não pode aumentar sem cortar salário real dos funcionários. O aumento dos gastos em saúde (esperado com uma população que está envelhecendo) provocará uma redução nos gastos em educação. Poupado será certamente o gasto com juros, pois a regra trata do resultado primário e não do resultado nominal (que incorpora juros) das contas públicas.
 
Entre as regras anunciadas, nenhuma garante uma melhoria nas contas públicas no curto ou médio prazo, seja do superávit primário, seja da trajetória da dívida pública. O que fazem é criar um programa de desmonte do Estado brasileiro, inviabilizando a melhoria e expansão dos serviços públicos, retirando do Estado qualquer possibilidade de realizar políticas econômicas anticíclicas e destruindo a constituição de 1988.
 
Se não tiver truques contábeis e for implementado antes da recuperação firme da economia, o programa de cortes presente na regra fiscal proposta vai manter a economia na lona e derrubar ainda mais a arrecadação tributária. Se, por outro lado, for realizado depois de sua recuperação, não é baixa a probabilidade de que, dada a magnitude dos cortes previstos, joguem de novo a economia na lona.
 
Isso se o programa for de fato implementado: afinal, seu anúncio deve aumentar muito a oposição da sociedade ao governo provisório e seu programa neoliberal radical. Muito provavelmente as jornadas coletivas de luta de trabalhadores da saúde e da educação vão se ampliar, em conjunto com as comunidades que dependem de serviços públicos e aqueles que lutam contra o golpe. É contra este projeto neoliberal/conservador do governo interino, desejoso de privatizar e concentrar serviços e infraestrutura nas mãos de uma elite acostumada com a predação do fundo público, que se insurgem os movimentos sociais populares. O objeto da predação é apenas o povo brasileiro mais pobre: nenhuma realidade poderia imitar melhor o panfleto.
 
*Professor Associado (Livre-Docente) do Instituto de Economia da UNICAMP.
** Professor Doutor do Instituto de Economia da UNICAMP.


Créditos da foto: Lula Marques

'Houve uma conspiração no Brasil'

'Houve uma conspiração no Brasil'

O ex-número um do Mercosul nega que Lula e Dilma tenham implantado uma diplomacia 'ideológica' e adverte contra os acordos de livre-comércio.


Martin Granovsky - Página/12
EBC
Martin: O governo Temer é legitimo?

Samuel: O Governo, interino, de Michel Temer é o resultado de uma conspiração de que participaram, de forma coordenada, os políticos envolvidos em denuncias de corrupção; os políticos e partidos de oposição, como o PSDB,  inconformados com a inesperada derrota, por estreita margem, nas eleições de  2014; os políticos e partidos conservadores, do ponto de vista social, como os evangélicos; os  meios de comunicação, em especial o sistema Globo, com dezenas de estações de televisão, de rádios, jornais e revistas; o Poder Judiciário, desde o Juiz Sergio Moro, messiânico e disposto a praticar em sua luta contra a corrupção atos ilegais de toda ordem, aos Ministros do Supremo que, podendo e devendo,  não o disciplinaram; os interesses estrangeiros que viram, nas dificuldades econômicas, oportunidade de reverter políticas de defesa dos capitais nacionais para promover a  redução do Estado e a abertura aos bens e capitais estrangeiros, como o caso da Petrobras, das riquíssimas jazidas de petróleo do pré-sal, do Banco do Brasil e do BNDES; do mercado financeiro, isto é, dos  grandes investidores e milionários que são os 71.440 brasileiros cuja renda mensal média é de 600 mil dólares; dos rentistas, temerosos de uma politica de redução das taxas de juros; das associações de empresários como a FIESP, a FEBRABAN, a CNI, a CNA ; dos defensores de políticas de austeridade que visam a redução dos programas sociais, revisão dos direitos dos trabalhadores, equilíbrio fiscal  pela redução do Estado, dos programas sociais, dos investimentos do Estado, da fiscalização dos abusos de empresas; e, finalmente, dos deputados, senadores,  economistas e jornalistas, intérpretes, porta-vozes e beneficiários destes interesses.   

A presidente Dilma Rousseff foi afastada por uma Câmara de Deputados  sob a presidência e o comando do notório Deputado Eduardo Cunha, corrupto e afastado, logo em seguida, pelo Supremo Tribunal Federal, que poderia tê-lo afastado antes, e depois por uma Comissão de Senadores e agora, afastada, aguarda resultados da Comissão do Senado e da votação pelo Plenário  do Senado que julgará seu impeachment. Neste processo,  centenas de deputados e senadores, acusados ou processados por corrupção, votaram pelo processo de impeachment, sem que houvesse nenhuma prova de ato ilícito praticado pela Presidente Dilma.

367 Deputados e agora, eventualmente, 54 Senadores, representantes dos mais conservadores setores sociais, dos indivíduos mais ricos em uma das sociedades mais desiguais do mundo, dos interesses estrangeiros mais vorazes, poderão anular o resultado de eleições em que 54 milhões de brasileiros escolheram a Presidenta  Dilma Rousseff  e a continuidade de um projeto de desenvolvimento social,  econômico e politico do  Brasil que se iniciou em  2003,  e derrotaram um projeto neoliberal, submisso e reacionário.


A composição do Ministério indicado por Michel Temer, suas ligações ostensivas, e manifestadas publicamente pelos próprios Ministros, com os interesses econômicos e conservadores e  as acusações de corrupção que sobre eles pesam indicam perfeitamente o caráter da conspiração que derrubou Dilma Rousseff, cujo objetivo final é a recuperação total do poder nas eleições de 2018.

Martin: Quais chances de Dilma não ser afastada definitivamente, e quais fatores condicionam estas chances?

Samuel: Ainda há grandes possibilidades da Presidente Dilma não ser afastada definitivamente já que o número de Senadores que devem votar pelo seu afastamento é de 2/3, isto é, 54 Senadores em um total de 81.

As manifestações populares, de personalidades e setores significativos contra o governo Temer e seus atos, a favor da democracia e contra o  golpe, tem sido cada vez mais amplas e intensas, apesar de a grande imprensa procurar ocultá-las e minimizá-las.

Os elementos fundamentais para evitar o impeachment são a participação do Presidente Lula á frente das manifestações populares, a resistência a cada iniciativa do governo interino apresentadas ao Congresso e  a mobilização e coordenação das ações das organizações sociais.

Martin: Em suas diretrizes de política externa, o ministro José Serra definiu que a diplomacia não seria “ideológica”, nem estaria a serviço de um partido político. Qual sua opinião a respeito?

Samuel: A politica exterior do Brasil tem de se fundamentar nos objetivos de soberania, de integridade territorial, de desenvolvimento econômico, social e politico e se guiar pela Constituição que, em seu artigo 4, define os princípios da politica externa e, entre eles, o objetivo de promover a  integração latino americana.

A politica externa do Brasil tem de considerar, de um lado, a localização geográfica do país, com seus doze Estados vizinhos; as assimetrias entre o Brasil e seus vizinhos; suas extraordinárias dimensões territoriais, de população, de desenvolvimento econômico; suas disparidades de toda ordem;  seus enormes recursos naturais e , de outro lado, e simultaneamente, as circunstâncias de um mundo em que se verifica grande concentração de poder econômico, politico e midiático, com gigantescas multinacionais, com políticas de restrição ao desenvolvimento econômico e tecnológico, com as Grandes Potências em crise econômica prolongada e com uma disputa velada por hegemonia entre os Estados Unidos e a China.

A politica externa dos governos do PT se orientou, com firmeza e coerência, pelos princípios de autodeterminação, de não intervenção, de cooperação com os países subdesenvolvidos, de integração da América do Sul, e pelos objetivos de luta pela desconcentração de poder em nível mundial e pela multipolarização, pelo multilateralismo e contra o unilateralismo das Grandes Potências, pela defesa da paz e pelo desarmamento dos países altamente armados, pelo direito ao desenvolvimento, pelo luta contra o aquecimento global, pelo desenvolvimento econômico, contra a pobreza.

Assim, na América do Sul foram mantidas relações de cooperação e de respeito politico com governos tão distintos quanto os da Colômbia, do Peru, do Chile, da Venezuela, da Argentina, do Uruguai, do Paraguai etc.

Com os Estados Unidos, foi mantida uma política de cooperação, como no caso do etanol; de respeito mútuo, como no caso da Rodada de Doha, e de divergência, sempre que necessária, como no caso da ALCA. As relações com o Brasil foram consideradas pelo governo americano de grande importância, como se pode inferir dos comentários do Presidente Obama sobre o Presidente Lula.

Com a Europa, o grau de cooperação pode ser demonstrado pelo acordo de parceria estratégica com a União Europeia, tipo de acordo que a União Europeia tem com pouquíssimos países, tais como os Estados Unidos e a China; pelo programa de construção e transferência de tecnologia do submarino nuclear com a França; pela aquisição, construção e transferência dos aviões de combate Grippen.

As relações com a China, a grande Potência emergente,  são de grande importância como demonstra o fato de a China se ter tornado o principal parceiro comercial do Brasil, com crescentes investimentos no país, dos acordos celebrados com a China, prevendo operações de valor total superior a 54 bilhões de dólares, da participação, politica e econômica do Brasil,  nos BRICS,  no Banco dos BRICS, no Acordo de Reservas e no Banco Asiático de Infraestrutura.

Nas Nações Unidas, a luta pela reforma da Organização pela ampliação e democratização de seu Conselho de Segurança, em companhia da Índia , do Japão e da Alemanha; a participação nas conferências de natureza social e econômica; a criação do Conselho de Direitos Humanos e a luta contra a utilização seletiva e política dos direitos humanos.

No Oriente Próximo, o Brasil procurou se aproximar dos países árabes através das reuniões entre a América do Sul e países árabes, com excelentes resultados políticos e econômicos para todos que delas participaram. Ao mesmo tempo, o Brasil  reconheceu a Autoridade Palestina como Estado, condenou os ataques a Gaza e os atentados terroristas, de qualquer procedência em qualquer lugar. A iniciativa do Brasil e da Turquia de negociação exitosa do acordo com a Turquia mostrou a capacidade da politica externa brasileira de conseguir soluções onde outros Estados tão mais poderosos haviam fracassado durante tanto tempo.

Com a África, os governos do PT desenvolveram uma política externa  cujos fundamentos eram a dívida histórica do Brasil para com os povos africanos e as possibilidades de entendimento e cooperação politica e econômica devido ao fato de ser o Brasil ter sido também uma colônia e nunca um pais imperialista; subdesenvolvido porém com êxitos importantes em setores como a agricultura de cerrado e a saúde;  da contribuição cultural, econômica, étnica e religiosa das populações africanas para a construção da sociedade brasileira. Na área política, o interesse de cooperar em questões relativas à segurança do Atlântico Sul, a negociação sobre meio ambiente, florestas e mega-diversidade, e sobre comércio na OMC e outros foros.

Toda a politica brasileira foi baseada nos princípios de não intervenção, de autodeterminação e de cooperação respeitosa, sem tentativas de ensinar a nenhum Estado, país ou sociedade como deve se organizar, politicamente ou economicamente. 

Tudo isto prova cabalmente, para quem conhece um mínimo de historia e de politica internacional para além do que diz a mídia e dos preconceitos partidários, que a política desenvolvida pelo Governo brasileiro desde 2003 não foi nem ideológica nem partidária nem visou beneficiar os interesses de um partido, no caso o PT.

Martin:A América do Sul terá de iniciar uma etapa de acordos de livre-comércio?

Samuel: O centro da politica externa brasileira tem de ser a América do Sul; na América do Sul, o Mercosul; no Mercosul, a Argentina. Não compreender isto, significa enorme miopia e cultivar o fracasso.

Um dos principais objetivos do Brasil e de sua politica externa é construir condições que sejam propicias ao seu desenvolvimento econômico, social e politico.

O desenvolvimento econômico e social de um pais como o Brasil, que tem  85 % de sua população urbana; com uma agricultura que não emprega mão de obra em grande escala; com um setor de serviços subdesenvolvido; com grande necessidade de geração de empregos para absorver o crescimento da força de trabalho e os estoques de mão de obra subempregada, como são os 50 milhões de beneficiários do Bolsa Família, cujo rendimento  mensal é inferior  a 77 reais, isto é, a 20 dólares por mês,  tem de ser baseado na industrialização, no setor industrial, base do desenvolvimento de todos os setores da economia.

Pensar em construir uma economia e uma sociedade com base na agricultura apenas é um absurdo técnico, politico e social.

A industrialização necessita de mercados seguros que são os mercados regionais através de acordos que estimulem o desenvolvimento das empresas de capital nacional e atraiam empresas estrangeiras  e da ação do Estado para construir a infraestrutura e complementar a iniciativa privada.

Este mercado na América do Sul é o Mercosul,  com sua tarifa externa comum.

Os países industrializados que desejam escapar de suas crises através das do aumento de suas exportações desejam eliminar a tarifa externa do Mercosul  e suas possibilidades de desenvolvimento industrial  e para isto acenam, junto com seus arautos internos,  com a celebração de acordos de livre  comércio,  que significariam, logicamente, o fim do Mercosul .

O acordo Mercosul- União Europeia seria, em realidade, o primeiro de uma série de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, a  China o Japão, em que,  de um lado, os países do Mercosul, em especial Brasil e Argentina, abririam totalmente seus mercados para os produtos industriais europeus, e em seguida americanos, chineses e japoneses muito mais competitivos e avançados, dariam assimétricas concessões em compras governamentais, e outras concessões, e, em troca, receberiam concessões, irrisórias, em produtos agrícolas.

Mesmo que as concessões europeias correspondessem ao fim de todos os subsídios que concedem a seus agricultores europeus e de todos os obstáculos as exportações agrícolas do Mercosul, o acordo com a União Europeia  seria tremendamente prejudicial aos objetivos de desenvolvimento industrial do Brasil e da Argentina e também do Uruguai e Paraguai.

Os acordos de livre comercio tão defendidos pela mídia, pelos acadêmicos, pelos importadores e pelos países desenvolvidos significam o fim do Mercosul, que é um instrumento importante de promoção do desenvolvimento industrial e, portanto, econômico de nossos países. 

Seria necessário mencionar a UNASUR, a linha de transmissão no Paraguai e tantos outros temas como o FOCEM, mas o espaço não permite.


Créditos da foto: EBC