terça-feira, 13 de setembro de 2016

Direitos fundamentais e o futuro incerto

12/09/2016 15:48 - Copyleft

Direitos fundamentais e o futuro incerto

O Governo que aí está programou a demolição da Constituição através do sucateamento dos direitos fundamentais, arduamente conquistados.


Tarso Genro
Guilherme Santos / Sul21
Num livro publicado pela primeira vez em 1912, o constitucionalista mexicano, professor Emilio Rabasa (La Constituición y la Dictadura, Ed. Porrúa, México 2006), ao falar, sobre o sufrágio universal, reportando-se ao que ocorria na França, à época, diz que lá “são os operários das grandes fábricas, mediante a intervenção de patrões benquistos (que não chegam a prevalecer como grupos subordinados) “e portanto são apenas perturbadores”. Era a época em que o Estado de Direito não aparecia, ainda, como Estado Social de Direito, no qual os “perturbadores” passam a ter um protagonismo democrático que redesenhou a sociedade de classes, ao longo do século passado.
 
Uma separata recente da “Revista de Derecho Social”, traz um poderoso artigo do jurista Antonio Baylos Grau, relatando e comentado uma sentença da Primeira Seção da Sala Penal da Audiência Nacional Espanhola, que julgou “delitos contra as Instituições do Estado, atentados, associação ilícita, e um delito de danos”, por fatos que teriam ocorrido em junho de 2011, numa manifestação que o Movimento 15-M convocou ante o Parlamento da Catalunha.
 
A palavra de ordem da convocatória foi ‘bloquear o Parlamento’ (…), “não permitiremos que aprovem os cortes!” (sociais, no Orçamento Público). A sentença, que teve uma grande ressonância midiática, absolveu todos os acusados, excetuando um imputado por delito de “dano”, condenado pela ação individual de autoria comprovada, que arruinou com um “spray” a indumentária da deputada socialista Montserrat Tura.
 
Os manifestantes geraram incidentes com os deputados, tentaram bloquear a entrada dos mesmos no recinto do Parlamento e proferiram insultos contra eles. A sentença interpretou estas manifestações coletivas de uma ótica oposta à tradicional visão de Segurança do Estado. Construiu as premissas de absolvição dos acusados pelo Ministério Público, a partir do reconhecimento de que elas, as manifestações, visavam a defesa dos “direitos fundamentais”. A sentença fez uma rigorosa separação entre as ações coletivas, que manifestam a sua indignação contra a agressão àqueles direitos, de uma parte, e as responsabilidades individuais por delitos comuns, de outra.





 
Os crimes comuns, ou contravenções -extraí-se da sentença- devem ser destacados da ação política coletiva, voltada para travar a agressão aos direitos fundamentais, representada pelos cortes orçamentários. Não só porque aqueles delitos se originam de comportamentos individuais, no interior da ação política (fora dos propósitos do movimento) como, a rigor, vem em seu prejuízo, sendo ordinariamente originários de infiltrados ou eventuais participantes que, na verdade, são indiferentes às finalidades das lutas em curso e estão ali por outras motivações.
 
Ao colocar a Segurança do Estado no mesmo plano dos direitos fundamentais, a sentença da Audiência Nacional integra a “segurança social” do Estado Social de Direito, no próprio conceito de Segurança do Estado. E exclui, do âmbito da intervenção penal, conduta que promove uma “legítima defesa” dos direitos sociais constitucionalmente amparados, recusando o conceito tradicional de “segurança nacional”, originário da “Guerra Fria”, acolhido pelos juristas mais conservadores. Estes conceitos são baseados na premissa de que o Estado pode, ou deve ser “seguro”, mesmo às custas da concreta insegurança da maioria dos seus cidadãos.
 
A questão da “ordem pública”, portanto, neste diapasão, deve repousar numa ordem social que gere o compartilhamento de certos níveis de segurança para todos, como elemento essencial do Estado, para o exercício do seu monopólio de violência legítima. A sentença leva em consideração que, na época em que a formação da opinião pública é facilmente manipulável pelos meios de comunicação, que massivamente transmitem as mensagens do “caminho único”, é preciso garantir a visibilidade de ideias que existem na sociedade e que tem, nas manifestações públicas, “o único meio de de difundir seus pensamentos opiniões”.
 
“Quando os leitos de expressão e de acesso ao espaço público -diz a sentença- se encontram controlados por meios de comunicação privados, quando setores da sociedade tem uma grande dificuldade para fazer-se ouvir ou para interferir no debate político, somos obrigados a admitir um certo excesso no exercício das liberdades de expressão ou manifestação, se queremos dotar de um mínimo de eficácia o protesto e a crítica, como mecanismos de imprescindível contrapeso numa democracia que se sustenta sobre o pluralismo, valor essencial que promove a livre igualdade das pessoas, para que os direitos sejam reais e efetivos, como anuncia a Constituição no seu preâmbulo”.
 
No momento em que o oligopólio da mídia faz um esforço combinado para legitimar o golpismo, que levou ao poder de maneira articulada a pior parte do Governo Dilma, aliada com a pior parte da oposição, uma sentença como essa não pode ficar desconhecida dos nossos Juízes e do Ministério Público. O Governo que aí está, programou a demolição da Constituição através do sucateamento dos direitos fundamentais, arduamente conquistados na Constituição de 88. E o que sustenta este Governo ilegítimo, senão o oligopólio da mídia e duas centenas de deputados com contas a prestar na Justiça? Nada. A não ser o temor reverencial sobre a insegurança de um futuro incerto.


Créditos da foto: Guilherme Santos / Sul21

Imagens que valem por mil palavras

12/09/2016 17:17 - Copyleft

Imagens que valem por mil palavras

Enquanto a ordem democrática não for restabelecida, o presidente decorativo Michel Temer e os vendilhões do país não terão um só dia de sossego.


Tatiana Carlotti
 



Enquanto a ordem democrática não for reestabelecida, o presidente decorativo Michel Temer e os vendilhões do país não terão um só dia de sossego. 
 
Nas ruas, apesar da repressão policial, milhares de brasileiros protestam em um uníssono “Fora Temer” e por “Diretas Já”. 





 
Nas redes sociais, a criatividade explode em um turbilhão de memes, gifts, charges, vídeos e fotos denunciando o golpe e os absurdos da agenda neoliberal imposta ao país.
 
Em diversas plataformas sociais, trafega uma produção rica, crítica e combativa fortalecendo, dia sim e no outro também, a resistência contra o golpe. Confira abaixo um pouco desse vasto material.

Uma produção capaz de dar, de forma precisa, as dimensões do presidente decorativo:


 

Denunciando a miopia de alguns:


Que insistem:




Em esconder o óbvio:

Mas frente à consciência do povo:




O jeito deles é reprimir:

 
Até porque o test-drive já começou:

E como começou:

Enquanto isso, o decorativo roda o mundo:

Apesar de todas as previsões:

E os gritos por independência:

E aí você se pergunta, como alguém ainda apoia um golpe?

E se lembra que além da força reprimindo a voz das ruas:

Entre os golpistas está aquela meia dúzia de famílias:

 
Aquela contrária à EBC:

 
Que faz o trabalho sujo:
 

 
Diariamente:



Um escárnio, não?

Nas redes, vários denunciam:

Até quando meditam:

Em vários idiomas:

Em vários desenhos:
Em vários filmes: 
E sarau de poesia:
 
https://www.youtube.com/watch?v=wTaUNmuvk8U
 
E aos amantes da música, que tal um funk?
 
https://www.youtube.com/watch?v=XcCO5oLpoW4
 
Uma bossa?
 
https://www.youtube.com/watch?v=-x3ED7GWQrY
 
Um samba?
 
https://www.youtube.com/watch?v=79tIyl79g3Q
 
Um rap?
 
https://www.youtube.com/watch?v=howLK4jkbpY
 
E um bom sertanejo:

E, claro, futebol! Um golaço narrado pelo Juca Kfouri:
 
https://www.youtube.com/watch?v=DCwqsReYkEs
 
Será impossível calar essa quantidade de voz:

E bota voz nisso:

Ecoando, em alto e bom som:

Uma sonora vaia:

 
Porque por mais que eles não admitam:

A gente sabe:
 



Créditos da foto: reprodução




Pauta trabalhista no STF: o futuro do Direito do Trabalho em risco

13/09/2016 10:35 - Copyleft

Pauta trabalhista no STF: o futuro do Direito do Trabalho em risco

É mais urgente do nunca que a classe trabalhadora esteja completamente atenta para o que vai se realizar no Supremo nesta próxima quarta-feira.


Jorge Luiz Souto Maior
Beto Barata

 Em artigo sobre o impeachment, adverti:

“Assim, não é nenhum absurdo ou mera força de expressão prever que eventual queda do presente governo venha acompanhada de um “comando” em torno da urgência da implementação de uma intensa reforma trabalhista, na qual a ampliação da terceirização pareceria peixe pequeno, até porque para ser levada adiante requereria o desmonte da Constituição de 1988, atingindo não apenas os direitos trabalhistas, mas também a Justiça do Trabalho, o que seria, sem dúvida, o sonho dourado de uma parcela da classe empresarial (que de brasileira pouco tem), sendo que a isso não se chegaria sem o aprofundamento da lógica do Estado de exceção, situação na qual todos seriam, de um jeito ou de outro, atingidos, inclusive pessoas da classe média que se acham integr adas ao capital e que estão nas ruas alimentando esse monstro de sete cabeças.”[1]

E tratando dos efeitos para a classe trabalhadora, posicionei-se no sentido de que:






“É dentro desse contexto, aliás, que muitas questões trabalhistas são conduzidas ao Supremo Tribunal Federal, a quem se pretende atribuir, suplantando o TST, o papel de conferir uma “nova roupagem” ao Direito do Trabalho, que representa, no fundo, a extinção do Direito do Trabalho e, por conseqüência, da própria Justiça do Trabalho, ainda que essas instituições não desapareçam formalmente.

A atuação do Supremo neste sentido, aliás, é bastante favorecida pela posição constitucional das normas trabalhistas e pela instrumentalização do STF com a Súmula vinculante e com a repercussão geral dos julgamentos proferidos em RE, esta instituída pela Lei n. 11.418/06, de questionável constitucionalidade, reforçando-se, agora, ainda mais, com os institutos do novo CPC que priorizam os julgamentos de cúpula (“incidente de assunção de competência”; “arguição de inconstitucionalidade”; “incidente de resolução de demandas repetitivas” e “Reclamação”).

É dentro do objetivo de esvaziar a influência jurídica da Justiça do Trabalho que se podem compreender os julgamentos do STF, seguindo a linha do julgamento proferido em agosto de 2004, que declarou a constitucionalidade de taxação dos inativos (ADI 3105), nos Recursos Extraordinários 586453 e 583050 (em fevereiro de 2013), que atribuiu à Justiça Comum a competência julgar os conflitos envolvendo a complementação de aposentadoria dos ex-empregados da Petrobrás e do Banco Santander Banespa S/A; no ARE 709212, em novembro de 2014, que reduziu a prescrição do FGTS de trinta para cinco anos; na ADIn nº 5.209, de dezembro de 2014, que, na prática, a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), à qual estão associadas grandes construtoras, como a Andrade Gutierrez, Odebrecht, Brookfield Incorporações, Cyrela, MRV Engenharia, suspendeu a vigência da Portaria n. 2, de 2011, referente à lista do trabalho escravo; e na ADI 1923, em abril de 2015, que declarou constitucional as Leis ns. 9.637/98 e 9.648/98, legitimando a privatização do Estado nos setores da saúde, educação, cultura, desporto e lazer, ciência e tecnologia e meio ambiente por intermédio de convênios, sem licitação, com Organizações Sociais.

Verdade que o Supremo também decidiu em favor dos trabalhadores, notadamente no que se refere ao direito de greve, no Mandado de Injunção 712, na Reclamação n. 16.337, com extensão aos servidores, nas Reclamações 11847 e 11536, mas isso lhe valeu a difusão de uma propaganda midiática de que estava sendo bolivarianista e não necessariamente por conta disso, mas sem que essa pressão midiática seja irrelevante, instaurou-se um quadro realmente bastante preocupante para os direitos trabalhistas no que se refere à atuação do Supremo Tribunal Federal, tanto que o julgamento da ADI 1625, que trata da inconstitucionalidade da denúncia, feita pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, da Convenção 158, da OIT, que inibe a dispensa arbitrária de empregados, notadament e as dispensas coletivas, proposta em proposta em 19/06/97, até hoje não foi concluído, embora já tenha vários votos expressos pela inconstitucionalidade; cabendo verificar, também, o que se passou no RE 658.312, no qual se proferiu uma decisão, aparentemente, favorável aos trabalhadores, mas logo depois teve sua execução suspensa pelo próprio STF.

Aliás, estão sob julgamento e, portanto, passíveis de revisão, os avanços verificados nos entendimentos a respeito das dispensas coletivas (ARE 647561) e direito de greve (AI 853275/RJ), assim como a própria ampliação da terceirização (ARE 713211).

(....)

Neste cenário, avizinha-se uma solução conciliada, que não comprometeria os interesses partidários em jogo, de atribuir ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de realizar as reformas estruturais requeridas pelo mercado, exatamente na linha proposta pelo Banco Mundial, no aludido Documento 319, que reconhece que as alterações legislativas necessárias aos interesses econômicos geram altos custos para o capital político.

Com a remessa da Lava Jato ao Supremo, por meio do entulho autoritário do Foro Privilegiado, aplaudido por tantos que estão se posicionando em defesa da democracia, este órgão tende a encontrar a legitimidade popular necessária para impor as referidas reformas, ainda mais fazendo integrar às investigações políticos de todos os partidos.

A estabilidade política, assim, terá o preço da retração de direitos trabalhistas, que poderá se consagrar, fora do calor dos embates das ruas, nos referidos julgamentos, no Supremo Tribunal Federal, a respeito das dispensas coletivas (ARE 647561), do direito de greve (AI 853275/RJ) e da terceirização (ARE 713211), correndo-se o risco de se atingir, em breve tempo, o instituto da estabilidade no emprego dos servidores públicos, como já começa a ser repercutido na grande mídia.”[2]

Eis que a primeira sessão do STF sob o comando da nova Presidente Carmen Lúcia, a se realizar na próxima quarta-feira, dia 14/09, será integralmente dedicada às questões trabalhistas.

Estará em julgamento:

- a inconstitucionalidade da denúncia da Convenção 158 da OIT, sendo que o resultado correto é o da declaração da inconstitucionalidade da denúncia, como já se pronunciaram, aliás, cinco Ministros do STF, fazendo com se aplique, de forma imediata, a referida Convenção, a qual coíbe, de forma efetiva, a dispensa arbitrária;

- a constitucionalidade do direito às mulheres do intervalo de 15 minutos de descanso antes de iniciar as horas extras na jornada de trabalho, sendo que o efeito jurídico correto é da aplicação do intervalo também para os homens e a declaração de que horas extras só são possíveis excepcionalmente;

- a responsabilidade dos órgãos públicos por direitos trabalhistas devidos por uma prestadora de serviço que contratou, sendo que o julgamento mais acertado é o da declaração da inconstitucionalidade da terceirização no setor público, admitindo-se, no mínimo, a manutenção da responsabilidade solidária e objetiva do ente público pelo adimplemento dos direitos daqueles cuja atividade contribui para o cumprimento dos deveres e obrigações do Estado;

- a validade da jornada de 12 horas para bombeiros civis, seguidas por 36 horas de descanso, num total de 36 horas semanais, sendo que o devido é a declaração da ilegalidade de toda e qualquer jornada que ultrapasse a 10 (dez) horas diárias, integradas de duas horas extras, as quais só são possíveis, como dito, excepcionalmente;

- sobre a competência – da Justiça Comum ou da Justiça do Trabalho – para analisar reclamação de servidor municipal cujo empregador, o Município, não recolheu FGTS, sendo que a competência, inegavelmente, é da Justiça do Trabalho.

Portanto, é mais urgente do nunca que a classe trabalhadora e o segmento jurídico trabalhista estejam completamente atentos para o que vai se realizar no Supremo nesta próxima quarta-feira.

Por ora, é isso!


Créditos da foto: Beto Barata

Levante Popular da Juventude: esperança no futuro do Brasil

13/09/2016 11:59 - Copyleft

Levante Popular da Juventude: esperança no futuro do Brasil

O Levante incorpora milhares de experiências, o território e o meio ambiente, e, em especial, incorpora o afeto na luta pela justiça social.


Ermínia Maricato
Levante Popular da Juventude
Todas as pessoas que estão desesperançadas com os ataques atuais à democracia brasileira deveriam ter tido a oportunidade de passar um dia no III Acampamento do Levante Popular da Juventude ocorrido em Belo Horizonte de 5 a 9 deste mês. Mais de 7.000 jovens de 26 estados da federação se reuniram no Estádio do Mineirinho para dar continuidade ao seu propósito de discutir e elaborar um Projeto Popular para o Brasil.
 
Alegria, criatividade, diversidade, inventividade explodiam em cada canto, aberto ou fechado, do Estádio. Música, dança, teatro, malabarismo, artesanato, conviviam com a disciplina dos numerosos grupos que discutiam os temas da programação agendada. Grandes plenárias com os principais convidados e artistas eram sucedidas pelos debates nas tendas e salas fechadas para o tratamento de temas específicos de interesse da juventude e da sociedade brasileira. Letícia Sabatela, João Pedro Stedile, Lula, Julian Assange  (transmissão ao vivo da Embaixada de Quito em Londres) e Eddie Conway (ex- Panteras Negras dos EUA) foram alguns dos principais convidados. O Levante não tem filiação partidária mas registra seus aliados e parceiros. Como tema central do III Acampa foi discutida a Constituinte Exclusiva e Soberana para enfrentar a crise e lutar pela Reforma Política.
 
Nada como o frescor de um movimento primaveril para uma esquerda que está, digamos, no outono. Não há exagero nisso se considerarmos que, além dos temas tradicionais da agenda política, o Levante traz forte, ou melhor fortíssima, característica de lideranças de mulheres, população negra e LGBT além de se integrar às práticas de arte e cultura. A subjetividade não os assusta assim como a nova relação com seus corpos.        
 
Organizar tal evento custaria muito caro se seus participantes não dividissem as tarefas sob a forma de auto-gestão: alimentação, limpeza, comunicação, segurança, equipamentos (som, cadeiras, projetores, tendas), saúde... A equipe de saúde incluía massagistas, homeopatia e até psicólogos. Convidados eram buscados e trazidos dos aeroportos ou endereços, nos horários precisos, por voluntários de diversas organizações. Ônibus fretados vieram de várias partes do país trazendo jovens que passaram até 4 dias viajando. Cada ônibus tinha um coordenador e fazia reuniões diárias para divulgar os horários da programação. A estadia se dava em barracas ou colchões estendidos no chão das áreas fechadas. Drogas ilícitas foram proibidas para não comprometer a luta do Levante e dar assunto para a mídia conservadora. A portaria era fechada às 23 horas para ter o controle dos participantes. 





 
O Levante se estrutura em células, com forte base territorial. O acampamento nacional é a instância máxima de tomada de decisões. Predominaram no encontro estudantes universitárixs (a maioria) e moradorxs das periferias e favelas urbanas embora xs camponeses e trabalhadorxs urbanxs se fizessem também presentes. A preocupação com a discussão da agenda política  está fortemente calcada na formação histórica e teórica, daí a presença de professores e estudantes universitários convidados que compuseram mesas com lideranças populares. Os alojamentos no Estádio do Mineirinho tinham nomes: Cabanagem, Balaiada, Palmares, Revolta das Barcas, Encruzilhada Natalino, e Guarani Kaiowa. Teoria e ciência, ligadas à prática (ou “ vida vivida” como diria Sergio Buarque de Hollanda) é fórmula transformadora para um país onde a elite faz um esforço secular para esconder as condições de vida do povo, o mundo do trabalho e a agressão ao meio ambiente. A construção do senso comum, ocultando a realidade, é tarefa que a mídia faz cotidianamente no interior dos lares brasileiros. O Levante tenta destruir essa narrativa a partir da vivência dxs jovens, isto é, a partir da sua realidade social.
 
Essa experiência (ela não é a única, no Brasil), mostra que a esquerda brasileira está em reconstrução. Trata-se de uma reconstrução popular e independente, no caso do Levante. E isso é importante. Aparentemente está sendo corrigido um dos erros recentes que levou a esquerda ao “poder pelo poder” e afastar-se das forças vivas da sociedade. Aparentemente ainda estão sendo corrigidas as marcas do machismo e da lgbtfobia. É mais do que evidente que não é possível adiar mais o acerto de contas da sociedade brasileira com os séculos de escravidão cuja herança está tão presente nas condições de vida, trabalho e salário dos negros e negras, em pleno século XXI. O Levante incorpora milhares de experiências diversificadas, incorpora o território e o meio ambiente, e, em especial, incorpora o afeto nas relações sociais  e na luta pela justiça social.  
      


Créditos da foto: Levante Popular da Juventude

Henrique Meirelles, o pai da austeridade brasileira

13/09/2016 16:09 - Copyleft

Henrique Meirelles, o pai da austeridade brasileira

Perfil do jornal 'Le Monde' apresenta o ministro como o financista querido do mercado.


Leneide Duarte-Plon, de Paris
Valter Campanato
Fleugmático e seguro. Assim a correspondente do « Le Monde » apresenta no jornal datado de terça-feira, 13 de setembro, o brasileiro que « ocupa o posto mais delicado e exposto do momento ».
 
No perfil de página inteira no suplemento de economia, ela o chama de «pai da austeridade brasileira e o financista querido do mercado». Austeridade é um eufemismo que jornalistas e economistas usam para designar o arrocho generalizado das políticas neoliberais.
 
Claire Gatinois continua a descrever Henrique Meirelles, um personagem de quem o leitor provavelmente nunca ouviu falar: « Seu país está afogado numa recessão histórica com grandes dificuldades de orçamento, devastado por um desemprego em massa e sacudido por manifestações quase cotidianas que acusam o novo governo, do qual ele faz parte, de ter feito um golpe de Estado parlamentar para afastar do poder o Partido dos Trabalhadores (PT, de esquerda) ».
 
A texto revela que a prioridade da agenda de Meirelles são as reformas « julgadas tão urgentes quanto impopulares : austeridade orçamentária, avanço da idade da aposentadoria, flexibilização do mercado de trabalho ». 





 
Meirelles diz que nada disso é impossível : « A recuperação será progressiva ».
 
A ira do povo na rua não impressiona Meireles. « Conheço o PT, é um partido militante, vocal », diz. Ele julga que as manifestações são « sãs e legítimas e as vaias fazem parte da democracia ».
 
O leitor francês deve ficar  perplexo ao ler que esse homem vindo das finanças internacionais, ex-presidente do Banco de Boston, foi  presidente do Banco Central no governo Lula « apesar de pertencer à oposição, o PSDB », que a jornalista define como de centro-direita. 
 
Na França, presidentes eleitos governam com pessoas diretamente comprometidas com suas ideias e seus programas. Mas o Brasil é um país muito peculiar e isso explica a colaboração de Meirelles com Lula.
 
« Lula serviu-se de Meirelles figura conhecida de Wall Street para tranquilizar os meios financeiros assustados com um ex-líder sindical que eles julgavam um revolucionário ».
 
O ministro da Economia é sincero: “Com Lula eu não compartilhava as mesmas ideias mas havia um respeito mútuo. Tive bastante autonomia », assegura o ministro. 
 
Mais adiante, o leitor fica conhecendo detalhes da passagem pelo  governo híbrido de Lula desse « neoliberal que tem medo de crescimento », frase atribuída ao ministro da Economia da época, Guido Mantega. 
 
Definido no « Le Monde » por André Nassif (professor de Economia da UFF) como alguém que tem uma visão restrita da economia focalizada na estabilidade financeira e monetária, Meirelles é comparado a Fernando Henrique Cardoso, que como ministro das finanças entre 1993 e 1994 construiu sua imagem de presidenciável ao « ter controlado a hiperinflação graças ao Plano Real ».
 
A jornalista lança a pergunta :
 
« Numa paisagem política brasileira devastada por escândalos de corrupção, Monsieur Meirelles pode ser o homem providencial » ?
 
Para Carlos Langoni, outro ex-diretor do Banco Central, além de ser o darling do mercado, « Meireles é competente ».
 
Sua visão está em sintonia com a primeira medida que vai ser votada no Congresso para limitar por vinte anos a progressão das despesas do Estado ao ritmo da inflação.
 
A desconstrução de progressos sociais e o voo de galinha
 
O perfil de Meirelles adquire cores menos brilhantes na visão de João Cayres, membro da direção nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), definida como um sindicato próximo do PT. Para ele, Meirelles é apenas o executor das políticas impopulares a serviço das elites. Cayres vê na famosa « flexibilização » do mercado de trabalho a desconstrução dos progressos sociais já adquiridos.
 
Por outro lado, entre economistas a jornalista assinala dúvidas de que o recuo da idade da aposentadoria possa estimular o crescimento e severas críticas ao sistema fiscal brasileiro, considerado injusto. Se otimizado com a redução da injustiça fiscal, o Tesouro se encheria de recursos dos ricos contribuintes que por malabarismos fiscais não pagam impostos.
 
André Nassif vê nas medidas anunciadas uma política capaz de provocar apenas um “voo de galinha”.
 
O perfil do « Le Monde » termina dizendo que o apoio maciço do Congresso é uma chance para o ministro, que se defende da acusação de querer um « Estado mínimo ». Ele diz querer um Estado « viável ».
 
« Monsieur Meirelles tem dois anos antes da eleição presidencial de 2018 para agir e certos analistas já observaram que o governo atual no poder há cinco meses até agora falou muito mas não fez nada. »


Créditos da foto: Valter Campanato