terça-feira, 31 de julho de 2018

Eleições 2018 O PT e as alianças

Política

Eleições 2018

O PT e as alianças

por Luís Fernando Vitagliano — publicado 31/07/2018 16h30, última modificação 31/07/2018 15h21
Jornalistas e comentaristas políticos erram ao dizer que a estratégia de manter a candidatura Lula é equivocada e divide a esquerda
Ricardo Stuckert
O PT e a aliança de enfrentamento das esquerdas
Por que abrir mão tão cedo de Lula, líder nas pesquisas?
[Este é o blog do Brasil Debate em CartaCapital. Aqui você acessa o site]
Começaram de fato as eleições 2018. Embora a campanha ainda não esteja nas ruas, as articulações dos chamados pré-candidatos é muito intensa nos bastidores e representa uma jogada estratégica fundamental para que se defina posições de campanha, apoio regional, base eleitoral e tempo de tevê.
Fechar acordos, parcerias e alianças é decisivo para os partidos neste momento e é interessante observar como jornalistas e comentaristas políticos trabalham com informações superficiais e pouco conhecimento da área, quando não recebem a incumbência ou mesmo propina para plantar desinformação. O Brasil é um país muito grande e com 35 partidos. A fragmentação territorial se soma ao quadro político local que na maior parte dos casos não conversa com o quadro nacional.
A primeira e principal desinformação deste momento é dissuadir o PT de insistir com Lula. Para isso, chovem personagens incumbidos de plantar a notícia de que a estratégia do PT é equivocada e coloca tudo a perder para a esquerda e centro-esquerda.
Informação essa que só interessa ao campo da direita (não se inclui nesse campo Ciro Gomes, com o devido risco, cuidado e com polêmica – que pode ou não ser de esquerda para as interpretações em geral, mas está longe ainda de ser do mesmo saco que o campo PSDB-MDB).
A segunda informação equivocada ou desinformação é que o PT divide a centro-esquerda ou as esquerdas com sua decisão sobre Lula. Sequer é verificável que a esquerda esteja dividida.
Começamos no sentido inverso dos argumentos: esquerda dividida é um fato? Não é verificável por um critério minimamente razoável. Ter três ou quatro candidatos à presidência não faz a esquerda dividida. Guilherme Boulos (pré-candidato do PSOL a presidência) e Manuela D´Avila (pré-candidata do PC do B) estavam com Lula nos dias que antecederam sua prisão em São Bernardo. Nunca estiveram tão próximos.
Veja o que fazem hoje as cinco fundações dos partidos de centro-esquerda e esquerda (PT, PSB, PC do B, PSOL e PDT): lançaram um manifesto por uma frente parlamentar comprometida com a soberania nacional e bandeiras progressistas. Isso é significativo, porque é compromisso programático.
Ter um candidato próprio não necessariamente significa dividir o campo. PC do B e PSOL têm estratégias próprias nessas eleições. Isso não é desunião. Respeitar essa decisão é fundamental inclusive para a sobrevivência desses partidos que depois de 2022 vão enfrentar gargalos em relação às cláusulas de barreira.
Além disso, Boulos e Manuela dão entrevistas e falam de golpe e dos riscos à democracia. Isso representa mais gente com espaço do campo da esquerda na grande mídia. Porque esses espaços são cercados pelo pensamento neoliberal golpista de sempre e os intelectuais e políticos da esquerda encontram pouco ou nenhum espaço nos grandes meios em períodos fora da eleição.
A estratégia do PSB é difícil de organizar porque a cadeira herdada de governador de São Paulo faz com que a questão presidencial neutralize o partido. E Ciro Gomes, que é um candidato relativamente competitivo, mas que não tem condições de unificar a esquerda, ainda insiste em confrontar Lula e acenar para a direita.
Dos pré-candidatos à presidência tidos como do campo da esquerda ou pelo menos progressista, Ciro foi o único que não fez a defesa de Lula de forma clara. Pior, foi o que mais fez gestos à direita golpista. Como ele quer a simpatia do PT ou de setores críticos ao seu perfil dentro do partido?
Ciro não só viu vantagem como ajuda a disseminar a ideia de que Lula não deve ser candidato e deve logo indicar um substituto ou apontar um plano B. Esse movimento só interessa à direita. Nada no PT justifica isso.
Primeiro porque é desonesto dizer que isso fragmenta ou divide a unificação da esquerda. Segundo porque qualquer indicação não faria com que necessariamente o candidato seja a voz das esquerdas. E, finalmente, terceiro: assim como o PT não pode exigir que os outros partidos sigam sua estratégia, os outros partidos e organizações não têm o direito de reivindicar que a legenda cumpra qualquer estratégia que não seja a sua própria.
Por mais que isso seja óbvio, precisa ser dito. O PT é um partido autônomo e tem o direito de definir estratégia própria e não pode ser responsabilizado por qualquer fragmentação que já é fato e natural do pluripartidarismo.
O argumento mais pernicioso é, porém, o supostamente pragmático: Lula estaria fora da disputa política depois dos julgamentos e, portanto, deve indicar outro nome. Tão pernicioso que recorre a uma razoabilidade para discursar. Já que está fora, seria razoável abrir mão. Mas o pressuposto é absolutamente contrário a tudo o que as esquerdas defendem. E mais: na medida em que um crítico ao projeto entreguista neoliberal se concretiza, qualquer ameaça real a isso se torna passível de ser julgado fora da política.
O golpe não é somente contra o PT, está claro que é contra um projeto de soberania nacional. Neste caso, razoável é acreditar que Lula está preso porque representa uma ameaça real ao projeto neoliberal e, portanto, estarão fora da disputa real todos que tiverem condições de se eleger com essa proposta. Por muito menos o centrão esvaziou Ciro, que agora sente na pele que não tem condições de sequer dizer que vai rever a reforma trabalhista sem pagar o preço por isso.
Boccacio começa o Decameron dizendo que a gratidão é, das virtudes, a mais recomendável. O que torna a ingratidão um pecado desonrado. A ingratidão é a mãe das falsas justificativas. Embora o golpe seja recente e vivo na consciência da maioria e principalmente daqueles que acompanham a política, parece que deixa de ser um elemento de análise no cenário eleitoral.
Fala-se e julga-se a estratégia do PT com o ar de normalidade de uma república democrática plena. Mas ao observar que o golpe recai sobre aqueles que tiveram a grandeza de dividir e procurar a justiça é preciso considerar que as eleições podem se tornar mais um elemento do golpe.
O PT definiu sua estratégia. E a desobediência do status quo representa um dos maiores confrontos impostos à sua história. Quem não repensar as eleições sob esse prisma vai errar. Obviamente que todos tentarão trazer o partido à zona de conforto do golpe.
O fato é que o PT tem direito legal de registrar a candidatura de Lula - sob a condição de réu em trânsito. Tem direito a fazer campanha por Lula. Tem direito a usar o tempo de tevê com Lula. Qualquer juiz que diga o contrário entrará para a história como engrenagem do autoritarismo que assola a democracia do País.
Que o judiciário demonstra tendências a reforçar as decisões arbitrárias e antidemocráticas é visível, o que não é razoável é assumir que ganharam e fazer o jogo dos golpistas.
* Luís Fernando Vitagliano é cientista político e professor universitário

Na telefonia, a revolução digital pesou mais do que a privatização

Economia

Venda da Telebrás, 20 Anos Depois

Na telefonia, a revolução digital pesou mais do que a privatização

por Sergio Lirio — publicado 30/07/2018 13h17
O advento do telefone celular, afirma Marcos Dantas, da UFRJ, barateou a implantação e a manutenção das redes. A qualidade continua um desafio
Pixabay
Na telefonia, a revolução digital pesou mais do que a privatização
A telefonia celular tem custo mais baixo de implantação e maior rentabilidade
A privatização do sistema Telebrás acaba de completar 20 anos. O acesso à telefonia, não se pode negar, foi democratizado ao longo das duas décadas. Mas ao contrário do que dizem certos analistas, e todos os políticos do PSDB, a expansão dos serviços tem mais a ver com o advento do celular do que com o programa de desestatização.
O modelo de venda da estatal em 1998, afirma Marcos Dantas, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em sistemas de tecnologia de informação, foi equivocado e prejudicou a inserção do Brasil no mercado internacional, além de limitar a universalização dos serviços.
“A Telebrás poderia ter ocupado o espaço mundial preenchido pela Telmex, que era muito menor que a estatal brasileira à época da privatização”, afirma o acadêmico, um crítico do modelo de privatização desde os anos 1990.
A desestatização da telefonia esteve envolta em escândalos desde o início. Durante a era Fernando Henrique Cardoso, os “grampos do BNDES” expuseram a ação nada republicana de integrantes do governo, a começar pelo então presidente do banco, Luiz Carlos Mendonça de Barros (“temos de fazer o Opportunity à marra), e pelo ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira (“no limite da irresponsabilidade”).
Sob Lula, pipocou o episódio da “supertele” OI, uma operação financeira mal explicada que terminaria com o pedido de recuperação judicial da empresa. 
CartaCapital: Acabamos de completar 20 anos da privatização da Telebrás. É possível afirmar que sem essa abertura de mercado não ocorreria a expansão da oferta?
Marcos Dantas: Não, não se pode. A privatização coincidiu com a revolução tecnológica do mundo digital. A implantação de infraestrutura de celular é mais barata, enquanto a rentabilidade é bem superior àquela da telefonia fixa. Quando essa nova tecnologia passou a se difundir, imaginava-se que o acesso dos consumidores se aceleraria. 
CC: A Telebrás estatal teria dado conta de atender à demanda?
MD: Tanto quanto a TIM ou a Vivo. O que segurava os investimentos da Telebrás não era a falta de dinheiro, mas os acordos do governo brasileiro com o Fundo Monetário Internacional que impunham todo tipo de congelamento aos investimentos públicos. A Telebrás era, à época, uma empresa altamente lucrativa. Ela tinha um centro de pesquisa no estado da arte das pesquisas do mundo. O Brasil tinha desenvolvido e comercializava centrais telefônicas digitais. No setor privado, a Gradiente era uma empresa tecnológica avançada. Existia uma fábrica em Campinas que produzia fibra ótica com tecnologia nacional. Tudo foi jogado fora. 
CC: Como avaliar o sistema atualmente?
MD: Nas grandes concentrações urbanas, nas quais vivem 70% da população, há uma razoável cobertura de celulares, principalmente por meio de planos pré-pagos. No caso da fibra ótica, é parecido. Até pouco tempo, ela existia somente nas 300 maiores cidades do País. Nestes municípios, quem usufrui com qualidade são os bairros mais abastados e os centros comerciais. Acontece que o futuro das teles está na infraestrutura de internet. O Brasil não pode deixar de adotar uma política pública de universalização nessa área. 
CC: O senhor sempre foi um crítico do modelo da privatização. Por quê?
MD: Não me opus propriamente à privatização, mas à maneira como ela foi feita. O modelo fragmentou uma empresa nacional que à época era uma das 15 maiores do mundo e que, por meio de uma desestatização ao estilo da Embraer, com o Estado mantendo uma golden share, poderia tranquilamente ter se tornado uma empresa parecida à mexicana Telmex.
Quando a Telebrás foi privatizada, ela era muito maior que a Telmex. Os mexicanos não destruíram sua empresa estatal nem a entregaram ao capital estrangeiro. O empresários Carlos Slim, por mais críticas que se possa fazer a seu estilo, fez da Telmex um império. Hoje os brasileiros contribuem para tornar a economia mexicana mais rica. 
CC: Enquanto isso, tivemos a quebra da OI...
MD: Eu cantava essa bola desde 1998. O fatiamento da Telebrás era um desastre, por tirar o Brasil da disputa global do setor e pelo fato de a gente ter um mercado consumidor desequilibrado, com enormes diferenças regionais e de renda, que só se sustentava por uma espécie de transferência de renda das partes mais ricas para as mais pobres. A OI ficou com o osso. Quem abocanhou o filé, São Paulo, foi a Telefónica.
O fracasso da OI, independentemente de toda a picaretagem envolvida e dos erros estratégicos, era estrutural. A empresa ainda tem obrigações de regime público altamente deficitários. Há um Projeto de Lei no Congresso para acabar com o regime público. 
CC: Com qual objetivo?
MD: Com o fim do regime público, a OI não precisaria manter essas obrigações e se tornaria vendável. Precisamos discutir uma outra política, de levar o regime público de universalização para as redes de banda larga e de alta velocidade.
A OI é quase a antiga Telebrás. Ela está em todo o Brasil, à exceção de São Paulo. Ainda é possível recuperá-la, por meio de uma estratégia de política nacional, para ser uma grande operadora brasileira.

QUE PAÍS É ESTE? Ivo Herzog: pelo futuro, é preciso reconhecer erros do passado


QUE PAÍS É ESTE?

Ivo Herzog: pelo futuro, é preciso reconhecer erros do passado

Filho de Vlado pediu audiência a chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário para saber a posição institucional do país sobre o caso. "A gente quer ter orgulho do nosso país"
por Vitor Nuzzi, da RBA publicado 31/07/2018 08h38, última modificação 31/07/2018 08h49
© DEFESA TV/YOUTUBE/REPRODUÇÃO
Ivo Herzog
Ivo Herzog discorda que a Lei de Anistia, de 1979, foi resultado de um consenso. 'Não houve duas partes. A lei não tem legitimidade. Essa pseudo-lei tem sido o grande diploma da impunidade dos agentes do Estado'
São Paulo – "Esta história começou aqui, a menos de 50 metros", diz Ivo Herzog, apontando para o lado de fora do auditório do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura, onde seu pai trabalhava, como chefe da área de jornalismo. A redação, do outro lado do pátio, leva hoje o nome de Vladimir Herzog. Na noite de 24 de outubro de 1975, uma sexta-feira, agentes foram até a Cultura para levá-lo a interrogatório. Depois de várias gestões, ele se comprometeu a apresentar-se no DOI-Codi – onde atualmente funciona o 36º DP –, na manhã seguinte. Chegou lá por volta das 8h, conforme combinado. À morte sob tortura, seguiu-se uma tentativa do II Exército de convencer que ele se suicidara, uma versão desmontada rapidamente. Quase 43 anos depois, com a sentença da Corte Interamericana, um ciclo parece se fechar.
Ao lado de uma tela onde aparece uma imagem do pai, Ivo critica a postura "covarde" do Estado durante o processo internacional. "Chamei o Estado brasileiro para dialogar, e isso foi usado contra nós durante o processo." Ele conta que, inicialmente, não queria recorrer à Corte Interamericana. "Claro, a gente quer justiça. Mas não é um caso de reviver o passado, mas querer um futuro melhor. O que acontece hoje é resultado do passado", diz, afirmando em seguida que apenas em 2017 agentes do Estado mataram 900 pessoas no estado de São Paulo.
Ele conta que foram feitos vários pedidos de audiência, com a presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, os presidentes da Câmara e do Senado e com o próprio Michel Temer, para saber a posição de cada um sobre o caso Herzog e a sentença da Corte Interamericana. "Essa leitura política é muito importante para entender em que país estamos."
À frente do Instituto Vladimir Herzog, Ivo também refuta a argumentação recorrente de que a Lei de Anistia, de 1979, foi resultado de um consenso. "Não houve duas partes. A lei não tem legitimidade. Essa pseudo-lei tem sido o grande diploma da impunidade dos agentes do Estado."
Clarice fala rapidamente. "Estamos vivendo uma situação horrível. Não podemos deixar que aconteça outra vez."
Ivo tinha 9 anos quando seu pai morreu. Seu irmão André, 7. Ele conta que seus pais foram trabalhar em Londres em 1968 e estavam lá quando a ditadura criou o AI-5. Ouviram recomendações para não voltar ao Brasil. Mas, segundo Ivo, Vlado respondeu que aquele era mais um motivo para ele voltar, porque aquele era o seu país. "A gente quer ter orgulho do nosso país. Das Forças Armadas, do Judiciário, do Executivo, do Legislativo."
Ele lamenta que, até hoje, as Forças Armadas não tenham feito um mea-culpa em relação ao caso. "Eles continuam pensando como há 40 anos?", questiona. "Essa sentença é uma porta que se abre", afirma, sob os olhares do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Direitos Humanos José Gregori, do jornalista Sérgio Gomes, do ex-deputado Adriano Diogo, Laura Petit, Criméia Almeida, personagens do período e ativistas em busca de memória e justiça.
Ivo conta que há cerca de um mês participou de debate em uma escola e um dos estudantes defendeu "de forma bem elaborada" a ditadura, afirmando, entre outras coisas, que não havia corrupção naquele período. Ele cita casos como os de Itaipu e da Ponte Rio-Niterói, entre outros, que não podiam vir a público. Também fala da atual epidemia de febre amarela e lembra que, na primeira metade dos anos 1970, não se podia falar da meningite que já matava muitos em São Paulo.
Sem citar o nome do deputado Jair Bolsonaro, que chamou de "ser abominável", o filho de Vladimir Herzog fez menção a declaração recente do candidato do PSL à Presidência, segundo quem "suicídios acontecem", reforçando a versão militar para o que aconteceu com o jornalista em 1975. "Não podemos mais brincar. Este é um país sério. Foi uma frase extremamente ofensiva para as famílias, desrespeitosa." O candidato participaria, ainda ontem, da programa Roda Viva, exatamente na TV Cultura. 
Em outro trecho da sentença, a Corte determina que o Estado promova "um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional pelos fatos do presente caso, em desagravo à memória de Vladimir Herzog e à falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis por sua tortura e morte".

DITADURA E IMPUNIDADE Depois de condenação, caso Herzog é reaberto e desafia o Estado brasileiro

DITADURA E IMPUNIDADE

Depois de condenação, caso Herzog é reaberto e desafia o Estado brasileiro

Ministério Público retoma investigação após Corte Interamericana condenar o Brasil pelo assassinato do jornalista, em 1975. Expectativa é de que a Lei de Anistia não seja mais um obstáculo
por Vitor Nuzzi, da RBA publicado 31/07/2018 08h08, última modificação 31/07/2018 08h50
© BBC NEWS / REPRODUÇÃO
Herzog OEA
São Paulo – No último dia 4, a Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou a sentença pela qual o Brasil foi condenado internacionalmente por deixar impune a morte do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, em 1975, aos 38 anos. As circunstâncias desse julgamento levam procuradores, familiares e outros envolvidos a acreditar que desta vez haverá consequências para o Estado brasileiro, inclusive em outros casos. Concretamente, algo já aconteceu: o Ministério Público retomou as investigações sobre as circunstâncias do assassinato de Herzog, no DOI-Codi de São Paulo.
A diretora do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil) no Brasil, Beatriz Affonso, destaca que a Corte Interamericana considerou, pela primeira vez, que uma ação praticada pela ditadura configurou crime contra a humanidade. "A Corte garantiu um instrumento que não deixa nenhuma dúvida. Agora, o patamar é outro." Pela sentença, os crimes de tortura e execução do jornalista não prescrevem e nem são protegidos pela Lei de Anistia, pretexto usado recorrentemente pelo próprio Judiciário para não levar adiante pedidos de ação. Assim, a decisão não se restringe ao caso Herzog. Pela sentença, o Estado deve adotar medidas "para que se reconheça, sem exceção, a imprescritibilidade das ações emergentes de crimes contra a humanidade e internacionais".
O Cejil representa a família de Vlado desde 2009, quando deu entrada em petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 2015, a CIDH recomendou que o Brasil investigasse o episódio para apurar responsabilidades. Como isso não aconteceu, em 2016 o caso foi para a Corte. Segundo Beatriz, ao longo do processo internacional o Estado brasileiro usou "argumentos frágeis, não jurídicos e muitas vezes de forma desrespeitosa", continuando, dessa maneira, a violar os direitos das vítimas.
Nesta segunda-feira (30), uma entrevista coletiva foi organizada para abordar a extensão da sentença, suas possíveis consequências. O local escolhido foi a TV Cultura de São Paulo, onde Herzog trabalhava em 1975. "Um espaço simbólico importante", lembrou Beatriz. Estavam presentes Clarice e Ivo, mulher e filho de Vlado.
Foram feitas várias tentativas de conseguir justiça, lembra o procurador da República Marlon Weichert, testemunha do caso na Corte Interamericana. "Espero que esta seja a definitiva e exitosa", afirmou, destacando a argumentação jurídica e o entendimento, consolidado no Direito internacional, que veta impunidade em crimes contra a humanidade, entre outros. Mas ele aponta um "falso dilema" nessa questão.
"Sabemos que há resistência em alguns órgãos do Poder Judiciário", diz Marlon, lembrando que alguns falam em "soberania" do Supremo Tribunal Federal (STF), um argumento que ele considera obsoleto. "O Brasil praticou sua soberania ao ratificar a Convenção (Interamericana de Direitos Humanos) e ao reconhecer a jurisdição da Corte. O Estado brasileiro está descumprindo uma convenção internacional."
Em 2010, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153, o STF chancelou a Lei de Anistia, aprovada em 1979 pelo Congresso, ainda sob a ditadura. Naquele mesmo ano, o Brasil foi condenado pela mesma Corte Interamericana por não investigar episódios relativos à Guerrilha do Araguaia. Em 2011, o Ministério Público Federal assumiu uma posição institucional de investigar esse tipo de crime, relacionados a graves violações de direitos humanos e lesa-humanidade. O conceito, lembra o procurador Sergio Suiama, é de "ataques generalizados e sistemáticos contra uma população".
Desde então, o MPF já propôs 36 ações penais, no Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Tocantins e Santa Catarina. Quatro se relacionam ao Araguaia, contra mais de 50 agentes da ditadura. Todas embasadas em provas testemunhais e documentos, observa Suiama, que atuou como perito no caso Herzog. "Essa sentença (da Corte) não é uma sugestão, um parecer, não é um pedido. É uma determinação judicial", enfatiza. "Há uma investigação em andamento. O caso está reaberto. Esperamos agora uma mudança nessa postura do Judiciário", afirma, ao lembrar que quase todas as 36 ações estão paralisadas. 

Anistia por consenso?

Integrante da Comissão Internacional de Juristas e ex-secretário estadual de Justiça em São Paulo, Belisário dos Santos Júnior reforça: "Não é uma recomendação. É uma sentença. Em 1998, o Brasil aderiu à competência contenciosa da Corte". Ele lembra que o tribunal instalado na Costa Rica não é formado por ativistas, mas por "notáveis juristas no campo dos direitos humanos", e a decisão tem precedentes em outros tribunais internacionais.
Essas violações graves e sistemáticas, acrescenta Belisário, não são restritas ao Direito interno do país. O caso Herzog, emblemático, não foi o único. "A cada momento aparecem novas provas" de que o Estado brasileiro matava opositores do regime. O jurista cita a recente divulgação de que o ex-presidente Ernesto Geisel, penúltimo do ciclo militar, não só tinha conhecimento como autorizava esse procedimento. O Instituto Vladimir Herzog, dirigido por Ivo, avalia que o fato reforça a necessidade de uma revisão da Lei de Anistia.
Belisário questiona as circunstâncias em que essa lei foi aprovada. "Essa anistia que representou o 'consenso' teve mais de 200 votos de opositores. Segundo (o ex-presidente João Baptista) Figueiredo, era isso ou nada. Esse era o 'consenso' da época", afirma, acrescentando que o STF ainda não apreciou recurso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a decisão tomada em 2010. Ele espera por uma "reviravolta" no procedimento brasileiro em relação ao tema e lembra que o país é o único da região que ainda não puniu seus torturadores. O jurista também avalia que haverá "resistência judicial", mas observa que o Brasil não o fizer, outros países podem punir. 
A sentença da Corte Interamericana fala em "prazo razoável" para que o Estado apresente respostas. É difícil fixar de quanto seria esse prazo, mas o procurador Sergio Suiama considera o caso Herzog atípico, na medida em que foram feitas investigações, ainda que à época da morte do jornalista tenha sido organizada uma farsa para forjar um suicídio. Uma situação diferente, por exemplo, do que ocorreu no Araguaia, que não teve inquérito e cujo acesso a informações é muito mais difícil. Segundo a Corte, em um ano o Estado deve apresentar um relatório sobre as medidas adotadas. 
Ele também considera inconsistente o argumento, sempre repetido pelos defensores da ditadura, de que havia "dois lados" a punir. "Para além da questão jurídica, existe uma disputa por narrativa. As pessoas que pegaram em armas foram sumariamente executadas, torturadas, mortas e desapareceram. Outras passaram pela Justiça Militar. Vladimir Herzog nunca pegou em armas. Essa narrativa dos dois lados não se sustenta."
Belisário avalia que, após o caso Araguaia, houve um processo de certa "aproximação" entre a Corte Interamericana e o STF. A própria composição do Supremo se alterou nos últimos anos. "Uma nova discussão, à luz de um caso concreto, pode ter outro efeito. Acho que o Supremo vai pensar duas vezes." Uma decisão sobre a anistia estará, segundo ele, "vai entrar para a história entre as decisões que eles (STF) vão carregar". 
Confira aqui a íntegra da sentença da Corte Interamericana.

Monja Coen: 'Lula é digno. Incomoda porque é honesto, correto e pensa em todos'


VISITA

Monja Coen: 'Lula é digno. Incomoda porque é honesto, correto e pensa em todos'

"Ele não tem uma visão partida, mas de como vamos cuidar de todo esse povo”, diz religiosa, que visitou o ex-presidente. Para ela, petista foi o melhor presidente que o país já teve
por Redação RBA publicado 30/07/2018 19h53, última modificação 31/07/2018 10h14
CLÁUDIO KBENE
Coen Roshi
Para líder religiosa, ex-presidente Lula é um preso político, "carismático, querido, amado, porque é bom"
São Paulo – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu no final da tarde desta segunda-feira (30) a visita da monja budista Coen Roshi. Segundo ela, Lula tem meditado "e acredita numa coisa muito maior que o conduz". A religiosa disse que sentiu "um pouco de alegria e um pouco de tristeza" pela visita. "Alegria de poder encontrar o presidente e falar com ele, e tristeza por ele estar nessa circunstância."
A uma pergunta, em entrevista coletiva, sobre qual seu posicionamento político, ela afirmou: "Temos que nos posicionar no mundo, e vivo num país onde se é obrigado a votar. É impossível um líder religioso dizer que não está envolvido em política. A vida é política. Tem a política da nossa casa, a política da nossa casa comum, que é o Brasil, e dentro dessa maneira de pensar a realidade, eu concordo e apoio o pensamento do presidente Lula".
Em sua opinião, Lula foi o melhor presidente que o país já teve. "Um líder carismático, querido, amado, porque é bom. Estive com ele agora. Os seus olhos são puros. Ele disse: 'Eu tenho trabalhado em mim mesmo a 'não raiva'."
A monja reforçou a impressão de que não há provas para condenar o petista e disse concordar com a avaliação da militância de modo geral. "Ele é preso politico." Assista:
A impressão que a religiosa teve do presidente que governou o país de 2003 a 2010 é que ele tem uma visão do país como um todo. "Não tem uma visão partida, nem de partidos separados, mas de como vamos cuidar de todo esse povo."
Para Coen Roshi, o petista disse algo muito importante: "Se as pessoas soubessem como faz bem ser bom, ninguém seria mau". Para ela, "ele é um homem digno, não fez nada errado, mas incomoda". "Porque ele tem o poder de ser honesto, correto, e pensar em todos nós. Ele tem um coração que a gente diria que é o coração Buda. É de uma ternura, de um amor, de uma inteligência e de uma sensibilidade! Se interessa pelas pessoas, se interessa pela vida. Está lendo muito, estudando muito."
De acordo com ela, apesar de todos os imensos problemas do Brasil atuais, o ex-presidente voltou a manifestar crença no país e disse que não pensava que fosse ficar tanto tempo preso. "Pensei que ia ficar só uma semana aqui, mas o tempo está passando", afirmou Lula. "Não sinto raiva nem rancor por ninguém. Às vezes as pessoas vêm falar comigo e eu tenho que acalmá-las. Eu digo: não entre nesse tipo de pensamento porque isso não é benéfico", acrescentou ele. "Podemos transformar a realidade e construir uma realidade juntos e não se digladiando, se odiando, um grupo tentando destruir o outro. Parem de brigar e xingar uns aos outros", pediu Lula, segundo o relato.
A religiosa contou um aspecto que considerou interessante durante sua visita. "Quando fica sozinha, a gente é capaz de ouvir todos os sons. Ele disse que é incrível como existem ‘sons aqui que eu nunca eu perceberia se não estivesse só’."

DEPOIS DA "REFORMA" Dieese se reestrutura para sobreviver e acompanhar futuro do trabalho

DEPOIS DA "REFORMA"

Dieese se reestrutura para sobreviver e acompanhar futuro do trabalho

Para diretor-técnico, o instituto, criado em 1955, atravessa a crise mais grave de sua história, com perda de receita, funcionários e sócios. Mas se reorganiza para seguir assessorando os sindicatos
por Vitor Nuzzi, da RBA publicado 31/07/2018 15h00
LUCIO BERNARDO JR./CÂMARA DOS DEPUTADOS
clemente do dieese
"Estamos tentando preservar as receitas sindicais e não sindicais", conta Clemente
São Paulo – A "reforma" trabalhista retirou o custeio do movimento sindical e agravou a situação, que já era preocupante, do Dieese, o tradicional instituto de assessoria e análise do mundo do trabalho. Recentemente, sua direção se reuniu para discutir um plano de reestruturação, o que se traduz em diminuição do tamanho, mas também em definição de diretrizes. Um processo "para se pensar à frente", diz o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. Dificuldades fazem parte da trajetória da entidade, mas ele acredita que esta seja a mais grave crise de sua história, iniciada em 1955.
"Nos anos 60, o impacto político foi severo, mas o Dieese era pequeno. Hoje, o impacto é em relação a uma equipe grande e uma instituição de presença nacional", avalia Clemente. Para ele, o momento é de "construir resistência em todas as frentes". A receita atual corresponde de 60% a 70% do período 2014/2015. Caiu a arrecadação sindical e houve perda de contratos com órgãos governamentais. A previsão é de que a receita de 2019 seja equivalente a 50% de 2016.
A pesquisa da cesta básica, que era realizada nas 27 capitais, agora é feita em 20. Também diminuiu o número de regiões metropolitanas abrangidas pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). A pesquisa original, de São Paulo, iniciada em 1985, está garantida pelo menos para o ano que vem.
O corte atingiu também pessoal e subseções. Segundo o coordenador de Relações Sindicais do Dieese, José Silvestre Prado de Oliveira, de 62 subseções em entidades no ano passado, o número caiu para 50. "Em algumas, o técnico foi demitido. Em outras, o tamanho da subseção foi reduzido, e também o valor do contrato." Desde 2015, mais de 100 funcionários foram dispensados. De 340, ficaram aproximadamente 230.
Caiu ainda o número de sócios, hoje em torno de 670. Em 2017, eram 720. Silvestre lembra que no começo dos anos 2000, esse número chegou a quase 1.200, mas a inadimplência também era alta, em torno de 40%. "Muitas entidades têm nos procurado para reduzir o valor da mensalidade", acrescenta. 
Uma parte da equipe teve atraso nos salários. Desde setembro, foi adotada uma linha de corte de R$ 5 mil – até esse valor, o pagamento é integral. Falta ainda acertar o 13º salário. Um comitê de reestruturação foi organizado, com participantes das seis centrais reconhecidas formalmente, e lançada uma campanha de fortalecimento do Dieese.

Transição

"O que a gente está fazendo é trabalhar nas entidades sindicais para a construção de um fundo para ajudar na reestruturação. Estamos tentando preservar as receitas sindicais e não sindicais", diz Clemente. O momento difícil também leva a planejar o futuro: "Olhar para as transformações que estão ocorrendo no mundo do trabalho, o impacto que a reforma trabalhista traz para o sistema de relações do trabalho".
O Dieese busca estabelecer prioridades, "reorganizar o nosso atendimento sindical para as negociações coletivas, principalmente", além de formar uma rede de atendimento nos estados, dando suporte via internet. Com a preocupação de se manter "na medida em que o próprio movimento sindical vai definindo o seu tamanho". É um período de transição "cujo tamanho ninguém sabe", lembra o diretor técnico. Algumas entidades certamente vão ajudar, mas ele observa que cada uma também está tentando se preservar. 
Fundado no final de 1955, com o objetivo de monitorar as entidades de trabalhadores e fomentar pesquisas próprias, com desconfiança dos índices oficiais, o Dieese acompanhou o crescimento do movimento social nos anos 1980, lembra Silvestre, mas nunca teve um financiamento 100% sindical. Agora, tem um duplo desafio: "Se reorganizar, mas também com capacidade de ajudar o movimento sindical a se repensar". 
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