domingo, 18 de junho de 2017

QUADRILHA PERIGOSA

QUADRILHA PERIGOSA


É explosiva a entrevista de Joesley Batista à Época.

Vou reproduzi-la, mas destaco, antes, alguns trechos:

Michel Temer não é um cara cerimonioso com dinheiro.

Ele dizia: ‘Joesley, essa parte financeira toca com o Eduardo e se acerta com o Eduardo Cunha’.

O mais relevante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre deixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio Michel.

O Temer é o chefe da ORCRIM [organização criminosa] da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar a guarda, eles não têm limites.

A entrevista de Joesley fixa um ponto principal: Temer era o chefe e Eduardo Cunha seu agente.

Leia a entrevista, o retrato de um bandido desenhado por outro bandido:

Joesley Batista: “Temer é o chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil”

ÉPOCA – Quando o senhor conheceu Temer?

Joesley Batista – Conheci Temer através do ministro Wagner Rossi, em 2009, 2010. Logo no segundo encontro ele já me deu o celular dele. Daí em diante, passamos a falar. Eu mandava mensagem para ele, ele mandava para mim. De 2010 em diante. Sempre tive relação direta. Fui várias vezes no escritório da Praça Pan-americana, fui várias vezes no escritório no Itaim, fui várias vezes na casa dele em São Paulo, fui alguma vezes no Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele foi no meu casamento. Foi inaugurar a fábrica da Eldorado.

ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza da relação do senhor com o presidente Temer?

Joesley – Nunca foi uma relação pessoal, de amizade. Sempre foi uma relação institucional, de um empresário que precisava resolver problemas e via nele a condição de resolver problemas. Acho que ele me via como um empresário que poderia financiar as campanhas dele – e fazer esquemas que renderiam propina. Toda vida tive total acesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me chamava, eu ia lá.

ÉPOCA – Conversar sobre política?

Joesley – Ele sempre tinha um assunto específico. Nunca me chamou lá para bater papo. Sempre que ele me chamava eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queria alguma informação.

ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiro ao senhor já em 2010. É isso?

Joesley – Isso. Logo no início. Conheci Temer e esse negócio de dinheiro para campanha, aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro.

ÉPOCA – Ele sempre pediu sem algo em troca?

Joesley – Sempre estava ligado a alguma coisa, ou a algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300 mil para fazer campanha na internet antes do impeachment, preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele se manter. Também pediu para um tal de Ortolon, que está lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu para nós fazermos um mensalinho. Fizemos. Ele volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez ele me chamou para apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para ver se dava para ajudar o Yunes.

ÉPOCA – E ajudou?

Joesley – Não chegamos a contratar. Teve uma vez também que ele me pediu para ver se eu pagava o aluguel do escritório dele na Praça Panamericana, em São Paulo. Eu desconversei, fiz de conta que não entendi, não ouvi. Ele nunca mais me cobrou.

ÉPOCA – Ele explicava a razão desses pedidos? Por que o senhor deveria pagar?

Joesley – O Temer tem esse jeito calmo, esse jeito dócil de tratar e coisa. Não falava.

ÉPOCA – Ele não deu nenhuma razão?

Joesley – Não, não ele. Tem políticos que acreditam que, pelo simples fato do cargo que ele está ocupando, já o habilita a você ficar devendo favores a ele. Já o habilita a pedir algo a você de maneira que seja quase uma obrigação você fazer. Temer é assim.

ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidente também ocorreu dessa maneira?

Joesley – Não lembro direito. Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.

ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDB na campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud, que está na colaboração da JBS.

Joesley – Ricardinho falava direto com Temer, além de mim. O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou à Presidência do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou ativamente disso.

ÉPOCA – Como era a relação entre Temer e Eduardo Cunha?

Joesley – A pessoa a qual o Eduardo se referia como seu superior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre falando em nome do Temer. Tudo que o Eduardo conseguia resolver sozinho, ele resolvia. Quando ficava difícil, levava para o Temer. Essa era a hierarquia. Funcionava assim: primeiro vinha o Lúcio. O que ele não conseguia resolver ele pedia para o Eduardo. Se o Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel.

ÉPOCA – Segundo as provas da delação da JBS e de outras investigações, o senhor pagava constantemente tanto Eduardo Cunha quanto Lúcio Funaro, seja por acertos na Câmara, seja por acertos na Caixa, entre outros. Quem ficava com o dinheiro?

Joesley – Em grande parte do período que convivemos meu acerto era direto com o Lúcio. Eu não sei como era o acerto do Lúcio com o Eduardo, tampouco do Eduardo com o Michel. Eu não sei como era a distribuição entre eles. Eu evitava falar de dinheiro de um com o outro. Não sabia como era o acerto entre eles. Depois, comecei a tratar uns negócios direto com o Eduardo. Em 2015, 2016, quando ele assumiu a Presidência da Câmara. Não sei também o quanto desses acertos iam para o Michel. E com o Michel mesmo eu também tratei várias doações. Quando eu ia falar de esquema mais estrutural com Michel, ele sempre pedia para falar com o Eduardo. ‘Presidente, o negócio do Ministério da Agricultura, o negócio dos acertos…’. Ele dizia: ‘Joesley, essa parte financeira toca com o Eduardo e se acerta com o Eduardo’. Ele se envolvia somente nos pequenos favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014.

ÉPOCA – O senhor realmente precisava tanto assim desse grupo de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?

Joesley – Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na Agricultura – todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu morria de medo de eles encamparem o Ministério da Agricultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande. Eles tentaram. Graças a Deus mudou o governo e eles saíram. O mais relevante foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha de tudo. Eduardo sempre deixava claro que o fortalecimento dele era o fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio Michel. Aquele grupo tem o estilo de entrar na sua vida sem ser convidado.

ÉPOCA – Pode dar um exemplo?

Joesley – O Eduardo, quando já era presidente da Câmara, um dia me disse assim: ‘Joesley, tão querendo abrir uma CPI contra a JBS para investigar o BNDES. É o seguinte: você me dá cinco milhões que eu acabo com a CPI.’ Falei: Eduardo, pode abrir, não tem problema. – “Como não tem problema?” - Investigar o BNDES, vocês. Falei: Não, não tem problema. – “Você tá louco?” Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: “é sério que não tem problema?” Eu: é sério. Ele: não vai te prejudicar em nada? Não, Eduardo. Ele imediatamente falou assim: seu concorrente me paga cinco milhões para abrir essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que eles me dão os 5 milhões. Uai, Eduardo, vai sua consciência. Faz o que você achar melhor’. Esse é o Eduardo. Não paguei e não abriu. Não sei se ele foi atrás. Esse é o exemplo mais bem acabado da lógica dessa ORCRIM.

ÉPOCA – Algum outro?

Joesley – Lúcio fazia a mesma coisa. Virava para mim e dizia: tem um requerimento numa CPI para te convocar. Me dá um milhão que eu barro. Mas a gente ia ver e descobria que era algum deputado a mando dele que estava fazendo. É uma coisa de louco.

ÉPOCA – O senhor não pagou?

Joesley – Nesse tipo de coisa, não. Tinha alguns limites. Tinha que tomar cuidado. Essa é a maior e mais perigosa organização criminosa desse país. Liderada pelo presidente.

ÉPOCA – O chefe é o presidente Temer?

Joesley – O Temer é o chefe da ORCRIM da Câmara. Temer, Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita perigosa. Não pode brigar com eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar a guarda, eles não têm limites. Então meu convívio com eles foi sempre mantendo à meia distância: nem deixando eles aproximarem demais nem deixando eles longe demais. Para não armar alguma coisa contra mim. A realidade é que esse grupo é o de mais difícil convívio que já tive na minha vida. Daquele sujeito que nunca tive coragem de romper, mas também morria de medo de me abraçar com ele.
ÉPOCA – No decorrer de 2016, o senhor, segundo admite e as provas corroboram, estava pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, ambos já presos na Lava-Jato, com quem o senhor tivera acertos na Caixa e na Câmara. O custo de manter esse silêncio ficou alto demais? Muito arriscado?

Joesley – Virei refém de dois presidiários. Combinei quando já estava claro que eles seriam presos, no ano passado. O Eduardo me pediu 5 milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez dias depois ele foi preso. Eu tinha perguntado para ele: “Se você for preso, quem é a pessoa que posso considerar seu mensageiro?”. Ele disse: ‘O Altair procura vocês. Qualquer outra pessoa não atenda’. Passou um mês, veio o Altair. Meu deus, como vou dar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair disse que a família do Eduardo precisava e que ele estaria solto logo, logo. E que o dinheiro duraria até março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao longo de 2016. E eu sabia que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar recados.

ÉPOCA – E o Lúcio Funaro?

Joesley – Foi parecido. Perguntei para ele quem seria o mensageiro se ele fosse preso. Ele disse que seria um irmão dele, o Dante. Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O Eduardo sempre dizia: “Joesley, estamos juntos, estamos juntos. Não te delato nunca. Eu confio em você. Sei que nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da minha família’. Lúcio era a mesma coisa: “‘Confio em você, eu posso ir preso porque eu sei que você não vai deixar minha família mal. Não te delato’”.

ÉPOCA – E eles cumpriram o acerto, não?

Joesley – Sim. Sempre me mandando recados: “Você está cumprindo tudo direitinho. Não vão te delatar. Podem delatar todo mundo menos você’”. Mas não era sustentável. Não tinha fim. E toda hora o mensageiro do presidente me procurando para garantir que eu estava mantendo esse sistema.

ÉPOCA – Quem era o mensageiro?

Joesley – Geddel. De 15 em 15 dias era uma agonia terrível. Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia ter delação, se eu estava cuidando dos dois. O presidente estava preocupado. Quem estava incumbido de manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.

ÉPOCA – O ministro Geddel falava em nome do presidente Temer?

Joesley – Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso, mantive a interlocução desses assuntos via Geddel. O presidente sabia de tudo. Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando o Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o Planalto por um tempo. Até por precaução.


PT BUSCARÁ APOIO DE PSDB PARA DIRETAS

PT buscará apoio de PSDB para diretas

Ricardo Galhardo e Pedro Venceslau


A declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pedindo que o presidente Michel Temer tenha um “gesto de grandeza” e antecipe as eleições presidenciais animou a oposição ao governo do PMDB no Congresso.

O líder do PT na Câmara, Carlos Zarattini (PT-SP), disse que vai procurar os deputados descontentes do PSDB para uma conversa sobre a antecipação das eleições presidenciais de 2018. “Vamos tentar falar com eles (tucanos) para um acordo sobre eleições diretas. Nosso objetivo é tirar o Temer”, afirmou Zaratini.

Em carta ao jornal O Globo, publicada nesta quarta-feira, 15, FHC disse que “não havendo aceitação generalizada de sua validade, ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto”.

Diretas. A declaração foi interpretada pela oposição como a senha para que parlamentares tucanos possam embarcar no movimento pelas “diretas-já”.

Segundo Zaratini, a estratégia é incentivar as manifestações de rua para pressionar deputados a votarem pela aceitação de uma possível denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito que investiga Temer por corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa. O objetivo é buscar o apoio de deputados descontentes em partidos que integram a base de Temer.

“A ideia é fazer uma grande mobilização popular para ampliar o nosso campo. Se olharmos os números de hoje não temos (votos para afastar Temer e fazer uma nova eleição), mas os números de hoje não são os de amanhã”, disse o petista.

PSDB. Os tucanos foram pegos de surpresa com as declarações do ex-presidente. Integrantes da executiva avaliam que FHC “foi além do ponto”, classificaram como “ininteligível” a nota divulgada e preveem um acirramento ainda maior do debate interno.

“A ideia de eleições gerais é inaplicável e contraria a Constituição em vigor”, disse o ex-governador José Aníbal, vice-presidente do PSDB.

Para os “cabeças pretas”, porém, a posição do ex-presidente fortalece a ala que prega o desembarque. A ala mais jovem do partido entende que a bandeira da antecipação pode ser adotada pelo PSDB em caso de deterioração da situação de Temer. A avaliação também é feita por integrantes do alto clero tucano.

“Se acontecer uma situação de ingovernabilidade, a antecipação da eleição direta é uma hipótese. Mas conversa com o PT é especulação”, afirmou o presidente do Instituto Teotônio Vilela, José Aníbal.


Fernando Lugo é eleito presidente do Senado paraguaio

Fernando Lugo é eleito presidente do Senado paraguaio


Em votação polêmica, ex-presidente do Paraguai comandará o Senado até junho de 2018; vinte senadores deixaram o Congresso Nacional durante sessão
O ex-presidente do Paraguai Fernando Lugo foi eleito presidente do Senado nesta quinta-feira (15/06). A sessão foi marcada por desentendimentos e polêmicas após 20 senadores, contrários à eleição de Lugo, terem deixado o Congresso Nacional no momento da votação, que foi encerrada pelo presidente da casa, Roberto Acevedo.
O segundo vice-presidente do Senado, Carlos Filizolla, reabriu a sessão e 24 dos 25 parlamentares restantes votaram pelo mandato de Lugo, que tomará posse em 1º de julho e presidirá o Senado até junho de 2018. Eduardo Petta, do Partido Encuentro Nacional (PEN), afirmou que a eleição foi “totalmente ilegal”, mas não disse se o seu partido tentará reverter o resultado. 
Wikicommons

Ex-presidente do Paraguai Fernando Lugo sofreu impeachment em 2012

Trump cancela parte de acordo feito por Obama com Cuba e se opõe a fim de sanções contra ilha

Governo argentino distribui livros didáticos que 'ensinam' a não fazer greve

16,4 milhões de norte-americanos acham que leite com chocolate vem de vaca marrom, indica estudo

 
Alguns parlamentares compararam o episódio com a votação que ocorreu em março de 2017, quando 25 senadores, na ausência dos demais, aprovaram uma emenda constitucional que permitiria a reeleição presidencial. A emenda foi apoiada tanto pelos partidos governistas, visando a reeleição do atual presidente do Paraguai, Horacio Cartes, quanto pelo partido de oposição Frente Guasú, buscando a candidatura de Lugo para as eleições presidenciais de 2018.
A votação da emenda gerou uma série de protestos por manifestantes de direita no centro da capital paraguaia e uma parte do Congresso Nacional foi incendiada pelos mesmos. A emenda foi arquivada e a reeleição continua a ser proibida no país.
Lugo foi presidente do Paraguai entre 2008 e 2012, numa eleição histórica que retirou o poder do Partido Colorado (PC), que durante 35 anos esteve à frente do governo paraguaio. No último ano de seu mandato, restando nove meses para novas eleições, Fernando Lugo sofreu um golpe, por meio de um impeachment, que alegava que o presidente não teria agido corretamente em relação à morte de 17 trabalhadores rurais após um conflito por controle de terras no norte do país. O processo foi considerado ilegal pela União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).

TEMER AMEAÇA SOBERANIA NACIONAL

TEMER AMEAÇA SOBERANIA NACIONAL

Geraldo Magela


O ex-chanceler Celso Amorim publicou importante artigo neste fim de semana, na Carta Capital, em que retrata o governo Michel Temer como uma perigosa ameaça à soberania nacional. "A soberania é o que define uma nação como tal, do ponto de vista jurídico e político. Se abrirmos mão de parcelas importantes desse atributo essencial dos povos independentes, estaremos nos condenando a um papel de ator secundário e subordinado na cena internacional, com repercussões no bem-estar da nossa população e na segurança do Brasil como Nação".

Confira, abaixo, a íntegra:

Não é só no terreno das medidas internas, como Previdência Social, relações trabalhistas e investimentos sociais, que a desmontagem do que resta de um projeto de desenvolvimento autônomo e inclusivo do Brasil está sendo levada a cabo por um governo que carece da legitimidade que só o voto do povo pode conferir.

Dois fatos recentemente noticiados, sem muita análise, têm o potencial de afetar de maneira significativa a visão que até hoje prevaleceu sobre a inserção do Brasil no contexto global e regional. Comecemos pelo mais simples. Segundo relatos, sempre esparsos e desprovidos de detalhes, estariam programados, ou já em curso, exercícios militares envolvendo alguns de nossos vizinhos, além de Panamá e Estados Unidos.

O objetivo dessas manobras estaria definido por seu caráter humanitário, mas, segundo comentários não desmentidos, elas poderiam também servir a questões ligadas à segurança, como o combate ao narcotráfico. O parceiro norte-americano do Brasil, nessas operações, seria o Comando Sul do Pentágono, uma espécie de quartel-general avançado para questões latino-americanas e caribenhas, por meio do qual Washington procura garantir sua hegemonia na região.

Cabem, a propósito, duas ou três observações, que faço com certa cautela, até porque as informações a respeito desses exercícios não são facilmente disponíveis. Um primeiro comentário refere-se justamente à relativa falta de transparência que cerca o tema, diferentemente, por exemplo, da ampla divulgação dada à chamada Operação Ágata, realizada em nossas fronteiras durante o governo Dilma Rousseff.

Na época, o esforço de transparência visava também, mas não exclusivamente, tranquilizar os países fronteiriços sobre os objetivos da operação e dar-lhes garantia de que sua soberania não seria violada. Outro ponto refere-se ao objetivo dos exercícios e o que eles implicarão na prática. A presença de forças extrarregionais, entendidas como não sul-americanas em exercícios militares sempre foi vista com bem fundamentada cautela, se não mesmo desconfiança, por nossas Forças Armadas. A presença de observadores, mesmo em uma operação definida como humanitária, dá acesso a dados e informações fundamentais à nossa segurança (e à dos nossos vizinhos).

O Brasil, em diversos governos, sempre foi muito prudente nesse particular. Recordo-me, a propósito, de um episódio ocorrido no governo Itamar Franco, quando um cônsul dos Estados Unidos pretendeu acompanhar a vistoria do terreno em que se deu a matança de índios ianomâmis. Na ocasião, o diplomata foi retirado do helicóptero em que embarcou juntamente com autoridades brasileiras, por orientação expressa do Itamaraty.

Talvez ainda mais grave, o fato de essas manobras ocorrerem em um momento especialmente delicado que vivem vários países da América do Sul alimenta suspeitas e desconfianças que procuramos, ao longo dos anos, superar. A criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da UNASUL, contribuiu decisivamente para melhorar a atmosfera das relações entre países da região de diferentes matizes ideológicos, afastando a ameaça de conflitos que pareciam iminentes.

Uma fissura entre países descritos como “bolivarianos” e os que se perfilam (em tese) a um suposto padrão democrático liberal não interessa ao Brasil, que deve justamente zelar pela concórdia e a unidade na América do Sul, respeitando o princípio essencial do pluralismo. Ao que tudo indica, o esforço em acentuar essa personalidade sul-americana (consubstanciado, entre outras iniciativas, na criação da Escola Sul-americana de Defesa – ESUDE) está cedendo lugar a cediças concepções de “Segurança Hemisférica”, gestadas durante a Guerra Fria.

O outro tema que gera preocupação é o da apressada adesão à OCDE, o clube de países ricos. O Brasil, como outros emergentes, há anos tem acordos de parceria com aquela organização, mas sempre evitou tornar-se membro pleno. Há razões econômicas e de natureza geopolítica nessa postura. No mesmo dia em que escrevo este artigo, um jornal especializado salienta que o Brasil terá de assumir novas obrigações em matéria de liberalização econômica, mesmo antes de ser admitido como integrante pleno.

Entre os que defendem, por boa-fé ou dever de ofício, esse curso de ação, argumenta-se que o Brasil pratica muitas das normas preconizadas pela OCDE. A diferença é que, hoje, elas podem ser revistas e modificadas por um governo que venha a ser legitimamente eleito. No caso de adesão à organização, tais normas se transformam em obrigação internacional, cujo descumprimento implicaria censura ou, no limite, algum tipo de sanção.

Mas o prejuízo maior será de natureza geopolítica. Nos últimos anos, de forma explicita e, há mais tempo, de modo intuitivo, o Brasil tem se pautado pela visão de que um mundo multipolar, sem hegemonias ou consensos fabricados nas capitais dos países desenvolvidos, era o que mais nos convinha.

A tendência à multipolaridade, no campo econômico, foi consideravelmente fortalecida pelo surgimento dos BRICS. Foi a ação concertada dessas grandes economias emergentes, no fórum do G-20, na esteira da crise financeira do fim da primeira década deste século, que se possibilitou uma reforma, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial, reforma que só foi implementada quando as cinco economias emergentes decidiram criar suas próprias instituições financeiras.

A soberania é o que define uma nação como tal, do ponto de vista jurídico e político. Se abrirmos mão de parcelas importantes desse atributo essencial dos povos independentes, estaremos nos condenando a um papel de ator secundário e subordinado na cena internacional, com repercussões no bem-estar da nossa população e na segurança do Brasil como Nação.

* Celso Amorim foi ministro das Relações Exteriores nos governos Itamar e Lula e ministro da Defesa no primeiro mandato de Dilma Rousseff.


FHC DEVE SER OUVIDO

FHC deve ser ouvido
PAULO MOREIRA LEITE


A nota divulgada por Fernando Henrique Cardoso merece atenção de toda pessoa atenta aos rumos da crise política.

Não sei se é apenas um blefe. Quem sabe uma tentativa de embrulhar as reformas — em particular da Previdência — em nova embalagem, agora que a batalha promete ser muito mais difícil, quem sabe impossível.

Ou se não passa de uma clássica manobra diversionista, destinada a desmobilizar lideranças do movimento popular que têm conduzido uma luta impecável em busca de uma saída democrática para um impasse que se prolonga desde o golpe contra Dilma.

Em minha modesta opinião, o movimento de FHC sugere um lance frequente nas grandes mudanças políticas. A conjuntura do país mudou. A de Fernando Henrique também.

Mesmo dizendo que no passado Michel Temer representou uma solução legítima — o que é absurdo — Fernando Henrique reconhece o risco que o país enfrenta hoje, diante do desastre que o atual governo se transformou.

Deixa claro que o presidente deve cair fora e sugere a renúncia como o caminho menos traumático para tirar o país do abismo.
Não é um grito de Fora Temer que muitos de nós estamos habituados a ouvir. Bem ao estilo de nossa história política, FHC quer uma saída que evite a explosão popular.

É nessa condição, coerente com as forças que representa, que ele aponta a tendência dominante:

“não havendo aceitação generalizada de sua validade (do governo Temer), ou há um gesto de grandeza por parte de quem legalmente detém o poder pedindo antecipação de eleições gerais, ou o poder se erode de tal forma que as ruas pedirão a ruptura da regra vigente exigindo antecipação do voto.”

A equação é simples: ou Temer renuncia ou será derrubado pelas ruas.

Numa frase de quem reconhece o fracasso da articulação que levou Temer ao Planalto, ele se refere à expressão-símbolo do governo, que ele próprio inventou — pinguela — para esclarecer: “Preferiria atravessar a pinguela, mas se ela continuar quebrando será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.”

Não é possível desenhar o futuro de um país com base numa nota de poucos parágrafos.

Há menos de uma semana, o PSDB, partido que FHC fundou, no qual segue a principal referência, perdeu uma excelente oportunidade para abandonar o governo Temer.
Agora, num dado que expressa a evolução dos acontecimentos, admite que pode ser melhor “devolver a legitimação da ordem à soberania popular.”

Não é pouca coisa, quando se avolumam tentativa de consolidar um estado de exceção, um golpe dentro do golpe, no qual Temer seria trocado por um clone — menos legítimo, menos representativo, mais fácil de manipular para cumprir a cartilha das reformas que a população rejeita.  Um Erdogan tropical, quem sabe.

Por essa razão, o significado da reação de FHC é inegável.

Treze meses depois do golpe, aquele movimento social que produziu uma onda crescente de mobilizações e protestos desde o carnaval “Fora Temer” começa a ser ouvido pelo patamar superior da pirâmide. Conseguiu furar um bloqueio. Mostra que a relação de forças se modificou.

É hora de conversar. Não há concessão possível no plano das reformas estruturais que se tenta impor ao país.

Mas é certo que a reivindicação por diretas ganha nova atualidade. A Constituinte também. Mais do que nunca, é preciso defender Lula Presidente e denunciar os esforços para inviabilizar sua candidatura.

Os tempos andam em alta velocidade. A luta por uma saída democrática pode — eu disse pode — avançar por caminhos insuspeitos até aqui.

JANOT PODE DAR XEQUE-MATE EM TEMER

JANOT PODE DAR XEQUE-MATE EM TEMER



O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pretende não dar fôlego a Michel Temer depois da apresentação da primeira denúncia contra ele, provavelmente na próxima semana. As informações são da coluna Painel, da Folha.

Antes mesmo de a Câmara votar o pedido, que será enviado pelo ministro Edson Fachin, dando o aval se a ação será ou não aberta pelo Supremo Tribunal Federal, a equipe da PGR pretende enviar um segundo pedido de ação penal.

Na avaliação dos procuradores, com o que se tem hoje, já é possível atribuir ao menos três crimes a Temer: corrupção passiva, organização criminosa e obstrução à Justiça. É possível que o peemedebista seja ainda alvo de uma quarta acusação: lavagem de dinheiro.

A sustentação para o novo crime seriam os repasses para o coronel aposentado João Baptista Lima Filho, ex-assessor e amigo de Temer há mais de 30 anos, que recebeu R$ 1 milhão dos R$ 15 milhões destinados pela JBS à campanha do peemedebista. Além disso, material ainda sob sigilo nas mãos de Janot.

Segundo a Coluna do Estadão, interlocutores de Janot afirmam que o inquérito da Polícia Federal vai definir se ele irá apresentar uma ou mais denúncias contra Temer. A PF obteve junto a Fachin mais cinco dias para investigar Temer, que se encerram no início da semana.


Mario Sergio Cortella • Caiu a máscara do JUDICIÁRIO

https://www.youtube.com/watch?v=o-RGRQ8ru2g

Operação da Polícia Federal Argentina encontra dezenas de objetos nazistas em Buenos Aires


Operação da Polícia Federal Argentina encontra dezenas de objetos nazistas em Buenos Aires


Também foram encontradas múmias egípcias, fósseis e peças arqueológicas chinesas. Autoridades dizem que material seria destinado ao mercado clandestino.
Por Bruno Leal | Agência Café História
Uma ação da Polícia Federal Argentina (PFA) apreendeu no último sábado, 10 de junho, dezenas de objetos nazistas. A operação “Oriente Próximo”, capitaneada pelo Ministério de Segurança Nacional, localizou o material em três ações, duas em um centro comercial na localidade de Vicente López e uma terceira em uma fazenda situada em San Isidro, todas na província de Buenos Aires.
Bustos de Hitler, esculturas da águia imperial, caixas, móveis, punhais, ampulhetas e outras memorabílias da época do Terceiro Reich estão entre os objetos. Os agentes federais também encontraram dezenas de múmias egípcias de cerca de 3000 mil anos, fósseis e diversas peças arqueológicas chinesas que constam na “Lista Vermelha”, como é chamada a relação dos bens culturais roubados elaborada pela UNESCO. A imprensa argentina classifica a descoberta como a maior do gênero realizada no país até hoje.

bens-nazistas
Parte dos objetos nazistas apreendidos pela Polícia Federal. Foto: Twitter do Ministério Seguridade.

Néstor Roncaglia, chefe da Polícia Federal Argentina, explicou à imprensa que “este é o resultado de uma investigação do departamento encarregado de proteger e recuperar bens culturais. O material, de origem ilegal, estava escondido atrás de uma parede falsa.” A Ministra da Segurança Nacional, Patricia Bullrich, também comentou o caso: “Estamos comovidos, é muito impressionante encontrar estas peças originais com simbologia nazista, simbologia de uma época trágica da história”. Na operação, uma pessoa foi presa pelo crime de contrabando de obras de arte e peças arqueológicas.
Autoridades encarregadas do caso acreditam que boa parte do material não seja roubado, mas removido ou pilhado de seus países de origem, destinado a um mercado clandestino. Os itens apreendidos estão sob tutela legal e assim vão permanecer até que sejam devolvidos aos países de origem. Quanto aos objetos nazistas, especificamente, Bullrich comentou que eles serão levados para o Museu do Holocausto da capital argentina.
Com informações de TN e El Nueve.

Ditadura militar no Brasil: historiografia, política e memória

Ditadura militar no Brasil: historiografia, política e memória

Entrevista com o historiador Rodrigo Patto Sá Motta (UFMG)

Entrevista por João Teófilo | Com participação de Bruno Leal
Em entrevista concedida ao pesquisador João Teófilo, com participação de Bruno Leal, editor do Café História, Rodrigo Patto Sá Motta, professor do Departamento de História da UFMG, discute temas centrais sobre a História recente do país, com ênfase na ditadura militar. Autor dos livros “Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil” (2002) e “As universidades e o regime militar” (2014), Sá Motta chama atenção para a importância do conceito de cultura política não só para se pensar o período ditatorial no Brasil, mas também, o atual cenário de crise política, que guarda semelhanças (bem como diferenças) com o processo de golpe que derrubou o presidente João Goulart em 1964, inaugurando a ditadura militar.
Foto do historiador Rodrigo Patto Sá Motta
Rodrigo Patto Sá Motta é professor de História na UFMG. Foto: acervo pessoal do entrevistado.
Bruno Leal – Professor, muito obrigado por aceitar nosso convite. Começamos o nosso papo falando sobre a sua principal área de estudo, a ditadura militar no Brasil. Nos últimos anos, sobretudo desde 2004, muitos estudos originais foram produzidos sobre o tema. O que você pensa sobre as mais recentes discussões historiográficas acerca da natureza do golpe e da ditadura (“militar” ou “civil-militar”)?
Rodrigo Patto Sá Motta – Eu penso que já se gastou “tinta” demais no debate sobre a melhor adjetivação para a ditadura (se militar, civil-militar ou militar-civil). A discussão já avançou o que era possível, a partir de agora ficamos repetindo os mesmos argumentos. Ninguém tem dúvida de que os civis tiveram papel-chave, aliás, isso já é sabido há muito tempo, até porque nenhuma forma de ditadura dura muito se baseada apenas em força militar. O apoio ou o consentimento da população é necessário para dar estabilidade para qualquer forma de governo, inclusive as ditaduras, que para isso lançam mão de estratégias de sedução e convencimento. Da mesma forma, as ditaduras precisam de quadros civis para governar, pois não é possível ocupar todos os postos com militares. Se fizermos uma comparação rápida da ditadura brasileira com as congêneres do Chile e da Argentina a conclusão é que na “nossa” houve menor militarização do Estado. Basta dizer que os golpistas dos dois países vizinhos substituíram todos os reitores universitários por oficiais militares e fizeram o mesmo com alguns prefeitos e governadores. Mesmo assim, eu penso que o melhor adjetivo para a ditadura é militar, pois foram os homens de verde-oliva que conferiram unidade ao regime político instalado em 1964. Os militares deram ossatura à ditadura; foram ao mesmo tempo sua principal fonte de poder e os tomadores de decisão em última instância, ou seja, quem resolvia os conflitos entre as diversas facções de apoiadores do regime militar. Isso ficou absolutamente claro na crise de 1968, que levou a uma maior militarização da ditadura.
De qualquer forma, o mais importante resultado desse debate foi estimular mais pesquisas a respeito dos comportamentos e atitudes sociais frente à ditadura. Tais abordagens devem ser ampliadas, pois ajudam a compreender melhor os efeitos das estratégias para conferir popularidade ao Estado autoritário, assim como a dimensionar adequadamente a resistência. A importância do tema é óbvia, mas não custa reiterar. Pesquisar os comportamentos e atitudes em relação à ditadura é fundamental para o conhecimento tanto da montagem e funcionamento do Estado autoritário quanto do processo de transição democrática, tema que segue nos desafiando. A opinião das pessoas em relação ao Estado é elemento-chave no processo de tomada de decisões políticas, essa é uma das razões para estudar atitudes e comportamentos diante da ditadura – e para isso tenho defendido o uso da tríade: adesão, acomodação e/ou resistência. Tenho afirmado também a importância de utilizar a categoria “cultura política” como um elemento de análise para entender as escolhas dos agentes, especialmente o aspecto da acomodação, que segue tendo validade em vista das tratativas atuais para um acordo visando suavizar a possível saída de Michel Temer. Arma-se um acordo “por cima”, sem consulta ou participação popular, conforme o script da tradicional acomodação. Importante perceber que isso é possível devido ao alto percentual de excluídos políticos, fenômeno que viabiliza as saídas negociadas pelo alto. A acomodação, nos termos que conhecemos, seria inviável em quadro de intensa participação política popular. Por isso, e voltando à ditadura, há que estudar os grupos que ficaram indiferentes ou foram excluídos das disputas políticas e, por isso mesmo, não têm memória sobre os anos de ditadura.
Para finalizar a resposta, gostaria de ressaltar que a categoria cultura política não deve ser vista como panaceia ou pedra filosofal, que tudo explica. Trata-se de aspecto importante para analisar as escolhas dos agentes políticos e os comportamentos, mas é evidente que outros fatores impactam também o processo político. O ganho analítico é a contribuição para analisar a ditadura em temporalidade mais ampla, observando o caráter arraigado de certos fenômenos. Além disso, o uso de “cultura política” ajuda a compreender os paradoxos (não confundir com contradição) da ditadura, que ficam mais evidentes se adotamos um olhar comparativo em relação aos regimes políticos congêneres do cone sul. Existem semelhanças, mas também muitas diferenças entre essas ditaduras e o argumento é que a cultura política ajuda a analisá-las.
João Teófilo – Você já orientou muitas monografias, dissertações e teses no campo da ditadura militar brasileira. Quais questões relativas à ditadura a historiografia ainda não problematizou ou pouco problematizou?
Rodrigo Patto Sá Motta – Eu penso que temos um leque amplo de temas e de enfoques teóricos inspirando muitas pesquisas. A pujança do sistema universitário e de pós-graduação brasileiro nos últimos anos gerou grande volume de pesquisas, tornando difícil acompanhar a produção historiográfica recente. Agora estamos em crise político-econômica e as coisas podem mudar no curto prazo, porém, até então a tendência era de aumento exponencial na produção acadêmica. Destaco esse ponto para enfatizar a dificuldade em conhecer todo o leque de pesquisas que estão sendo desenvolvidas no momento. Feita a ressalva, respondo à pergunta apontando alguns temas que poderiam ser mais bem pesquisados. Não se trata de “áreas virgens”, já existem trabalhos de referência para a maioria dos temas que vou elencar. Mesmo assim há necessidade de mais investigações, especialmente considerando a amplitude do país e o desafio de contemplar as diversidades regionais. Vamos à lista, que contém apenas alguns exemplos.
(…) eu penso que o melhor adjetivo para a ditadura é militar, pois foram os homens de verde-oliva que conferiram unidade ao regime político instalado em 1964.
Destaco, em primeiro lugar, a necessidade de mais estudos sobre os efeitos da repressão, para além do levantamento do número de mortos e desaparecidos (e a localização de seus restos mortais), cuja importância não pretendo reduzir. Mas, há que dimensionar de maneira mais ampla o impacto da repressão, investigando também o número de demitidos e aposentados do serviço público, além de analisar as motivações dos expurgos. Da mesma forma deve-se estudar mais a repressão em empresas privadas que, com frequência, apoiaram-se nos órgãos de informação para manter sob controle seus trabalhadores. Ainda no tema dos aparatos de repressão, igualmente há necessidade de aprofundar investigações sobre o processamento judicial dos crimes políticos, para entender melhor seus mecanismos e seus efeitos, de preferência fazendo contraste com períodos históricos anteriores.
Acho que precisamos de mais pesquisas sobre o exílio brasileiro para compreender melhor o volume e o perfil social dos exilados, além de conhecermos melhor suas atividades no exterior (a atuação política, por exemplo). Por outro lado, há que estudar também o exílio no Brasil de cidadãos dos países vizinhos, notadamente argentinos e uruguaios que buscaram abrigo deste lado da fronteira.
O tema dos comportamentos sociais mencionado na pergunta anterior também merece mais pesquisas para se entender melhor as opções de resistência, de adesão e de acomodação, e as formas como eventualmente se combinaram. O apoio à ditadura foi forte em alguns momentos, isso é bem sabido, mas qual a sua densidade, o seu enraizamento? Por exemplo, se o entusiasmo em relação ao milagre econômico conferia popularidade, como entender o resultado das eleições parlamentares de 1974?
Importante também estudar melhor os contornos dos diferentes grupos (tanto militares como civis) que compunham a ditadura e as suas disputas, que marcaram a trajetória do Estado autoritário. Disputas internas não apenas por espaços de poder e pela definição dos contornos ideológicos do regime militar, mas também para a escolha das políticas econômicas. Nessa linha poderíamos tentar responder a algumas perguntas, por exemplo, por que a ditadura Pinochet adotou uma política neoliberal radical e o Brasil oscilou entre medidas liberais e o desenvolvimentismo autoritário? Em linhas gerais, pode-se dizer que todas as ditaduras (embora certas forças conservadoras temessem qualquer tipo de mudança) da região almejavam modernização, no sentido de avanços tecnológicos e econômicos que promovessem a aproximação com os países centrais. Mas foram adotados caminhos diferentes para alcançar tais objetivos, cabendo a nós tentar explicar esses processos. Enfim, são apenas alguns exemplos entre outros que poderiam ser elencados.
Bruno Leal – Atualmente, há muitos trabalhos que comparam a ditadura militar brasileira com outras ditaduras militares na América Latina, sobretudo com a chilena e a argentina. No entanto, ainda são poucos aqueles que comparam a ditadura militar brasileira (1964-1985) com a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Por que essa escassez?
Rodrigo Patto Sá Motta – Comparar significa colocar em contraste dois objetos diferentes, cotejá-los com o fim de perceber semelhanças e diferenças. Normalmente, os estudos comparativos na área da História e das Ciências Sociais enfocam sociedades diferentes, com abordagens geralmente sincrônicas. Não é comum aplicar a metodologia comparativa para a mesma sociedade observada em períodos históricos distintos. Para isso seria adequado fazer antes uma discussão sobre teoria e método, que implicaria esta pergunta: a mesma sociedade enfocada em dois contextos diferentes configuraria dois objetos, ou tratar-se-ia do mesmo objeto desdobrado no tempo? Enfim, para um exercício analítico que considere as ditaduras de 1937 e de 1964 talvez seja melhor não usar o termo comparação. De qualquer modo, a proposta é procedente e necessária, pois estudos que coloquem em foco as nossas duas principais ditaduras são fundamentais para entender o fenômeno autoritário e as dificuldades de consolidação democrática. Análises que enfatizem fatores estruturais e a cultura política, por exemplo, necessariamente devem considerar os diferentes momentos históricos para perceber como incidiram os mesmos fatores, e se houve e como foram as mudanças.
(…) o Estado Novo deixou marcas profundas na sociedade e no Estado, estruturas que em alguns aspectos foram apropriadas pela ditadura de 1964, enquanto em outros casos foram superadas ou transformadas.
Tratando mais especificamente das duas ditaduras é interessante considerar em que medida a segunda manteve e reforçou aspectos da primeira e em que pontos foi inovadora. Significativamente, há alguns anos era forte a hipótese de que o golpe de 1964 representava uma ruptura com o varguismo e sua derivação “populista”, e que os líderes da ditadura militar implantaram um projeto internacionalista liberal. As evidências não confirmam tal hipótese. A única fase mais internacionalista (no sentido de subordinação aos EUA) e liberal (na economia) foi o governo Castelo Branco. A partir de Costa e Silva voltou o desenvolvimentismo e a ênfase nos empreendimentos estatais, que foram a base do “milagre” econômico. Na mesma medida, a diplomacia da ditadura voltou ao leito das políticas mais independentes em relação aos EUA, buscando atender a interesses nacionais. Outro ponto de continuidade com o Estado Novo foi a política de controle social de base corporativista. Na verdade, os militares não apenas continuaram como ampliaram esse aparato com a criação da previdência social universal e a incorporação dos trabalhadores rurais ao sistema. Houve muitas diferenças também, como a grande presença do capital estrangeiro na economia brasileira, em proporção mais elevada do que seria possível – e admissível – na ditadura de Vargas. Em suma, são muitas as possibilidades para reflexão, não é possível ir mais além na entrevista. Destaco apenas que o Estado Novo deixou marcas profundas na sociedade e no Estado, estruturas que em alguns aspectos foram apropriadas pela ditadura de 1964, enquanto em outros casos foram superadas ou transformadas.
João Teófilo – Você acredita que o processo de “justiça de transição” no Brasil possa ter novos desdobramentos ou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) é o seu limite?
Rodrigo Patto Sá Motta – O desdobramento que continua faltando é a justiça propriamente dita, ou seja, a realização de processos criminais tendo como réus os agentes públicos responsáveis por torturas e mortes. Naturalmente, isso demandaria alterar a Lei de Anistia ou pelo menos a sua interpretação, pois os juízes poderiam perfeitamente entender que a figura do crime conexo não garante o perdão para atos tipificáveis como crimes contra a humanidade.
Muitos esperavam que a divulgação dos trabalhos da CNV criaria condições políticas favoráveis para uma mudança de rumos e o início de processos criminais. Eu sempre fui cético quanto a essa possibilidade. O tema tem pouca capacidade de mobilização popular no Brasil, o que seria indispensável para romper as forças da inércia e da pressão dos grupos favoráveis ao esquecimento dos crimes da ditadura. Não é suficiente a existência de um governo interessado em avançar a pauta da justiça de transição, ele necessita de apoio popular para “dobrar” os segmentos favoráveis à ideia de anistia como perdão recíproco, um grupo que tem representantes na alta cúpula do Estado. Enfim, o projeto já não era fácil mesmo estando no governo uma coalizão de centro-esquerda que, apesar das ambiguidades, tinha em postos importantes algumas lideranças favoráveis a avançar a justiça de transição, as mesmas que conseguiram a criação da CNV (finalmente, trinta anos após a ditadura!). Depois do impeachment de Dilma Rousseff, então, o que já era difícil ficou impossível, pelo menos enquanto a direita continuar ocupando o poder.
Quem sabe nas próximas eleições o quadro poderá mudar, em caso de vitória da esquerda e no caso dos seus líderes acharem que vale a pena enfrentar os riscos políticos implicados no tema. Eu espero que sim, pois a falta de um enfrentamento mais claro dos legados da ditadura, inclusive com julgamento dos agentes públicos responsáveis por crimes, tornou capenga a nossa transição. A acomodação que foi a base da saída política da ditadura buscou reduzir tensões e escamotear conflitos, por isso a falta de investigações nos primeiros anos da chamada Nova República que, ao contrário, apostou em políticas de esquecimento, de um lado por oportunismo (proteger os aliados), de outro por pragmatismo (não provocar os militares). Tudo isso contribuiu para desestimular a reflexão sobre os significados da ditadura e para enfraquecer o engajamento em favor da democracia, dificultando uma clara negação do autoritarismo. Enfim, a superação efetiva da ditadura passa pelo julgamento dos crimes e se isso tivesse ocorrido, talvez estaríamos em outra situação política hoje.
João Teófilo – Você publicou um artigo em 2015, intitulado “Memória e esquecimento: o regime militar segundo pesquisas de opinião”, no qual mostra, a partir de pesquisas de opinião realizadas em 2010 nos Estados de Minas Gerais, Pernambuco e Paraíba, além do Distrito Federal, que o conhecimento de parte da sociedade sobre esse período ainda é muito pouco. Nesse sentido, qual seria a memória hegemônica sobre a ditadura no Brasil? Seria uma “não memória” ou poderíamos dizer que a questão é mais complexa?
Rodrigo Patto Sá Motta – O trabalho foi feito a partir de pesquisa de opinião aplicada no contexto das eleições de 2010, um projeto concebido e realizado junto com Adriano Gama Cerqueira, seguindo padrões estatísticos confiáveis (1.100 entrevistas em cada estado, distribuídas em dezenas de municípios de acordo com dados do IBGE e sorteio de domicílios). A ideia era explorar a memória e/ou o conhecimento das pessoas sobre o golpe de 1964 e a ditadura, aproveitando a politização de tais temas no contexto das eleições presidenciais. Ao concebermos a pesquisa já esperávamos um número elevado de respondentes sem opinião, memória ou conhecimento sobre a ditadura. Mas não esperávamos que esse número fosse tão alto. A maioria absoluta das pessoas demonstraram nada saber ou lembrar sobre a ditadura. Verificando os dados socioeconômicos percebemos que as pessoas com renda mais alta e maior escolaridade mostraram opiniões mais consistentes, independentemente de seu alinhamento ideológico (simpáticos ou antipáticos à ditadura, mas reconhecendo a existência de um regime autoritário liderado pelos militares nos anos 1960). Em suma, os mais pobres e com menos escolaridade são excluídos socialmente e, também, tendencialmente, os mais alienados em relação à História Política recente. Os dados revelam, ou melhor, confirmam algo já sabido: o caráter elitizado do debate político no Brasil. A minoria capaz de elaborar memória sobre o passado recente é a mesma que detêm a maior parte da renda, assim como frequenta escolas por mais tempo (e, por suposto, as melhores escolas). Os dados sugerem que, para além de haver uma tradicional exclusão social temos também uma exclusão política no Brasil, aliás, imbricadas uma na outra.
Porém, a pesquisa ocorreu há sete anos e as coisas podem ter mudado devido ao impacto da polarização política que temos vivido desde 2014. Seria preciso fazer outra pesquisa desse tipo para verificar as possíveis mudanças. Mantido o mesmo quadro, e agora respondo diretamente à pergunta, o resultado é que a maioria das pessoas desconhece e/ou não tem memória sobre a ditadura. Essa constatação tem enorme importância social e política. De um lado demonstra a precariedade da nossa cidadania e o desafio que representa mobilizar a maioria da população para a necessidade de superar efetivamente a ditadura, algo que obviamente ainda não alcançamos.
Mas, dizer isso não significa afirmar que tal quadro é hegemônico. Hegemonia significa que determinada representação é dominante na sociedade, não necessariamente majoritária. Se um discurso é hegemônico isso implica que ele enforma as decisões social e politicamente dominantes. Nesse sentido, a ausência de representação não pode ser a versão hegemônica, assim me parece. Na verdade, a disputa se concentra entre as versões favoráveis ou críticas em relação à ditadura. Há algum tempo pensava-se que as versões de esquerda eram hegemônicas, porém, depois da atual onda de direitização é difícil ter certezas, a disputa segue aberta. O fato da maioria da população desconhecer e/ou não ter memória sobre aqueles anos significa que a disputa por hegemonizar as representações referidas à ditadura tende a concentrar-se nos estratos minoritários, pelo menos enquanto os estratos majoritários não estiverem incluídos nesse debate (inclusão que desafia não apenas os historiadores e demais profissionais, mas os ativistas políticos, em concorrência desvantajosa contra a grande mídia).
João Teófilo – Quais semelhanças e diferenças são possíveis apontar entre as crises que culminaram no golpe de 1964 e no impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016? Isto é, se você considera, de fato, que esta comparação é pertinente. E mais: como podemos compreender a situação política vivida pelo Brasil atualmente?
Rodrigo Patto Sá Motta – Eu tenho escrito sobre isso recentemente e divulgado os textos na plataforma academia.edu, por isso não gostaria de repetir discussões que já estão em circulação. Assim, darei uma resposta sintética. Não tenho dúvida de que é necessário levar em conta o golpe de 1964 para entender a crise política atual. Aliás, os próprios atores políticos – tanto à esquerda como à direita – remetem-se com muita frequência àquele período, mostrando que certos conflitos de então seguem fazendo sentido. É claro, muitas vezes se trata de apropriações que distorcem os eventos de 1964 com o objetivo de justificar projetos atuais. De qualquer modo, a atualidade de 1964 e da ditadura mostra que não superamos devidamente o autoritarismo e tampouco conseguimos construir instituições democráticas sólidas. Como argumentei na resposta a uma pergunta anterior, o problema, ao menos em parte, decorre de nossa transição ter gerado uma política de esquecimento em relação à ditadura, dificultando sua real superação. É necessário, então, tanto por razões acadêmicas quanto políticas refletir mais sobre 1964 e a ditadura se quisermos construir uma democracia sólida. E tais reflexões, naturalmente, devem fazer um balanço da herança da ditadura, mas também sem deixar de perceber as diferenças em relação ao quadro anterior. Vivemos uma polarização político-ideológica próxima à de 1964, que de maneira assemelhada estimulou alguns agentes a golpear as instituições para retirar do poder um governo de centro-esquerda. Nesse sentido, o impeachment de Dilma Rousseff foi uma espécie de golpe também, que despertou não só a fúria conservadora, mas também abriu caminho a novas práticas autoritárias.
No entanto, seria um equívoco histórico e político deixar de perceber que os dois quadros são também diversos. O fato de ser um golpe parlamentar, e não militar, implica enorme diferença. A queda de Rousseff abriu caminho para algumas medidas autoritárias, mas não para uma ditadura. Isso faz toda a diferença para a luta da oposição, que se utiliza da liberdade para atacar o governo e forçá-lo a recuar, às vezes com sucesso como temos visto. Na mesma linha de raciocínio, não devemos pensar planos de ação como se estivéssemos em 1964 de novo. As condições para a luta são diferentes.
João Teófilo – Atualmente, você tem pesquisado sobre imprensa. O que tem visto de importante nesse trabalho que você queira destacar para os leitores do Café História?
A queda de Rousseff abriu caminho para algumas medidas autoritárias, mas não para uma ditadura. Isso faz toda a diferença para a luta da oposição, que se utiliza da liberdade para atacar o governo e forçá-lo a recuar, às vezes com sucesso como temos visto. Na mesma linha de raciocínio, não devemos pensar planos de ação como se estivéssemos em 1964 de novo. As condições para a luta são diferentes.
Rodrigo Patto Sá Motta – Essa pesquisa gerou até agora três artigos que foram publicados, respectivamente, nas revistas Topoi, Tempo e Argumento e Estudos Ibero-Americanos. O objetivo é estudar as relações entre a grande imprensa e a ditadura brasileira, buscando compreender os discursos e posicionamentos políticos dos jornais ao longo do período, naturalmente com atenção para as mudanças. Com base na análise de registros visuais (charges) e verbais (editoriais), a intenção é compreender comportamentos que oscilaram geralmente entre adesão e acomodação (resistência faz mais sentido para a imprensa alternativa). Interessa também estudar os rumos do debate político naqueles anos por meio da imprensa, levando em conta sua capacidade de influenciar a formação da opinião, sobretudo porque a televisão ainda estava em consolidação. Pretendo verificar em que medida a imprensa contribuiu para a estratégia da ditadura de ganhar consentimento e legitimidade social. Por outro lado, os jornais são enfocados principalmente como objeto, como agentes que participaram da construção da ditadura, processo em que às vezes disputaram o sentido do regime de 1964 com atores mais à direita. Uma parte da grande imprensa batalhou para dar um sentido liberal (autoritário) à ditadura, tentando fechar o caminho para a direita nacionalista e corporativista que havia conquistado mais espaço a partir do governo Costa e Silva. Os grandes jornais viveram um dilema, pois amavam ao mesmo tempo a (sua) liberdade e a ordem social. Por isso eles criticavam a censura em nome de princípios liberais, mas, ao mesmo tempo, apoiaram a repressão estatal em nome da preservação da ordem social. A liberdade em geral levou a pior nessa história, mesmo assim setores da imprensa serviram de freio a projetos da direita conservadora que almejavam aprofundar a “revolução” em sentido mais autoritário e mais nacionalista. Outra faceta importante do trabalho é pesquisar como as charges e caricaturas contribuíram para construir e divulgar mensagens políticas, e quais os efeitos da censura sobre o humor gráfico. O material visual recolhido durante a pesquisa (que teve contribuição inestimável de bolsistas de iniciação científica) é muito interessante, por vezes, surpreendente.
Enfim, esses são alguns pontos da pesquisa, que tenho desenvolvido com entusiasmo, porém, sempre premido pela escassez de tempo. Por enquanto seguirei escrevendo artigos e explorando o acervo já consultado, que gerou material enorme, e talvez no futuro transformarei esses estudos em um livro.
João Teófilo – As recentes tentativas de se levar adiante projetos de lei inspirados no “Escola Sem Partido” tem provocado uma grande polêmica no Brasil, especialmente entre os profissionais da área de História, alvo principal desses projetos. Como podemos entender o avanço de movimentos como o “Escola Sem Partido”? A chave analítica da “cultura política” poderia nos ajudar aqui?
Rodrigo Patto Sá Motta – Essas iniciativas são subprodutos da mobilização da opinião de direita, um fenômeno crescente nos últimos anos. Especialmente grupos conservadores, mas às vezes também liberais reagiram contra o avanço de ideias e valores progressistas no campo cultural e educacional (em parte resultado dos governos de centro-esquerda à frente do país desde 2003). Podemos sim dizer que essas iniciativas são tributárias das culturas políticas conservadora e liberal, que em décadas anteriores atuaram no campo educacional para limitar a ação dos adversários de esquerda, às vezes expurgando-os das escolas, como na ditadura. Tem sido uma preocupação constante o risco de o sistema escolar ser usado para o proselitismo político e, de fato, alguns grupos tentam às vezes aparelhar as escolas. Há muito tempo as escolas são objeto de renhida disputa entre grupos atuantes no cenário político, procurei mostrar isso no livro “Universidades e regime militar”. No caso da direita existe a obsessão recorrente de que a esquerda pretende utilizar as salas de aula para formar recrutas comunistas, de modo que o movimento “Escola Sem Partido” é tributário de antiga tradição. Há dois problemas aí. Primeiro, pensar que os jovens são figuras ingênuas que podem ser moldadas facilmente pelos docentes, como se não tivessem capacidade crítica ou valores prévios (aprendidos na igreja ou na família, por exemplo). Às vezes ocorreu o contrário do que temem os grupos de direita: os jovens fizeram a cabeça dos professores, por exemplo, no contexto de 1968, quando muitos docentes se aproximaram da esquerda devido à pressão da juventude. O outro problema, pior, é que expulsar o debate político das escolas é um grande desserviço ao país, que tem uma larga faixa de cidadãos alheios à vida política (entendida em sentido clássico). O sistema escolar deve contribuir para o debate político, no entanto, de maneira pluralista e não sectária, é claro. Os professores não devem tentar inculcar seus valores nos jovens, mas estimulá-los a pensar criticamente e a se posicionar politicamente frente à sociedade, de modo a que possam fazer livremente suas escolhas. Nesse ponto está uma das fontes de ansiedade dos grupos de direita, o temor de que a escola provoque abalos nas certezas e ensine os jovens a pensar criticamente.

Rodrigo Patto Sá Motta – Possui graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1990), mestrado em História pela mesma instituição (1993) e doutorado em História pela Universidade de São Paulo (2000). Realizou estudos de pós-doutorado e atuou como professor-pesquisador visitante na Universidade de Maryland (2006-2007), nos EUA, e atuou como professor visitante na Universidad de Santiago de Chile (2009), na Universidad Nacional de Colombia (2015) e no IHEAL da Universidade de Paris III (Cátedra Simón Bolivar, 2016), na França. Atualmente é professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do CNPq. Tem experiência na área de História, com ênfase em História do Brasil República e História Contemporânea. Atua principalmente no campo da História Política, pesquisando tanto temas da vertente clássica (partidos, instituições) como abordagens que dialogam com a “Nova História” (representações, iconografia, cultura política). Suas pesquisas recentes concentram-se em questões relacionadas ao golpe de 1964 e ao regime militar, envolvendo temas como repressão política (DOPS, ASI), anticomunismo, política universitária, memória e atuação da esquerda. As publicações mais relevantes são os livros: “Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil” (SP: Perspectiva, 2002), “Jango e o golpe de 1964 na caricatura” (RJ: Zahar, 2006) e “As universidades e o regime militar” (RJ: Zahar, 2014). Foi presidente da Associação Nacional de História (ANPUH) no período 2013-2015 e co-presidente da Seção História Recente e Memória da Latin American Studies Association (2015)
João Teófilo – Historiador, mestre em História Social pela PUC-SP e doutorando em História pela UFMG. Foi pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV). Atualmente, pesquisa sobre políticas de memória, esquecimento e reparação no Brasil após a ditadura militar. E-mail: joaoteofilo.hist@gmail.com.
Bruno Leal – Professor Substituto de Teoria da História no Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), além de bolsista do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutor em História Social pela UFRJ (2015), mestre em Memória Social pela UNIRIO (2009), pós-graduado em História Contemporânea pela PUCRS (2010), graduado em História pela UFRJ (2006) e em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo pela UFRJ (2006). É fundador e editor do portal Café História, além de cocoordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e Árabes da UFRJ (NIEJ). É membro da Rede Brasileira de História Pública e da Associação das Humanidades Digitais. Dedica-se aos estudos do holocausto e de crimes de guerra.