sexta-feira, 3 de abril de 2020

"Fora Bolsonaro, queremos viver"

"Fora Bolsonaro, queremos viver"
 
No momento em que escrevo essa newsletter, o Brasil registra o recorde de mortes em 24 horas por coronavírus. Entre quarta e quinta-feira 58 pessoas morreram - o recorde anterior era de 42 mortes na terça-feira - somando 299 mortes e 7.910 casos confirmados, um aumento de 16% em relação ao dia anterior.
Isso, sem levar em conta a subnotificação, já apontada pela Pública, e relatada como “imensa” por equipes de atenção básica de saúde em reportagem publicada ontem pela Folha de S. Paulo. A falta de kits para exames - só em São Paulo há 10 mil na fila para os testes - e de uma portaria específica do Ministério da Saúde, regulamentando as notificações, estão entre os motivos para a inconfiabilidade dos números. Também não há como saber quantos, de fato, morreram por coronavírus. Como relatamos na sexta-feira passada, os que falecem em São Paulo, por exemplo, estão sendo enterrados sem autópsia, muitas vezes sem fazer os testes para a doença. O mesmo acontece em pelo menos seis estados. Uma falha grave, que prejudica qualquer estratégia séria de combate à pandemia. 
E essa nem é a notícia mais preocupante da semana. Como vem alertando os epidemiologistas, a situação de extrema desigualdade do país é uma variável determinante e de comportamento ainda imprevisível. Favelas e outras moradias precárias facilitam o contágio e dificultam as medidas profiláticas - essa semana o Ministério Público teve que entrar com uma ação emergencial pública para exigir que a Sabesp garanta o abastecimento de água nas favelas, onde a falta é constante. Mas, apesar da luta que travam associações de moradores, sindicatos e jovens das comunidades, onde 96% são a favor das medidas de isolamento social, os primeiros casos de contaminação nas favelas começam a aparecer. Na Rocinha, no Rio de Janeiro, houve duas mortes suspeitas na segunda-feira passada. 
Nesse quadro catastrófico, agravado pelo afastamento de profissionais de saúde com sintomas respiratórios, confirmados ou não (só em São Paulo já foram 600 os que tiveram que ser removidos segundo estatística do Sindesp) e pela previsível falta de leitos de UTI, o país não tem comando confiável. E isso não é mais uma opinião, é um fato, haja vista a atitude permanentemente irresponsável do presidente da República. Ontem, por exemplo, ele pediu aos brasileiros que jejuassem para combater a epidemia depois de desautorizar mais uma vez o ministro da Saúde em entrevista na Jovem Pan.
Por fim, se alguém ainda tiver alguma dúvida a respeito do descaso absoluto do presidente pela vida dos brasileiros, pode olhar também para a economia. 
Ontem, Bolsonaro postou uma live “com um comovente depoimento de uma professora ao presidente”. Dizendo não ter como viver sem trabalhar, ela pedia que o Exército obrigasse os governadores a acabar com as quarentenas. O presidente aplaudiu, totalitarismo é com ele mesmo, mas não disse à professora que ele demorou quase três dias para sancionar o projeto de renda mínima emergencial, aprovado pelo Congresso, e que a MP 936, que ele enviou ontem ao Legislativo, permite que as empresas cortem até 70% dos salários dos trabalhadores formais sem que o governo cubra a integralidade dos rendimentos. 
Como explicou a economista Monica de Bolle “a MP introduz para o trabalhador formal uma incerteza econômica brutal e uma precarização da situação do trabalhador num momento de crise aguda, num momento em que a epidemia vai começar a fazer muitas e muitas vítimas; aquele trabalhador que tiver seu salário cortado em 70%, principalmente se está na faixa de até 3 salários-mínimos, vai fazer bico na rua, exatamente o que a gente não quer nesta fase aguda da epidemia”. 
Enquanto termino de escrever, o panelaço cada vez mais forte pelo país afora surge como esperança. De uma janela, em São Paulo, a moradora grita: “Fora Bolsonaro, queremos viver!”.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
O que você perdeu na semana

Mais um guajajara assassinado. Na última terça-feira, dia 31 de março, o líder indígena Zezico Rodrigues Guajajara, da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, foi encontrado morto. Esse é o quinto assassinato de um Guajajara em quatro meses. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), desde 2000 o estado do Maranhão teve 48 homicídios contra o povo Guajajara, sendo um dos mais violentos contra a etnia.

Desigualdade na distribuição de respiradores. Cerca de um terço das cidades brasileiras tem no máximo dez respiradores mecânicos. Os equipamentos estão concentrados nas capitais. Nos estados do Nordeste e Norte, o número de respiradores por habitante é menor do que em outras regiões do país. Segundo o presidente da Associação Latino-Americana do Tórax, Gustavo Zabert, em um cenário de baixo impacto, em 15 dias faltarão ventiladores mecânicos no Brasil. 

Mães na favela e o coronavírus. Um mês sem renda devido ao isolamento significa não ter como comprar comida, segundo 92% das mães consultadas na pesquisa feita pelo Data Favela e pelo Instituto Locomotiva. Ainda, 76% das entrevistadas relatam que, sem as crianças na escola, os gastos domésticos já aumentaram. Apesar das comunidades serem apontadas como as áreas mais vulneráveis à Covid-19, ainda não foi elaborado nenhum plano específico por parte do poder público.
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Últimas do site
 
Grupo de risco para Covid-19. A população de risco no Brasil é muito maior do que os 22 milhões de idosos. Levantamento da Pública mostra que país tem quase 3 mil internações por dia causadas por doenças do grupo de risco para a Covid-19, como pneumonia, diabetes e hipertensão. A maioria dessas hospitalizações (59%) envolveu pessoas com menos de 60 anos.

Comunicadores populares. Na ausência do Estado, comunicadores populares de todo o país se mobilizam para desmentir notícias falsas e informar moradores da periferia sobre o coronavírus. Em São Paulo, grupo passou a enviar, via Whatsapp, um podcast de 2 a 3 minutos chamado "Pandemia Sem Neurose", com atualizações das medidas do governo e dicas de prevenção.⠀

Ataque às vítimas do coronavírus. Pessoas com suspeita ou acometidas pela doença estão sendo hostilizadas dentro e fora das redes sociais. Os ataques são de todos os tipos: desde fake news de que estariam andando nas ruas para contaminar outras pessoas até ameaças de morte. Em Goiás, mulher grávida teve a casa apedrejada após um áudio de Whatsapp espalhar a informação de que ela estaria com suspeita de Covid-19.

Efeitos do glifosato. Depois de passar cinco anos aplicando agrotóxico produzido pela Bayer (Monsanto) em sua pequena lavoura de café, o agricultor Sebastião Bernardo da Silva desenvolveu um quadro de epilepsia e esquizofrenia que, segundo mais de dez laudos, foi consequência à exposição ao agrotóxico. Processada pelo trabalhador, a empresa se recusa a reconhecer os efeitos de seu produto: "não ficou comprovado nenhum nexo causal entre o uso do glifosato e as doenças alegadas pelo demandante."

56 anos do golpe militar. Angela Mendes de Almeida, hoje com 80 anos, dedicou a vida a lutar pelas vítimas da ditadura. Seu companheiro amoroso e de militância, o jornalista Luiz Eduardo Merlino, foi brutalmente assassinado pelo regime aos 23 anos, em 1971. A história de vida e militância de Angela foi contada por Marina Amaral, codiretora da Pública, no livro “Heroínas desta história – Mulheres em busca de justiça por familiares mortos pela ditadura”. Trecho do capítulo pode ser lido no nosso site
Pare para ler 
 
Por dentro de um hospital de campanha. Em uma semana, Madri viu os pavilhões da Instituição de Feiras de Madrid (Ifema) se tornarem um hospital de campanha para atender os casos de Covid-19 perante o colapso dos hospitais comuns. Entre as filas de leitos hospitalares, a cada nova alta, o pavilhão explode em palmas. Entre os pacientes, a saudade de casa e a falta dos familiares é tão difícil quanto lidar com a doença.
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Juristas denunciam Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por crime contra a humanidade

Juristas denunciam Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional por crime contra a humanidade

Presidente Jair Bolsonaro. Foto: PR
PRESIDENTE JAIR BOLSONARO. FOTO: PR

Segundo a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, o presidente coloca a vida da população em risco e comete crime de epidemia

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) protocolou, nesta quinta-feira 2, uma representação no Tribunal Penal Internacional contra o presidente Jair Bolsonaro pela prática de crime contra a humanidade. De acordo com a entidade, o Brasil possui, no atual momento, um chefe de governo e de Estado cujas atitudes são total e absolutaente irremsponsáveis.
“Por ação ou omissão, Bolsonaro coloca a vida da população em risco, cometendo crimes e merecendo a atuação do Tribunal Penal Internacional para a proteção da vida de milhares de pessoas”, reforça o documento protocolado pelos advogados Ricardo Franco Pinto (Espanha) e Charles Kurmay (EUA).
Segundo a ABJD, Bolsonaro está cometendo o crime de epidemia, previsto no art. 267, do Código Penal Brasileiro, que dispõe sobre crimes hediondos. “Os crimes cometidos afetam gravemente a saúde física e mental da população brasileira, expondo-a a um vírus letal para vários segmentos e com capacidade de proliferação assustadora, como já demonstrado em diversos países. Os locais que negligenciaram a política de quarentena são onde o impacto da pandemia tem se revelado maior, como na Itália, Espanha e Estados Unidos”, ressalta.
 
Diante disso, os integrantes da Associação apontam que o chefe do Executivo despreza as maiores autoridades científicas que prescrevem uma estratégia de guerra para reduzir os efeitos da pandemia. “O Presidente do Brasil faz eco com empresários inescrupulosos e se nega a adotar o padrão mundial de confinamento social, deixa de atuar na estratégia para achatar a curva de infecção e auxilia na expansão e aumento do contágio, o que fatalmente vai fazer com que o sistema de saúde no Brasil entre em colapso”, diz.
A Associação evidencia que o Ministério Público Federal do Brasil já procurou fazer com que o Procurador-Geral da República – único órgão que poderia processar o presidente no país – fizesse com que Bolsonaro não cometesse mais as ações que colocam a população em risco diante de uma grave pandemia, porém o pedido foi sumariamente arquivado.
“A internacionalização da questão e um pronunciamento do TPI são urgentes e necessários. Não podemos admitir o que vem ocorrendo no Brasil, ou seja, a total impunidade de Jair Bolsonaro, que é o principal fator que aumenta de forma escalonada a prática de novos crimes”, finaliza.

BOLETIM CARTA CAPITAL

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Sexta-feira, 3 de Abril de 2020
POLÍTICA
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SOCIEDADE
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Mesmo em meio à pandemia da Covid-19, que deixa clara a importância da ciência e pesquisa, órgão altera critérios de distribuição de bolsas → Continue lendo no site
Estados Unidos têm disparada de mortos e falta de equipamentos
Coronavírus mata mais de 5.600 no país → Continue lendo no site

"AS 10 ESTRATÉGIAS DE MANIPULAÇÃO DAS MASSAS Por NOAM CHOMSKY"

https://youtu.be/zGdaHBuCVr4 

O bolsonarismo é o chorume dessa saga indigesta chamada ditadura IMPORTANTE

O bolsonarismo é o chorume dessa saga indigesta chamada ditadura

Roberto Amaral

A  felonia do 1º de abril de 1964 pede reflexão. Pede sempre, pois muito longe está de encerrar-se o inventário de seus malefícios, um dos quais nos malsina, a chaga do bolsonarismo, ainda ontem cantado em ode pelo general Villas Bôas.
O colapso da ditadura – assinalado com a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney, inaugurando uma "nova república" que já nascia velha – fechou um século marcado por irrupções sociais e intervenções militares, essas sempre levadas a cabo contra a democracia e a ordem constitucional, sempre a favor dos interesses da casa-grande.
Os grandes movimentos populares que levaram às cordas o mandarinato dos generais (as campanhas pela anistia e pelas "diretas já") pareciam haver vacinado o país e seu povo contra os golpismos, as tomadas de mão, e semeado a esperança de um processo democrático resistente a toda sorte de abalos. Seria o resultado de nosso aprendizado histórico após quantos anos de intranquilidade institucional e comoção social, ditaduras duradouras, decretações de estado de sítio, insurreições, quarteladas, deposições de presidentes e golpes de estado a granel. Sem falar nas patacoadas dos brigadeiros de Jacareacanga e  Aragarças.
O golpe de 1964 teve por objetivo, alcançado, impedir o aprofundamento do processo democrático, que avançava mediante a emergência das massas, e, na contramão dos interesses nacionais, deitar por terra nossos sonhos de soberania, subordinando, como fez o mandato do marechal Castello Branco, nossa política externa aos interesses do pentágono, isolando-nos no continente. Assim como, hoje,  obra o governo do capitão.
Como toda tragédia política, essa última ditadura precisa ser eviscerada, exposta ao olhar e ao conhecimento de todos, para que não intente renovar-se, qualquer que seja o seu disfarce. Porque muitas vezes cessa o estado de exceção, mas perdura, sobrevive, como traça, caruncho, o seu substrato ideológico, consumindo, invisível e silente, solerte, as bases do processo social. Quando a peçonha emerge, vem à luz do dia e se apresenta em plenitude, já pouco há por fazer em defesa da democracia. Antes das armas, a barbárie conquista as almas, por isso muitas vezes sobrevive após a derrocada do poder de fato.
Passados tantos anos das experiências fascistas, vividas tantas guerras, revolucionadas as relações de produção, consagrada a democracia representativa, ressurge no ocidente, como planta daninha, o espectro  ideológico da extrema-direita, que avança na Europa, avança nos EUA e daí se irradia, e chega até nós, com a aura do processo eleitoral de 2014. O ovo da serpente anunciava desde 2013 a gestação da peçonha. Da ameaça não cogitou a esquerda hegemônica. Os liberais, e os autointitulados socialdemocratas viram na fragilidade teórica e prática da esquerda a oportunidade de, aliando-se ao diabo, alçar-se ao paraíso. O bolsonarismo é fruto de tudo isso.
O golpe militar, que ceifou a ordem democrática, derruiu o Estado constitucional, cerceou as liberdades, fechou o Congresso, impôs a censura, a tortura e o assassinato de patriotas, precisa ser lembrado, e nunca suficientemente condenado, para reforçar em todos os brasileiros a ojeriza, o repúdio e o ódio e o nojo a toda e qualquer alternativa autoritária de poder. Os que não viveram aqueles dias tristes precisam conhecer sua crônica, e é lamentável que generais que não o viveram, mas deveriam estudar sua história, estejam, em funções públicas, defendendo o indefensável.  O que foram aqueles idos é o com que sonha o capitão, herdeiro saudosista do mais subterrâneo porão da ditadura. Como ele segue falante e perigosamente agindo – detê-lo é preciso e urgente –, é de crer que não esteja só. Maiores devem ser as precauções dos democratas.
Denunciar o golpe de 1964 corresponde a dar um passo à frente na defesa da democracia, por definição um ente desarmado, pois em seu resguardo só se pode levantar a autoridade moral de um povo imbuído de consciência histórica. E isto muito nos falta.
Se é preciso condenar o golpe militar e a ditadura que a ele se seguiu,  sempre e em todas as oportunidades, sua celebração é ofensa constitucional e legal, transgride o pacto de 1988 de que resultou o processo redemocratizante que nos trouxe até aqui.
No entanto, no último 31 de março, o general ministro da defesa emitiu ordem do dia (subscrita também pelos comandantes das demais armas) na qual qualifica o golpe militar como “marco da democracia” e exalta seus presumidos feitos econômicos, o falso "milagre" da era delfiniana.
Que oficiais generais são esses que assim desrespeitam a Constituição e tergiversam sobre a verdade histórica?
A qual democracia se referem os comandantes? À que fechou o Congresso, revogou a Constituição e editou atos institucionais para normatizar a repressão?  Àquela que matou mais de 400 brasileiros e torturou um número incontável de patriotas, em dependências do exército, da aeronáutica e da marinha? Àquela que produziu a operação bandeirantes e  o doi-codi e o tenebroso cenimar e instrumentalizou aberrações humanas como o delegado Fleury, o brigadeiro Burnier, o coronel Ustra e o capitão ainda presidente? A democracia louvada pelos comandantes terá sido a casa dos horrores de Petrópolis, o quartel da polícia do exército da rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro (onde foi torturado, empalado e assassinado Mário Alves), os desvãos da base aérea do Galeão, onde foi torturado e morto o menino Stuart Angel? Ou aquela que assassinou Manuel Fiel Filho e Vladimir Herzog e até hoje não entregou a seus filhos o cadáver de Rubens Paiva e os de tantos e tantos outros?
O bolsonarismo é o chorume dessa saga indigesta.
A qual milagre econômico se referem os generais? Àquele que concentrou renda, fez explodir a dívida externa (afinal saldada pelo governo Lula) e nos legou, em seu fim melancólico (presidido por aquele general que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo), uma inflação de 200% ao ano?
Quando os comandantes militares dão as costas à Constituição e se solidarizam com os crimes da ditadura, e quando o general Villas Bôas sai de seu repouso para elogiar seu rebento, como há dois dias,  tornam-se todos – comprometendo a corporação e sujeitando-a ao severo julgamento da história, do qual não se livrarão –, igualmente, coniventes com o passado sombrio e abalizadores dos desmandos do capitão. O qual segue ainda à solta, conspirando contra a saúde pública, cometendo atos que chegam às raias do genocídio, e sustentando a "pauta Guedes", que desmonta a  economia e o Estado nacional, cuja construção tanto deve a antigos militares cujas biografias não foram lidas (ou foram refugadas) pelos que o acaso fez seus sucessores.
A indisciplina dos generais de hoje diz muito da transição da ditadura para a democracia, assim como se operou entre nós, tão distintamente, por exemplo, do que ocorreu na Argentina e no Uruguai, onde crimes foram apurados e responsabilidades punidas.  Como entre nós não houve ruptura, a transição da ditadura para a democracia se deu sob o comando do regime esgotado, que ditou as regras do jogo, e, assim, o regime militar, decaído mas não deposto, sobreviveu na Nova República, curatelando a democracia permitida. A concordata, traficada entre generais e um grupo de príncipes autonomeados representantes de um povo que não era ouvido,  chegou mesmo a estabelecer os termos da convocação constituinte e seus  limites, que afinal foram respeitados, como foi respeitado pelos constituintes o compromisso de não alterar  a lei de anistia ditada ainda na ditadura e segundo seus interesses, e a garantia de que os crimes militares não seriam apurados nem punidos, como não foram.
Os militares se mantiveram como um casulo, à parte, vivendo sua própria história e sua própria "verdade", longe da sociedade e da vida real, impermeáveis ao processo social, autônomos e autárquicos. Se haviam recolhido à caserna e ao silêncio constitucional que lhes é imposto em face da força que monopolizam. O cenário de hoje, porém, é diverso e grave, na medida em que os militares  correm o risco de se confundirem com o atual governo e o projeto do bolsonarismo.
  Mais que nunca, precisamos repelir com veemência manifestações grotescas e irresponsáveis daqueles que não honram a farda que vestem.
Leia mais em www.ramaral.org



 

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Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia

Bolsonaro diminuiu o país aos olhos do mundo TEM ASPECTO DE PESSOA NORMAL?


Bolsonaro diminuiu o país aos olhos do mundo

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Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
É o comportamento típico de biruta, que muda ao sabor dos ventos e das conveniências políticas. Na terça­-feira 31, Jair Bolsonaro trocou o tom beligerante e negacionista de sempre pela moderação. Em seu quarto pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão sobre o coronavírus, disse que a pandemia, antes tachada de “gripezinha”, é o maior desafio da atual geração. Em vez de atacar os governadores, propôs um pacto entre as autoridades. Num sinal de respeito às evidências científicas, até reconheceu que ainda não há remédio contra a Covid-19, apesar de ressaltar mais uma vez que a hidroxicloroquina, uma de suas novas obsessões, parece eficaz contra a doença. É verdade que Bolsonaro não defendeu o distanciamento social, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), mas ele abandonou as críticas ao “confinamento em massa” e a tese do isolamento vertical, que valeria apenas para grupos de risco, como os idosos. O recuo, mesmo que tardio, vinha em boa hora. O problema é que, já na manhã seguinte, o presidente testou negativo para o surto de conciliação.
Nas redes sociais, ele retomou a estratégia do confronto e reproduziu um vídeo com informações falsas a fim de atacar os governadores e fomentar na população o temor de uma crise de desabastecimento de alimentos. Já seu filho Carlos, vereador do Rio que adora despachar no Planalto e comanda as milícias digitais do pai, postou mensagem reclamando da decisão do próprio governo de repassar ajuda financeira a trabalhadores informais, desempregados e desamparados em geral. “O desenho é claro: partimos para o socialismo. Todos dependentes do estado até para comer, grandes empresas vão embora e o pequeno investidor não existe mais. Conseguem a passos largos fazer o que tentam desde 1964. E tem gente preocupada com a fala do presidente”, escreveu o Zero Dois. Os avanços e recuos presidenciais são sintomas de um governo enfermo, vítima do populismo do presidente, de intrigas internas e de uma disputa permanente entre diferentes grupos de conselheiros — de militares a filhos e amigos de Bolsonaro, de assessores técnicos a radicais que cobram um clima de cruzada permanente contra adversários reais e imaginários.
Na relação de conselheiros, destaca-se, por exemplo, o aposentado Waldir Ferraz, o Jacaré, amigo do presidente desde a década de 80. Foi ele quem encaminhou a Bolsonaro, às 5 da manhã da quarta-feira 1º de abril, o vídeo em que uma pessoa dizia haver desabastecimento na Ceasa de Belo Horizonte. Tão logo publicada pelo capitão, a informação foi desmentida pelo próprio Ministério da Agricultura. Bolsonaro, então, apagou o vídeo e, horas mais tarde, se desculpou. Foi um sinal de que, apesar da recaída, mantinha a disposição de apostar na moderação. Seu amigo Jacaré também lhe enviou outra peça, gravada em um pronto-socorro no Rio que estava vazio no momento da filmagem. A proposta era clara: usar a gravação para reforçar a acusação de que o governador Wilson Witzel, pré-candidato à Presidência, está superestimando a pandemia para conspirar contra o presidente e atrapalhar seu projeto de reeleição. Bolsonaro preferiu não dar vazão ao material — talvez porque a calmaria retratada não fosse real ou para não correr o risco de passar novamente pelo vexame de ter suas postagens eliminadas.
O universo digital, como se sabe, é um termômetro dos humores do presidente — e a explicação para esses movimentos destemperados. A lógica é simples: ele radicaliza o discurso toda vez que detecta uma sangria em sua base de apoio. Foi por isso que, mesmo diante da reprovação crescente à sua atuação na crise do coronavírus, passou a defender o abrandamento da quarentena como forma de impulsionar a atividade econômica. Segundo a Quaest Consultoria, que elabora um ranking de popularidade digital, esse movimento deu certo num primeiro momento. O presidente conseguiu recuperar terreno nas redes sociais. “Quando ele perde espaço, recorre a uma narrativa agressiva para reunificar a sua base mais fiel, que eu chamo de fãs. Depois, expande o discurso para tentar atrair aqueles que são mais pragmáticos. É sempre assim, radicaliza primeiro e modera depois”, diz o cientista político Felipe Nunes, diretor da empresa. A aposta na insanidade parece ter rendido menos frutos no mundo real.
A recente conversão à conciliação e ao conhecimento científico, além de fazer parte da segunda fase da “estratégia”, foi resultado de pressões diversas. Desde o início da crise, autoridades do Legislativo e do Judiciário derrubam — acertadamente, diga-se, — decisões do presidente. O ministro do STF Luís Roberto Barroso proibiu a veiculação de uma campanha publicitária idealizada pelo Planalto com o objetivo de estimular a população a desrespeitar o isolamento. Já o Congresso obrigou o presidente a revogar uma medida provisória (MP) que previa a suspensão dos contratos de trabalho sem que houvesse ajuda financeira ao trabalhador. Testadas pelo presidente, as instituições reagiram — e isso ajudou a pavimentar o caminho para a busca do diálogo. Bolsonaro recebeu no Palácio da Alvorada o ministro do STF Gilmar Mendes, um dos alvos prediletos das milícias bolsonaristas nas redes sociais. Pediu conselhos ao convidado, que era advogado-geral da União quando da crise energética no governo de Fernando Henrique Cardoso, o “apagão”. Ouviu a recomendação de que montasse um comitê com os representantes de todos os poderes, incluindo governadores e prefeitos. Assim, reduziria o risco de enfrentar uma guerra de liminares contra as medidas de emergência e, de quebra, teria a chance de harmonizar o discurso das autoridades no combate à pandemia.
Como bom anfitrião, Bolsonaro mostrou simpatia pela ideia. Nas horas seguintes, no entanto, houve sucessivas demonstrações de quão difícil é a construção de consensos até dentro do governo. Em reunião do presidente com ministros, Luiz Henrique Mandetta, titular da Saúde, disse que se não fossem tomadas atitudes imediatas para controlar o aumento exponencial das infecções por coronavírus as Forças Armadas teriam de se preparar para carregar corpos e mais corpos de vítimas. Era uma manifestação contundente contra a pregação do chefe pelo abrandamento da quarentena. Bolsonaro reagiu com uma provocação logo na sequência, quando visitou feiras comerciais no entorno de Brasília, contrariando a mais elementar recomendação de Mandetta e da OMS. E, para mostrar força, determinou uma mudança no formato das entrevistas sobre a pandemia, que passaram a ser concedidas no Planalto por vários ministros, e não apenas por Mandetta.
Em momentos de turbulência, a conhecida paranoia do presidente sempre se manifesta. Alvo de panelaços, Jair Bolsonaro estava incomodado com o protagonismo do ministro da Saúde. Ele reclamou de uma suposta morosidade do auxiliar para viabilizar hospitais de campanha. O primeiro a sair do papel foi justamente em Goiás, governado por Ronaldo Caiado, antigo aliado que rompeu com o Planalto — e, claro, não teria sido por coincidência. Caiado é do mesmo partido de Mandetta, o DEM. No cálculo político do presidente, o partido sabota o governo, de olho nas eleições de 2022. De uns tempos para cá, Bolsonaro também passou a criticar os ministros Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça), que aderiram à recomendação de distanciamento social. O presidente queria mais celeridade de Guedes na resposta aos efeitos negativos da pandemia. De Moro, que é mais popular do que ele, esperava gestos mais eloquentes de solidariedade.
Intrigas e disputas de poder também estão no prontuário do governo. Mandetta e Guedes, por exemplo, tiveram uma discussão acalorada sobre o prazo de suspensão dos reajustes no preço de medicamentos. Mandetta enfrenta ainda o assédio do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, que, dizem, estaria se habilitando ao cargo de ministro. Torres fez companhia a Bolsonaro quando o presidente resolveu cumprimentar populares durante as manifestações contra o Congresso. Também é de Torres a responsabilidade pela fixação do chefe pela hidroxicloroquina. Foi ele quem informou o mandatário sobre as pesquisas em andamento no Hospital Albert Einstein que indicariam a eficácia do medicamento no tratamento da Covid-19. Ainda não há uma conclusão sobre o tema, mas mesmo assim o presidente passou a ser garoto-propaganda da hidroxicloroquina, a ponto de deixar uma caixa do remédio à mostra durante uma reunião por videoconferência do G-20, que reúne as maiores economias do mundo.
A postura de Bolsonaro diante da pandemia tem produzido o desgaste da imagem do Brasil no exterior. O presidente disse que o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, havia defendido a ideia de que os informais continuassem trabalhando. Não era verdade. O diretor desmentiu a declaração, mas o capitão não se desculpou. Versões deturpadas ou mentirosas como essa levaram gigantes como o Facebook e o Twitter a apagar postagens de Bolsonaro, que se tornou o segundo mandatário a sofrer esse tipo de sanção — o primeiro foi o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Com tantos desatinos, o brasileiro ganhou as páginas da imprensa internacional. A revista inglesa The Economist chamou-o de “Bolsonero”, numa referência ao imperador romano Nero, que entrou para a história como tirano e incendiário.
Na quarta-feira 1º, o ministro Paulo Guedes anunciou uma série de medidas para atenuar os efeitos econômicos da crise — entre elas, o repasse de 600 reais a trabalhadores informais (veja a reportagem na pág. 50). O governo parecia tirar um peso das costas. O que era para ser motivo de alívio, no entanto, resultou numa reclamação pública de Carlos Bolsonaro. Além do tuíte reproduzido nestas páginas, o vereador, artífice da estratégia do confronto, escreveu: “Com prudência e sofisticação, o ‘liberal’ vai cumprindo o seu papel: o papel higiênico da esquerda em troca de migalhas”. Se continuar a seguir os conselhos de Jacaré e Carluxo, Bolsonaro dará razão mesmo à Economist: vai incendiar o país e, como sempre, pôr a culpa nos outros.