domingo, 12 de fevereiro de 2017

O CELULAR DE MARCELA TEMER FOI DECISIVO PARA A IDA DE ALEXANDRE DE MORAES AO STF?

O celular de Marcela Temer foi decisivo para a ida de Alexandre de Moraes ao STF?
Kiko Nogueira
Segundo a Folha de S.Paulo, um episódio foi definitivo na decisão de Michel Temer de indicar Alexandre de Moraes para o STF.
Quando ainda era secretário de Segurança de São Paulo, mandando a PM bater em estudantes à vontade, Moraes cuidou do caso da clonagem do celular de Marcela.
Era abril de 2016.
O hacker Silvonei de Souza pedia 300 mil para não vazar fotos íntimas, emails e áudios.
“Moraes, tratou de tudo pessoalmente, com discrição. Em cerca de 40 dias, prendeu o responsável”, conta a reportagem. “Nenhum detalhe vazou. Deu a Temer demonstração cabal de que merecia seu voto de confiança”.
É uma simplificação, claro. Moraes é muito mais do que isso, no mau sentido. Está alinhado com a curriola do golpe, é do PSDB e fará o possível e o impossível para impedir a Lava-Jato de chegar a seus chapas, tendo ao lado o gigante Gilmar Mendes.
Mas o serviço prestado para o big boss não deve ser subestimado. Temer, um ancião do século 19 com uma mulher troféu, ficou eternamente grato.
Sem voto, sem carisma, desprezado pela população, tudo que ele não precisava era que os nudes de Marcela viralizassem — se é que eram só nudes.
No processo, que ganhou classificação de “prioritário”, os nomes das “vítimas protegidas” foram substituídos por codinomes. Quando o hacker mencionava Marcela, o escrivão registrava “Mike”. O suspeito era registrado como “Tim”. Karlo, o irmão da primeira-dama, virou “Kilo”.
Silvonei foi condenado a 5 anos de prisão por estelionato e extorsão.
Moraes não encaminhou solução para um único problema de segurança pública como secretário ou ministro. O pináculo de sua obra foi prender meia dúzia de pobres coitados às vésperas da Olimpíada sob a alegação de que planejavam um ato terrorista.
Enquanto presos degolavam uns aos outros nas rebeliões nas cadeias, ele garantia que a situação estava sob controle.
Um desastre absoluto em todos os sentidos.
Mas resolveu um pepino que colocava em risco a honra do chefão.
O paralelo com a máfia é inevitável e você já assistiu em diversos filmes: a namorada do líder tem a proteção e a segurança de um capanga competente.
O sujeito, em geral um tipo alto, com a cara bexiguenta, sempre de casaco longo de abas levantadas, a trata bem e a livra de encrencas.
O patrão é maluco por ela.
Eram retratos da intimidade dela? Do casal? (Deus é pai) Os emails tratavam somente de assuntos particulares?
Jamais saberemos. Alexandre de Moraes, no entanto, sabe o que havia no celular.
E Temer sabe que ele sabe.
“Há coisas que precisam ser feitas, que as fazemos e nunca falamos nelas. Não tentemos justificá-las”, diz Dom Corleone. “Não podem ser justificadas. Apenas as fazemos. Depois as esquecemos.”

BRASIL TROCOU PRESIDENTE HONESTA POR CORRUPTOS E NÃO HÁ PANELAS

BRASIL TROCOU PRESIDENTE HONESTA POR CORRUPTOS E NÃO HÁ PANELAS


O colunista Janio de Freitas se mostra perplexo, neste domingo, com o fato de o Brasil ter trocado uma presidente honesta, Dilma Rousseff, por uma leva de políticos corruptos, sem que a sociedade reaja.

"Derrubar uma Presidência legítima e uma presidente honesta, para retirar do poder toda aspiração de menor injustiça social e de soberania nacional, tinha como corolário pretendido a entrega do Poder aos que o receberam em maioria, os geddeis e moreiras, os cunhas, os calheiros, os jucás, nos seus diferentes graus e especialidades", diz ele, em seu artigo.

"Como disse Aécio Neves a meio da semana, em sua condição de presidente do PSDB e de integrante das duas bandas de beneficiários do impeachment: 'Nosso alinhamento com o governo é para o bem ou para o mal'. Não faz diferença como o governo é e o que dele seja feito. Se é para o mal, também está cumprindo o papel a que estava destinado pela finalidade complementar da derrubada de uma Presidência legítima e de uma presidente honesta", afirma.

"Não há panelaço, nem boneco com uniforme de presidiário. Também, não precisa. Terno e gravata não disfarçam."


Por uma greve internacional militante no 8 de março

10/02/2017 13:13 - Copyleft

Por uma greve internacional militante no 8 de março

A ideia é mobilizar mulheres, incluindo mulheres trans, e todos os que as apoiam num dia internacional de luta - um dia de greves e marchas


Blog da Boitempo
Boitempo
Um conjunto de intelectuais e ativistas feministas sediadas nos EUA acaba de publicar um chamado para uma greve geral internacional das mulheres neste próximo 8 de março. O texto, assinado por Angela Davis e Nancy Fraser, entre outras, defende que as marchas das mulheres contra Trump, realizadas no último 21 de janeiro em diversas cidades, podem marcar o início de uma nova onda de luta feminista militante, mas propõe um urgente acerto de contas com o “feminismo empresarial” hegemônico e seus limites para construir em seu lugar “um feminismo para os 99%, um feminismo de base, anticapitalista; um feminismo solidário com as trabalhadoras, suas famílias e aliados em todo o mundo.” O primeiro passo neste processo seria a greve internacional convocada para este 8 de março.

O Blog da Boitempo publica, abaixo, o texto integral do manifesto, precedido por um breve comentário introdutório de Flávia Biroli que aproxima a discussão ao contexto brasileiro. Publicado originalmente na Viewpoint Magazine, em 3/02/2017, com o título “Beyond Lean-In: For a Feminism of the 99% and a Militant International Strike on March 8“, a tradução é de Daniela Mussi, originalmente para o Blog Junho.

As reações aos direitos das mulheres se ampliaram ao mesmo tempo em que outros direitos são colocados em xeque de maneira brutal. No Brasil e em outras partes do mundo, direitos trabalhistas, à saúde e à segurança na velhice são desmantelados, evidenciando a face atual do neoliberalismo. Sexismo, xenofobia, racismo e transfobia estão articulados à redução das garantias de trabalhadoras e trabalhadores e ao aumento das desigualdades e da violência.

Por isso intelectuais feministas chamam a todas nós para uma greve internacional no 8 de março, em que mulheres de diferentes partes do mundo estejam nas ruas contra todas essas violências. É uma chamada pelo que temos buscado por aqui também, uma reconstrução das esquerdas na qual feminismos capazes de conectar direitos reprodutivos e trabalho, sexualidade e xenofobia em uma agenda ampla, marcada pelo diálogo com diferentes grupos de mulheres, têm um papel central a cumprir. – Flávia Biroli, colunista do Blog da Boitempo, e co-autora do livro Feminismo e política: uma introdução






**

Para além do “faça acontecer”: por um feminismo dos 99% e uma greve internacional militante em 8 de março

Por Angela Davis, Cinzia Arruzza, Keeanga-Yamahtta Taylor, Linda Martín Alcoff, Nancy Fraser, Tithi Bhattacharya e Rasmea Yousef Odeh. 

As grandes marchas de mulheres de 21 de janeiro [nos Estados Unidos] podem marcar o início de uma nova onda de luta feminista militante. Mas qual será exatamente seu foco? Em nossa opinião, não basta se opor a Trump e suas políticas agressivamente misóginas, homofóbicas, transfóbicas e racistas. Também precisamos alvejar o ataque neoliberal em curso sobre os direitos sociais e trabalhistas. Enquanto a misoginia flagrante de Trump foi o gatilho imediato para a resposta maciça em 21 de janeiro, o ataque às mulheres (e todos os trabalhadores) há muito antecede a sua administração. As condições de vida das mulheres, especialmente as das mulheres de cor e as trabalhadoras, desempregadas e migrantes, têm-se deteriorado de forma constante nos últimos 30 anos, graças à financeirização e à globalização empresarial. O feminismo do “faça acontecer”* e outras variantes do feminismo empresarial falharam para a esmagadora maioria de nós, que não têm acesso à autopromoção e ao avanço individual e cujas condições de vida só podem ser melhoradas através de políticas que defendam a reprodução social, a justiça reprodutiva segura e garanta direitos trabalhistas. Como vemos, a nova onda de mobilização das mulheres deve abordar todas essas preocupações de forma frontal. Deve ser um feminismo para 99% das pessoas.

O tipo de feminismo que buscamos já está emergindo internacionalmente, em lutas em todo o mundo: desde a greve das mulheres na Polônia contra a proibição do aborto até as greves e marchas de mulheres na América Latina contra a violência masculina; da grande manifestação das mulheres de novembro passado na Itália aos protestos e greve das mulheres em defesa dos direitos reprodutivos na Coréia do Sul e na Irlanda. O que é impressionante nessas mobilizações é que várias delas combinaram lutas contra a violência masculina com oposição à informalização do trabalho e à desigualdade salarial, ao mesmo tempo em que se opõem as políticas de homofobia, transfobia e xenofobia. Juntas, eles anunciam um novo movimento feminista internacional com uma agenda expandida – ao mesmo tempo anti-racista, anti-imperialista, anti-heterossexista e anti-neoliberal.

Queremos contribuir para o desenvolvimento deste novo movimento feminista mais expansivo.

Como primeiro passo, propomos ajudar a construir uma greve internacional contra a violência masculina e na defesa dos direitos reprodutivos no dia 8 de março. Nisto, nós nos juntamos com grupos feministas de cerca de trinta países que têm convocado tal greve. A ideia é mobilizar mulheres, incluindo mulheres trans, e todos os que as apoiam num dia internacional de luta – um dia de greves, marchas e bloqueios de estradas, pontes e praças; abstenção do trabalho doméstico, de cuidados e sexual; boicote e denuncia de políticos e empresas misóginas, greves em instituições educacionais. Essas ações visam visibilizar as necessidades e aspirações que o feminismo do “faça acontecer” ignorou: as mulheres no mercado de trabalho formal, as que trabalham na esfera da reprodução social e dos cuidados e as desempregadas e precárias.

Ao abraçar um feminismo para os 99%, inspiramo-nos na coalizão argentina Ni Una Menos. A violência contra as mulheres, como elas a definem, tem muitas facetas: é a violência doméstica, mas também a violência do mercado, da dívida, das relações de propriedade capitalistas e do Estado; a violência das políticas discriminatórias contra as mulheres lésbicas, trans e queer, a violência da criminalização estatal dos movimentos migratórios, a violência do encarceramento em massa e a violência institucional contra os corpos das mulheres através da proibição do aborto e da falta de acesso a cuidados de saúde e aborto gratuitos. Sua perspectiva informa a nossa determinação de opormo-nos aos ataques institucionais, políticos, culturais e econômicos contra mulheres muçulmanas e migrantes, contra as mulheres de cor e as mulheres trabalhadoras e desempregadas, contra mulheres lésbicas, gênero não-binário e trans-mulheres.

As marchas de mulheres de 21 de janeiro mostraram que nos Estados Unidos também um novo movimento feminista pode estar em construção. É importante não perder impulso. Juntemo-nos em 8 de março para fazer greves, atos, marchas e protestos. Usemos a ocasião deste dia internacional de ação para acertar as contas com o feminismo do “faça acontecer” e construir em seu lugar um feminismo para os 99%, um feminismo de base, anticapitalista; um feminismo solidário com as trabalhadoras, suas famílias e aliados em todo o mundo.

Nota:

* “Faça acontecer” [Lean-in] é uma referência ao movimento inspirado no livro de Sheryl Sandberg, Lean in: Women, work, and the will to lead (New York: Random House, 2013. Versão em português Faça acontecer: mulheres, trabalho e a vontade de liderar. São Paulo: Companhia das Letras, 2013). A principal característica do movimento é a ênfase no empreendedorismo feminino (N. Da T.).


Créditos da foto: Boitempo

Rio: Manifestantes são reprimidos em protesto contra privatização da água e esgoto

10/02/2017 11:30 - Copyleft

Rio: Manifestantes são reprimidos em protesto contra privatização da água e esgoto

PM é acusada de usar força excessiva contra a população; uma manifestante afirma que houve uso de arma letal.


Fania Rodrigues - Brasil de Fato
Mídia Ninja
Mais um protesto termina em forte repressão no Centro do Rio de Janeiro nessa quinta-feira (9). Cerca de 10 mil trabalhadores, entre eles muitos servidores públicos e funcionários da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), protestaram contra a privatização da empresa de saneamento. A votação do projeto que propõe a venda da Cedae, entra na pauta de votação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), hoje às 19h.
 
Ruas da região central da cidade foram fechadas e parte do comércio foi fechada. Bombas de gás, balas de borracha, spray de pimento e jatos de água foram usados por policiais militares para dispersar a manifestação.
 
O ato contra a privatização da Cedae começou ao meio dia e a repressão durou mais de 4h seguidas. “Isso é uma covardia, jogando bomba de gás e spray de pimenta em trabalhador. Estamos aqui defendendo a água, nossos empregos e essa empresa que é do povo. Estamos aqui na batalha e temos que tirar Pezão de lá”, afirma o presidente do Sintsama, Humberto Lemos.
 
Durante o protesto, um carro blindado, conhecido também como caveirão, foi usado contra manifestantes. Uma das vítimas foi o secundarista Carlos Henrique Senna, 18, baleado por uma bala de borracha perfurante. Ele foi levado ao Hospital Souza Aguiar, e o médico informou que houve lesão grave do intestino, além de afetar o estômago.





 
O jovem estuda no Colégio Hebert de Souza, na Tijuca, e é militante da Associação Estadual dos Estudantes  Secundaristas (AERJ).
 
“A polícia militar fez uma emboscada, na Praça 15. Os manifestantes foram atacados e não conseguiram sair desse reduto. Teve até tiro de arma letal”, informou a ativista Beatriz Lopez, integrante da União da Juventude Socialista (UJS).
 
Apesar da violência da PM, à 16h30 os manifestantes voltaram para frente da Alerj para continuar o protesto contra a votação, que se estenderá até à noite.
 
“Não existe diálogo com a população. Os governantes já lidam com o povo na base da porrada. Mas o povo acordou, por isso estamos aqui hoje. Paga o policial para dar porrada na gente, está aí o resultado: as ruas do Rio estão parecendo palco de guerra”, afirmou um bombeiro que pediu anonimato.
 
O Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe) já prepara novo protesto no dia 15 de fevereiro, quando será votado na Alerj o Pacote de Maldade (proposta de ajuste fiscal do governo Pezão).

 


 

Para que privatizar?



 
A proposta do governo de Luiz Fernando Pezão é fatiar a Cedae. A estatal continuaria com a captação de água e as outras empresas privadas ficariam responsáveis pela distribuição de água e esgoto, de acordo com informações do Sindicato dos Trabalhadores em Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Sintsama -RJ).
 
“Querem vender uma empresa que acaba de realizar um dos seus maiores investimentos dos últimos anos. Isso só trará prejuízos à população. Também não está provado que a iniciativa privada é mais eficiente que a administração pública”, criticou o secretário-geral do Sintsama, Paulo Sérgio Faria.
 
O funcionário afirma ainda que a distribuição de água e esgoto é justamente a parte mais rentável, o “filé mignon” da empresa. Portanto, nessa divisão o governo ficaria com o setor que gera os gastos mais altos.
 
Desde 2007, a Cedae vem realizando forte investimento na ampliação das redes de água e esgoto, o que tem gerado lucro para a empresa. Só em 2015, a empresa repassou cerca de R$ 109 milhões aos cofres públicos.
 
Outro fator que pesa contra a privatização, segundo o sindicado dos funcionários, é que cada vez que um serviço é privatizado, o valor da tarifa aumenta para garantir o lucro das empresas. No caso da Cedae, o tema é sensível, sobretudo porque ela fornece água para mais de cinco milhões de pessoas em situação de pobreza, que pagam uma taxa social.
 
Brasil de Fato procurou a assessoria do governador Luiz Fernando Pezão, mas até o fechamento dessa matéria ainda não tinha recebido resposta.


Créditos da foto: Mídia Ninja




O espírito santo do golpe é o inferno do Brasil

10/02/2017 00:00 - Copyleft

O espírito santo do golpe é o inferno do Brasil

Prefigura-se ali o espetáculo truculento de uma sociedade exposta à crua expressão de seus conflitos, sob a égide de um Estado mínimo.

por: Saul Leblon

Tânia Rego e Fernando Frazão
 
A população do Espírito Santo, sobretudo a da capital e região metropolitana, foi arrastada a uma viagem no tempo que antecipou, em vinte anos, o país da receita de arrocho implantada pelo golpe de 2016.
 
Por dias e noites prefigura-se ali o espetáculo truculento de uma sociedade submetida à crua expressão de seus interesses contrapostos, sob a égide de um Estado mínimo.
 
O acelerador da história, neste caso, foi o eclipse de um dos vigamentos centrais do poder estatal na sociedade moderna: o monopólio da violência.
 





Ele foi abduzido em terras capixabas por uma greve policial que fez recuar, com assustadora rapidez, o império da lei.
 
Em seu lugar emergiu um filme fantasmagórico.
 
Ruas desertas, paralisia do sistema coletivo de transporte, comércio de portas cerradas e escolas vazias.
 
Nesse ambiente zumbi o crime é o senhor ubíquo da vida e da morte da sociedade. Seu carcereiro, seu juiz e seu carrasco.
 
O saldo da, repita-se, velocidade com que a ordem supostamente baseada em valores compartilhados se liquefez, ombreia-se ao de regiões submetidas aos padecimentos das guerras convencionais.
 
Mais de uma centena de assassinatos –quase um por hora, cerca de duzentos roubos de veículos por dia, agressões, saques, desabastecimento.
 
O conjunto não contabiliza a octanagem de terror e insegurança experimentados pelos passageiros dessa aventura: os dois milhões de habitantes da Grande Vitória.
 
Sempre se poderá alegar em defesa do conservadorismo que serviços essenciais, como é o caso da segurança pública, não se incluem no credo da miniaturização do Estado por ele apregoada.
 
Na prática a teoria é outra.
 
E nisso também a aceleração temporal capixaba é fértil em advertências ao Brasil.
 
A barbárie que lateja no ventre dos ajustes fiscais draconianos, a exemplo daquilo que o golpe prescreve para os próximos vinte anos no país, evidenciou a sua cegueira indivisa no Espírito Santo.
 
O economista Marcos Lisboa, um dos clínicos mais respeitados das terapias neoliberais, ex-integrante da equipe do ex-ministro Antônio Palocci, acusa de ‘chantageadores’ policiais grevistas cujo salário base --de R$ 2.643-- está há 7 anos sem aumento real. E há 4 anos sem reajuste da inflação.
 
A informação é da Associação dos Oficiais Militares do ES.
 
A lista de exigências dos ‘chantagistas’ de Lisboa inclui itens que desconcertam pela sua exclusão na rotina de quem cuida da segurança da sociedade.
 
Auxílio alimentação, por exemplo. Mas também adicional noturno e plano de saúde, ademais de adornos ornamentais, como colete à prova de bala e manutenção das viaturas
 
A reação raivosa de Lisboa, infelizmente, não é solitária.
 
Encampa-a a constelação dos ditos economistas de mercado, dos quais se cercou o governo do Espírito Santo, recebendo em troca elogios regulares de suas estrelas na mídia.
 
Armínio Fraga, Samuel Pessoa, Mansueto Almeida, entre outros, chegam a arriscar o nome de Paulo Hartung, ‘ o governante bom de ajuste’, como um potencial concorrente à presidência da República pelo partido do ‘mercado’, em 2018.
 
De fato, o peemedebista Hartung, em seu terceiro mandato como governador, notabiliza-se pela determinação em cumprir aquilo que o neoliberalismo colegial denomina de ‘lição de casa’.
 
Aluno aplicado, o governador limou o orçamento de seu antecessor antes mesmo de tomar posse, em 2015, por considera-lo superestimado na coluna das receitas.
 
À frente da lipoaspiração fiscal estava uma titã da constelação ortodoxa: a economista Ana Paula Vescovi, cuja habilidade no manejo da tesoura rendeu-lhe um prêmio, após o golpe de agosto de 2016.
 
Apadrinhada pela turma de Lisboa, Manuseto, Armíno etc, ela foi alçada ao cargo estratégico de Secretária do Tesouro Nacional, em Brasília, levando na bolsa as lâminas necessárias para replicar na esfera nacional um dos mais duros processos de ajustes fiscais já feitos num Estado brasileiro.
 
Vescovi faz parte da ordem festejada pelo mercado por ‘entregar o serviço’ com fé, sem misericórdia.
 
Comprimir o Estado no que for preciso para honrar a dívida com os credores é o sacramento dessa operária do arrocho.
 
Sua eficiência virou um ‘case’ festejado na boca e nos artigos dos grandes malabaristas que defendem cortar as pernas do país para fazê-lo andar mais, com menos. 
 
No seu terceiro mandato, Hartung herdou um déficit de R$ 1,4 bilhão em 2014.
 
A tesoura de Vescovi trabalhou com afinco. 
 
Em 2015 o governador do PMDB  pode anunciar um superávit de R$ 176 milhões: basicamente um cavalo de pau nos gastos, sem ganhos de receita.
 
Uma consultoria privada  –a dos ortodoxos-- foi acoplada à máquina pública.
 
Meta: ‘reduzir desperdícios’ em áreas triviais como Educação, Saúde, Segurança etc
 
Em 2016, outro superávit. 
 
Pequeno, informa-se, algo sem jeito, nestes dias em que a polícia local reivindica colete-à-prova de bala. Mas ilustrativo, na medida em que as receitas definharam com a recessão dos últimos dois anos e escavaram o fundo do poço em uma economia já detonada por suas peculiaridades.
 
O desastre da Samarco em Mariana (MG) paralisou quatro pelotizadoras da empresa no Espírito Santo, sobrepondo-se aos efeitos da queda nos preços do petróleo, cuja exploração na costa capixaba tem peso relevante na receita, a exemplo do que ocorre no Rio de Janeiro.
 
Os dois estados, por sinal --vale o parêntesis-- estão destroçados financeiramente.
 
Mas não por acaso recebem tratamento distinto na mídia.
 
A crise carioca é demonizada pelo jogral dos economistas de mercado. 
 
A superlativa desenvoltura com que o ex-governador Sergio Cabral ergueu seu pecúlio particular ancorado em obras públicas, lubrifica o martelete do oportunismo ortodoxo.
 
O RJ reportado pela emissão conservadora é um caso terminal de ‘má gestão e gastança’.
 
Ao diagnóstico emenda-se invariavelmente um vaticínio.
 
O Brasil seguirá o mesmo caminho se o ’ lulopopulismo’ não for erradicado, ou seja, se as medidas antissociais e antinacionais preconizadas pelo golpe não forem ministradas
 
A greve de policiais no Espírito Santo é uma pedra no caminho dessa narrativa.
 
Afinal, como um ‘case’ fiscal exemplar, que alçou sua condutora ao comando do Tesouro Nacional, pode redundar em uma crise igual ou pior que a do RJ perdulário?
 
Assim.
 
I) O sucesso do arrocho fiscal capixaba foi obtido basicamente com um corte drástico dos investimentos públicos; a previsão para este ano reserva apenas R$ 200 milhões a esse item;
 
II) a economia de cerca de R$ 1,6 bilhão obtida em 2015 correspondeu em 80% a tesouradas nessa rubrica, que explicam a lista desconcertante de reivindicações dos ‘chantagistas’ de Marcos Lisboa;
 
III) a proeza exigiu a suspensão do reajuste dos servidores públicos – tampouco previsto no orçamento de 2016, medida  festejada como evidência de compromisso corajoso com a meta fiscal pelo jogral pró-cíclico.
 
Esse que não hesita em lançar boias de chumbo a afogados.
 
Na verdade, a reversão brusca nas rendas do petróleo tornada explosiva com a destruição da Petrobras, a paralisação de suas obras, o desmanche de estaleiros e da cadeia de fornecedores  --graças à visão de mundo do juiz de Curitiba— exigiria uma ação federal preventiva para mitigar perdas e danos nos dois polos mais atingidos pela borrasca, RJ e ES.
 
Quem acredita, porém, que a quebradeira pune a ‘imundícia das intervenções’ indevidas na formação e distribuição da riqueza das nações, prefere a ‘purga’.
 
Era o que diziam também os antecessores de Franklin Roosevelt, em plena quebradeira de 1929 nos EUA. 
 
Como hoje no Brasil, números azedos comandavam a economia sem que se erguesse uma força com legitimidade e projeto capaz de comandá-los. 
 
O monólogo da ‘purga inevitável em tempos difíceis’ ia impondo sua ordem unida na frente da produção, do financiamento, do emprego e da política.
 
A percepção de que as rédeas escapavam às mãos que deveriam controlá-las, como acontece aqui, fornecia a ração diária do ceticismo que engrossa a cintura dos grandes colapsos nacionais. 
 
O salve-se quem puder de cada unidade produtiva fornecia o combustível à imolação coletiva. 
 
Em tempo: estamos falando de 1929 no hemisfério norte.
 
O liberal Herbert Hoover, presidente norte-americano então, assistia a tudo impassível.
 
Ou melhor, pró-cíclico.
 
Sua fé na autorregulação dos mercados embalava a sociedade em uma nuvem de colapso social e produtivo sem precedente.
 
Na semana em que Roosevelt assumiu a presidência, o país tinha proporcionalmente o maior contingente de desempregados do mundo. 
 
Somado às respectivas famílias equivalia a uma população maior que a da Inglaterra então.
 
A perda de confiança no futuro funcionava como uma empresa demolidora; milhões de marretas anônimas trabalhavam dia e noite para desmontar o que restava do alicerce social e econômico.
 
Eleito no primeiro de quatro mandatos sucessivos em 1933, Roosevelt não esperou afundar o que restava de casco fora d’água.
 
Adotou um programa calcado em contundente intervenção do Estado na economia, o New Deal.
 
Um vigoroso plano de obras públicas destacava-se no seu corpo.
 
Mas não era a espinha dorsal.
 
Roosevelt domou o próprio medo e regulou duramente o sistema financeiro, o verdadeiro vórtice da crise.
 
A especulação bancária com dinheiro dos correntistas foi coibida, o dólar foi desvalorizado para favorecer as exportações. 
 
Criou-se, ademais, um sistema de Previdência Social para proteger os trabalhadores, cuja sindicalização em massa foi incentivada, o que rendeu ao presidente democrata a acusação de comunista. 
 
O ‘comunista’ salvava o capitalismo dele mesmo.
 
Roosevelt semeou assim protagonistas para as mesas de repactuação de preços, salários e metas de produção entre empresas, sindicatos e governo, que forneceriam a alavanca para reverter o desalento em esperança --  experiência inspiradora para um Brasil incapaz de enxergar a porta do futuro.
 
Roosevelt o fez  –é bom não esquecer--  graças a uma correlação de força decidida na rua, que lhe deu o  poder de indução nacional.
 
Assim ancorado, ganhou margem de manobra para taxar duramente o lucro financeiro e os dividendos e induzir o investimento produtivo.
 
Com a mesma legitimidade, reduziu horas de trabalho para gerar novos turnos nas fábricas;  renegociou dívidas das empresas e renegociou o crédito, condicionando-o a metas de produção e emprego. 
 
A prefiguração do que significa viver em uma sociedade regida pela espiral oposta --sem Estado, ou com um Estado mínimo--   encurrala nesse momento a população capixaba na fronteira da anomia social.
 
A sublevação do seu braço armado transfigurou a panaceia do ‘ajuste’ em uma guerra de todos contra todos.
 
Não é um ponto fora da curva. 
 
É a curva da insanidade conservadora.
 
Essa que se outorgou a missão, não escrutinada, de dar um cavalo de pau na democracia e na economia brasileiras, jogando por terra amplos segmentos da sociedade, largas esferas da produção e a vontade soberana de 54 milhões de votos.
 
Pode acontecer de novo em outros elos vulneráveis de uma federação trincada por dívidas, déficits, receitas declinantes, colapso nos serviços, demandas sociais agigantadas pelo desemprego.
 
O desespero popular silencioso em outros grandes centros não significa que o risco Espírito Santo foi estancado.
 
A serpente continua a espalhar seus ovos.
 
Numa das cenas do filme “Ensaio sobre a Cegueira”, adaptação de Fernando Meirelles para o romance de Saramago, o personagem cego pergunta à esposa cuja visão subsiste na solidão de um mundo que perdeu a capacidade de se enxergar e se autogerir:
 
‘Há sinais de governo?’
 
A resposta é dada pelo angustiante passeio da câmera nas ruas de uma metrópole que lembra a noite sobressaltada  de Vitória. 
 
O que a lente documenta são bandos esfarrapados e famintos vagando sem destino. Modalidades previsíveis da barbárie preenchem um hiato em que o Estado desmoronou e os valores da convivência humana se eclipsaram. 
 
A autorregulação dos mercados não preenche o vazio, amplifica-o.
 
Quem assistir ao filme nesses dias de convulsão doméstica dificilmente resistirá à analogia com um horizonte de desordem nacional que se estende até onde a blindagem do jornalismo conservador permite enxergar.
 
Ora ela explode em números de desemprego; ora em ações de um juiz que se comporta como uma entidade rapinosa;  ora é a ingovernável visita da tragédia; ora decisões intempestivas de um parlamento que se comporta como a câmara de gás do futuro nacional, como se não houvesse amanhã.
 
Mais inquietante, no entanto, é a invisibilidade de alternativas que ofereçam à sociedade uma nova visão da economia e do seu desenvolvimento.
 
Para um pedaço da esquerda que já jogou a toalha, não há forças de redenção para resistir ao novo normal golpista.
 
Não sabem seus porta-vozes, mas o conformismo  que engrossa a fila do matadouro azeita os dentes da engrenagem com a qual pretendem negociar.
 
A cegueira hoje é a jaula ideológica erguida ao longo de décadas de recuos e adaptação da democracia às imposições dos mercados e de seus dogmas.
 
Uma pergunta povoa o imaginário brasileiro com um misto de ansiedade progressista e apreensão conservadora.
 
Para onde vai Lula diante dessa encruzilhada, depois que jurou no caixão de dona Marisa continuar a luta pelo Brasil que inspirou suas vidas?
 
Lula não é um bolchevique.
 
Mas não se cansa de repetir que é fruto das lutas do povo brasileiro.
 
Seu norte é  ‘nunca esquecer de onde veio’ –dizia-lhe a voz assertiva da ‘galega’, que vai ecoar para sempre na sua cabeça.
 
Lá dentro ele sabe que não há o que negociar na economia sem que antes a liberdade de sufrágio recoloque na mesa a vontade majoritária da população brasileira.
 
Os 113 mortos do Espírito Santo não são mera decorrência dos ‘chantagistas’. 
 
Eles são a ponta de um iceberg feito de 12 milhões de desempregados, de R$ 50 bilhões em obras públicas paralisadas, da entrega do pre-sal, da destruição da engenharia nacional, do esquartejamento da Petrobrás, da ameaça aos assalariados, da penalização dos aposentados e pensionistas pobres, da escória erigida em autoridade e da rapina embalada em virtude.
 
Mudar isso implica reverter a correlação de forças. Aquela que permitiu a Roosevelt ser o que foi e impediu Obama de reeditá-lo.
 
A vontade majoritária da população brasileira precisa saber que o espírito santo de hoje prefigura o inferno do Brasil no passo seguinte de sua história.
 
Isso na voz rouca de Lula estala mais forte que pancada.
 
A ver.