quarta-feira, 20 de março de 2019

Em visita a Trump, Bolsonaro cede a interesses dos EUA e volta 'de mãos abanando', diz especialista

Em visita a Trump, Bolsonaro cede a interesses dos EUA e volta 'de mãos abanando', diz especialista

Para Gilberto Maringoni, professor da UFABC, também chama atenção retórica de Bolsonaro em relação à possibilidade de intervenção armada na Venezuela

Depois da concessão da Base de Alcântara (MA) e do fim da exigência de visto para turistas dos EUA, Jair Bolsonaro (PSL) visitou Donald Trump nesta terça-feira (19/03) e prometeu que o Brasil apoiará novas ações contra o presidente Nicolás Maduro na Venezuela e importará uma cota de trigo estadunidense sem a aplicação de tarifas alfandegárias. Em troca, Trump deu uma vaga sinalização de apoio ao ingresso brasileiro na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – além de uma camisa da seleção estadunidense de futebol.
Nem a possibilidade de entrar no grupo dos países mais ricos do mundo – o que, segundo a visão do Planalto, atrairia investimentos externos – compensou a viagem. Essa é a interpretação de Gilberto Maringoni, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), que define a visita de Bolsonaro como “fiasco”.
Maringoni lembra que is EUA exigem que o Brasil abra mão de prerrogativas dos países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC) para pleitear um lugar na OCDE – que reúne países considerados desenvolvidos que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de mercado. Com tais prerrogativas, o Brasil poderia defender, por exemplo, políticas de proteção a setores produtivos nacionais.
Tratamento especial
O Brasil é membro da OMC desde 1995 e faz parte da lista de países com tratamento especial e diferenciado, ou seja, têm vantagens por ser um país emergente, ou em desenvolvimento. Os Estados Unidos, por outro lado, são contra essa diferenciação, e tinham como demanda a saída do Brasil da lista.
"O presidente Trump manifestou seu apoio para que o Brasil inicie o processo de acessão com vistas a tornar-se membro pleno da OCDE. (…) De maneira proporcional ao seu status de líder global, o presidente Bolsonaro concordou que o Brasil começará a abrir mão do tratamento especial e diferenciado nas negociações da Organização Mundial do Comércio, em linha com a proposta dos Estados Unidos. O presidente Bolsonaro agradeceu o presidente Trump e o povo norte-americano por sua hospitalidade", disse o Itamaraty, em nota divulgada ao final da tarde desta terça.
Mediação comprometida
Para Maringoni, também chama atenção a retórica de Bolsonaro em relação à possibilidade de intervenção armada na Venezuela. "A Venezuela não pode continuar da maneira como se encontra. Aquele povo tem que ser libertado e contamos com o apoio dos EUA para que esse objetivo seja alcançado", disse o presidente brasileiro, citando o poder econômico e bélico estadunidense.
Segundo o pesquisador, tal posição enfraquece a política externa brasileira, baseada no princípio da resolução pacífica de conflitos e na não intervenção em assuntos internos. Em consequência, compromete a posição do Brasil como polo mediador na América do Sul.
"Ele volta de mãos abanando. Com o Brasil tomando parte no conflito venezuelano, em favor da oposição, de Juan Guaidó, ele perde a condição de mediar não só com a Venezuela. Ele perde a condição de mediador em qualquer situação, porque rompe com o segundo paradigma do Rio Branco: a não intervenção em assuntos internos", explica.
Maringoni afirma que nem os governos de Dutra, Castello Branco e Fernando Henrique Cardoso, conhecidos pela proximidade com os EUA, aderiram às políticas da Casa Branca em um nível comparável ao de Bolsonaro.
A opinião é compartilhada pelo sociólogo Marcelo Zero, especialista em política externa. Segundo ele, os EUA têm interesse em enfraquecer dos governos de países como Rússia, China, Irã e Venezuela, mas não correspondem aos objetivos concretos do Brasil enquanto nação.
"Isso não tem nada a ver com os interesses objetivos do Brasil. Nós estamos, em função dessa nova orientação hiper-ideologizada da política externa, nos aliando a uma força política bastante belicosa, que é o 'trumpismo'. Nós decidimos tomar partido por um dos lados no conflito, e com isso nos desqualificamos como mediadores", acrescenta.
Como lembra Maringoni, a política externa de Bolsonaro remete aos anos de "entreguismo" da ditadura militar, sintetizados na frase clássica de Juracy Magalhães, embaixador brasileiro em Washington em 1964: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”. Ou seja, o país mostra-se disposto a ceder aos interesses da Casa Branca mesmo sem contrapartidas diretas.
Alan Santos/PR
Para especialista, Bolsonaro voltou de 'mãos abanando' dos EUA

Por apoio dos EUA à entrada na OCDE, Bolsonaro abre mão de direitos especiais do Brasil na OMC

Por apoio dos EUA à entrada na OCDE, Bolsonaro abre mão de direitos especiais do Brasil na OMC

Brasil tem status especial por ser país em desenvolvimento, o que garante mais flexibilidade; EUA, no entanto, são contra esse tipo de distinção

REDAÇÃO
 São Paulo (Brasil) 
ANSA ANSA
Em troca do apoio dos Estados Unidos para a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o presidente Jair Bolsonaro concordou em "abrir mão" do tratamento especial que o país possui na Organização Mundial do Comércio (OMC).
A contrapartida foi confirmada pelo comunicado conjunto de Bolsonaro e Donald Trump, divulgado pelo Itamaraty nesta terça-feira (19/03), após a reunião entre os dois líderes na Casa Branca.
"O presidente Trump manifestou seu apoio para que o Brasil inicie o processo de acessão com vistas a tornar-se membro pleno da OCDE. De maneira proporcional ao seu status de líder global, o presidente Bolsonaro concordou que o Brasil começará a abrir mão do tratamento especial e diferenciado nas negociações da Organização Mundial do Comércio, em linha com a proposta dos Estados Unidos", diz o texto.
O Brasil tem status especial na OMC por ser um país em desenvolvimento, o que garante mais flexibilidade no cumprimento de determinadas regras comerciais. Os EUA, no entanto, são contra esse tipo de distinção.
O comunicado conjunto também afirma que Trump e Bolsonaro concordaram em aprofundar a "parceria no combate ao terrorismo, ao tráfico de armas e drogas, aos crimes cibernéticos e à lavagem de dinheiro [...] e saudaram a assinatura de dois instrumentos para melhorar a segurança de fronteira".
"O presidente Bolsonaro anunciou a intenção de isentar cidadãos dos EUA de vistos de turista, e os presidentes concordaram em dar os passos necessários para permitir a participação do Brasil no Programa de Viajantes Confiáveis 'Global Entry', do Departamento de Segurança Interior", diz o comunicado.
Segundo o texto, Bolsonaro também permitirá a importação livre de tarifas de 750 mil toneladas por ano de trigo americano. Não há no comunicado menção a uma contrapartida equivalente por parte dos Estados Unidos, que, por outro lado, se comprometem em agendar uma visita técnica para inspecionar a produção de carne bovina brasileira "in natura" e permitir a retomada de suas exportações para o mercado americano.
"Os dois líderes anunciaram uma nova fase do Fórum de Altos Executivos Brasil-EUA e saudaram a criação de um fundo de investimento de US$ 100 milhões com impacto na preservação da biodiversidade, para servir de catalisador do investimento sustentável na região amazônica. Na condição de líderes de dois dos fornecedores de energia que mais crescem no mundo, os Presidentes concordaram em estabelecer um Fórum de Energia Brasil-EUA para facilitar o comércio e os investimentos relacionados ao setor energético", ressalta a nota conjunta. 
Alan Santos/PR
Bolsonaro se encontrou com Trump nesta terça-feira (19/03)

Líderes do Congresso chileno rejeitam almoço com Bolsonaro

Líderes do Congresso chileno rejeitam almoço com Bolsonaro

Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados não participarão de evento oferecido por governo do Chile durante visita oficial de mandatário brasileiro ao país; parlamentares criticam ultraconservadorismo de Bolsonaro

REDAÇÃO
 Bonn (Alemanha) 
Deutsche Welle Deutsche Welle
Os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados do Chile, Jaime Quintana e Iván Flores, respectivamente, anunciaram nesta terça-feira (19/03) que não participarão do almoço que será oferecido pelo governo chileno ao presidente Jair Bolsonaro, que fará uma visita oficial ao país no sábado (23/03).
Quintana, do Partido pela Democracia e que assumiu o comando do Senado na semana passada, afirmou que participará nesta quinta-feira dos atos envolvendo a visita do presidente da Colômbia, Iván Duque, mas que não estará em nenhum evento da programação de Bolsonaro em solo chileno.
"Não estarei sábado em La Moneda, por convicção política e também porque tenho uma agenda regional já confirmada", disse Quintana, em entrevista publicada ao jornal chileno La Tercera.
Recentemente eleito presidente da Câmara dos Deputados, o democrata-cristão Flores também decidiu não comparecer ao almoço organizado pelo governo de Sebastián Piñera em homenagem a Bolsonaro. A decisão de ambos os líderes levou a uma forte discussão no plenário do Senado chileno.
A visita de Bolsonaro gerou muitas críticas da oposição ao governo de Piñera e de organizações em defesa de minorias, que rejeitam as posições conservadoras do governante brasileiro.
O socialista Alfonso de Urresti, vice-presidente do Senado, também recusou o convite para participar da recepção a Bolsonaro, na sede do governo, e ainda destacou que o presidente do Brasil é um "perigo para a democracia". "É um ultradireitista, que pode provocar muito dano. Meu gesto de desagravo é a Bolsonaro, e não ao povo brasileiro", afirmou.
O deputado Vlado Mirosevic, da Frente Ampla, de esquerda, também não aceitou o convite do governo do Chile e afirmou que o presidente do Brasil é um líder "perigoso para os valores republicanos". "Fez da discriminação e do ódio a sua política. Ele representa um risco para a democracia. É um mau exemplo para o Chile", escreveu o parlamentar no Twitter.
Já a senadora governista Jacqueline van Rysselbergue, da União Democrata Independente (UDI), criticou a decisão dos colegas e afirmou que a recusa não é republicana.
Bolsonaro e Duque participarão, na sexta-feira, em Santiago, de uma cúpula presidencial, para abordar a criação de um novo mecanismo de integração na América do Sul, denominado Prosul. Ambos aproveitarão a ocasião para fazer um encontro oficial.
CN/efe/ots
Isac Nóbrega/PR
Líderes chilenos se recusaram a participar de almoço com Bolsonaro no próximo sábado

Prisão de executores de Marielle revela teia de relações criminosas no Rio


Prisão de executores de Marielle revela teia de relações criminosas no Rio

Na primeira denúncia anônima que apontou o PM reformado Ronnie Lessa como o executor, há a informação de que o sargento reformado teria recebido R$ 200 mil para matar a vereadora. Resta saber de quem

 
19/03/2019 12:24
As investigações apontam um forte indício de que a morte de Marielle tenha sido encomendada (Reprodução/Twitter)
Créditos da foto: As investigações apontam um forte indício de que a morte de Marielle tenha sido encomendada (Reprodução/Twitter)
 
Rio de Janeiro – A prisão dos executoresdo assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol) e do motorista Anderson Gomes, efetuada na terça-feira (12), trouxe à luz do dia uma complexa teia de relações criminosas na qual se entrelaçam diversos casos que marcaram a segurança pública do Rio de Janeiro nas últimas décadas. Apontados, respectivamente, como o homem que disparou contra as vítimas e como o motorista do carro utilizado no crime, o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa e o ex-policial Élcio Vieira de Queiroz têm um histórico no qual se misturam referências a assassinatos de autoridades, chacinas e relações com a contravenção e as milícias.

Com ficha limpa, inúmeras gratificações salariais por “atos de bravura” e até mesmo uma moção de louvor recebida em 1998 na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) por sua “eficiência e brilhantismo em serviço”, Ronnie Lessa deixou a PM em 2009 após perder a perna esquerda em um atentado a bomba jamais esclarecido. Apesar de ficha limpa, o sargento reformado é citado no inquérito policial que levou a sua prisão como “matador de aluguel” e “atirador reconhecido por sua precisão e frieza”.

Nos últimos anos, segundo as investigações, Lessa teria se tornado um membro destacado do chamado Escritório do Crimegrupo de ex-policiais e matadores de aluguel que presta “serviços” às milícias que hoje controlam parte da cidade do Rio de Janeiro. O inquérito aponta que Lessa atuava de forma próxima ao ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, fundador e chefe do Escritório do Crime e considerado foragido desde o início do ano. Nóbrega, por sua vez, sempre teve excelente trânsito entre alguns setores da política e chegou a conseguir emprego para a mãe e a mulher no gabinete do então deputado estadual – e hoje senador – Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Também apontado como integrante, embora menos “graduado”, do Escritório do Crime, Élcio Vieira de Queiroz é outro que mostra a ligação do grupo com a política, pois é filiado ao DEM e teria cogitado até mesmo uma candidatura a vereador nas últimas eleições. Antes de ser expulso da Polícia Militar em 2011 em consequência de suas ligações com o jogo do bicho e a máfia dos caça-níqueis, o motorista do carro que conduziu Lessa ao fatal encontro com Marielle e Anderson atuou como adido (funcionário cedido) da PM junto à Polícia Civil, período em que se aproximou dos caciques da contravenção.

Cavalos Corredores
Mas a teia de relações criminosas não para por aí. Egresso do Exército, Ronnie Lessa chegou à PM do Rio em 1992 para trabalhar no batalhão de Rocha Miranda (9º BPM) e, segundo as investigações, com algumas semanas de serviço já era reconhecido nos relatórios de seus superiores como “homem valoroso em ações no terreno” e “policial positivamente operacional”. Antes dos 25 anos já havia recebido diversas vezes gratificações salariais por “atos de bravura”, batizadas pela população na época de “gratificação faroeste”, com as quais o governo de Leonel Brizola (PDT) agraciava policiais que faziam confrontos diretos com traficantes.

Muito elogiado, Lessa fez o curso de Operações Especiais da PM, mas, ainda assim, preferiu continuar no batalhão de Rocha Miranda do que ir para o Bope. Detalhe: seu comandante direto no 9º BPM era o então capitão Cláudio Luiz Silva de Oliveira, condenado a 36 anos de prisão por ser o mentor do assassinato da juíza federal Patrícia Aciolli, que julgava ações contra policiais, em 2011.

Embora ainda soldado, Lessa teve ascensão meteórica no “ranking interno” dos companheiros de farda e logo passou a fazer parte do grupo, paralelo à PM, conhecido como Cavalos Corredores, especializado em execuções e atentados. Os Cavalos Corredores são tristemente conhecidos mundialmente como executores em 1993 da Chacina de Vigário Geral, quando 21 moradores da comunidade foram brutal e aleatoriamente assassinados em represália a traficantes que, na véspera, haviam matado quatro policiais. Não há registro, no entanto, de que Lessa tenha participado da chacina.

Em 2000, Lessa, segundo as investigações, passou a trabalhar paralelamente na segurança do contraventor Rogério Andrade, sobrinho do lendário bicheiro Castor de Andrade, falecido em 1997. Na época, coincidente com a multiplicação das máquinas caça-níqueis em todo o Rio de Janeiro, Rogério travava uma sangrenta guerra com Fernando Ignácio (genro de Castor) pelo espólio e território deixados pelo tio.

Nove anos depois, já considerado um dos auxiliares mais próximos a Rogério, Lessa foi vítima de um atentado a bomba no qual perdeu uma das pernas. O mesmo tipo de explosivo seria utilizado no atentado que em abril de 2010 mandou o carro de Rogério pelos ares, mas acabou matando por engano seu filho Diogo, de apenas 17 anos. Lessa, segundo o inquérito, teria sido dispensado pelo sobrinho de Castor logo depois. Alguns anos mais tarde, já reformado pela PM, o ex-sargento se aproximaria de Adriano Magalhães da Nóbrega e do Escritório do Crime.

Quem mandou matar?
As relações de Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz com bandidos, milicianos e políticos reforçam a pergunta que faz toda a sociedade brasileira: quem mandou matar Marielle Franco? Após a estranha declaração do então delegado responsável pelas investigações na Delegacia de Homicídios, Giniton Lages, de que até então tudo indica que o crime teria sido decidido pelos próprios executores, espera-se que estes possam dar mais informações.

Mas, se isso acontecer, não será nos próximos dias. Nesta sexta-feira (15), quando, acompanhados de seus advogados, foram levados para depor na DH, tanto Lessa quanto Queiroz optaram por se manter em silêncio e só prestar declarações em juízo. Eles, no entanto, não apresentaram álibis para o dia do crime e permanecem presos em Bangu 1, aguardando transferência para um presídio federal.

Apesar do silêncio, as investigações apontam um forte indício de que a morte de Marielle tenha sido encomendada. Em outubro do ano passado, alguns meses após o crime, Lessa, que tem salário de cerca de R$ 7 mil, fez um depósito de R$ 100 mil em espécie na própria conta, em imagem flagrada pelas câmeras da agência bancária. O depósito foi classificado como suspeito pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e o dinheiro posteriormente investido na compra de uma lancha. Na primeira denúncia anônima que apontou Lessa como o executor de Marielle, feita à DH no mesmo mês de outubro, consta a informação de que o sargento reformado teria recebido R$ 200 mil para matar a vereadora. Resta saber de quem.

*Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

As milícias crescem velozmente por dentro do Estado

As milícias crescem velozmente por dentro do Estado

A prisão dos dois acusados de estarem envolvidos no assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, ''é a exceção de uma regra'', diz o sociólogo José Cláudio Alves em entrevista

 
19/03/2019 12:31
(Fabritzia Piasenski)
Créditos da foto: (Fabritzia Piasenski)
 
prisão dos dois acusados de estarem envolvidos no assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, “é a exceção de uma regra”, diz o sociólogo José Cláudio Alves à IHU On-Line. “A regra é que membros de milícias são intocáveis, seus negócios se ampliam e eles têm dimensões crescentes desse poder e agora expressam isso a partir do assassinato de pessoas que ocupam cargos no âmbito político e que são contrárias aos seus interesses”, menciona.

Na entrevista a seguir, concedida por WhatsApp, Alves frisa que “a estrutura política e econômica das milícias no Rio de Janeiro hoje começa a ganhar vários outros contornos, que não eram perceptíveis e que agora se manifestam”. Entre eles, o sociólogo cita a atuação da milícia na construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Comperj em Itaboraí. “Várias empresas terceirizadas estão atuando na construção da obra e a milícia está controlando quem vai trabalhar nessas empresas. Isso já é um passo à frente em relação à atuação das milícias anteriormente: a milícia detecta onde o capital está se manifestando — nesse caso é um capital público em parceria com empresas privadas — e, ao ficar a par da situação, manipula essa informação e passa a controlar de forma violenta o acesso a esse emprego, cobrando taxas e valores das pessoas que querem trabalhar nessas empresas. Assim esses empregados terão que repassar parte dos seus salários para os milicianos. Essa é uma novidade nesse campo no Rio de Janeiro”, informa.

Outra novidade no Rio de Janeiro é a atuação da milícia marinha, que, segundo Alves, atua a partir de informações de que o Ministério da Pesca e Aquicultura não está fornecendo licenças para pescadores. “Essa milícia aborda os pescadores no mar, quando eles estão pescando, exige a licença que o pescador não tem e passa a exigir valores semanais para permitir que o pescador possa continuar pescando. Então, surgiu na costa do Rio de Janeiro essa milícia marítima que passa a controlar os pescadores”, denuncia.


José Cláudio Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo - USP. É professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ.

Confira a entrevista.
IHU On-Line - Que avaliação o senhor faz da investigação do assassinato de Marielle e Anderson Gomes, ao longo do último ano, que culminou com a prisão de dois suspeitos de estarem envolvidos com o crime?

José Cláudio Alves – A minha avaliação em relação às apurações e investigação da polícia no caso Marielle é que elas foram muito lentas. Essa demora acaba acarretando uma série de complicações para saber se, de fato, esses são os responsáveis. A princípio parece que os dois presos foram os responsáveis, mas a pergunta que fazemos é quantas pessoas estavam envolvidas nisso e quem são os mandantes envolvidos nesse crime. Muitas questões ficaram soltas e ao longo do tempo elas não foram investigadas nem apuradas, o que gera consequências, como a morosidade da investigação, a dificuldade de ela prosseguir, de averiguar quantos outros suspeitos poderiam ser identificados no processo mas não serão. Paira a dúvida sobre se de fato não haveria indícios mais contundentes e próximos a grupos políticos que hoje ocupam espaço no âmbito federal, se não haveria ligações mais profundas, mas que com a demora da investigação acabam sendo perdidas e apagadas.

Essa demora toda nos faz refletir, mas a prisão dos suspeitos é algo importante e acaba, de outro lado, amortecendo a busca de explicações, acaba sendo uma espécie de cala boca e subterfúgio, e também acaba sendo um alívio para esse sofrimento todo, mas não vejo o processo como algo conclusivo.

IHU On-Line - As notícias divulgadas na imprensa dizem que as investigações do caso Marielle chegaram até o chamado Escritório do Crime, um poderoso grupo miliciano de Rio das Pedras que atua sob encomenda. O senhor tem informações sobre esse grupo?

José Cláudio Alves – Não tenho detalhes sobre como o Escritório do Crime atua. Sei que Rio das Pedras é uma favela histórica, muito grande, de imigração de nordestinos, que está na área da zona Oeste do Rio de Janeiro, onde a milícia tem uma presença extremamente forte. Essa é uma das áreas mais antigas, que está na base da formação das milícias no Rio de Janeiro. As milícias dessa região têm uma forma muito peculiar de atuação no campo da venda de terrenos. Na zona Oeste existe a presença muito grande de um tipo de solo chamado turfa, que é um solo inadequado para a construção de casas porque é muito movediço e não permite a estrutura de alicerce das construções. Por conta disso, há um controle naquela região das áreas em que é possível construir, ou seja, há um limite e uma faixa específica para a compra de terrenos e construção de casas. Esse processo é controlado pela milícia, que tem informações privilegiadas, as quais são obtidas dentro do Estado, já que são os agentes do Estado que circulam nesse âmbito. Esse é um mercado que se expandiu muito naquela região, porque trata-se de uma área onde há muita procura por moradia, porque ela é vinculada a processos migratórios, principalmente de nordestinos.

Os comerciantes daquela região iniciaram o processo de financiamento das milícias para impedir que o tráfico de drogas acessasse aquela comunidade. Logo, aquela é uma área onde a atuação da milícia é muito consolidada e movimenta muitos recursos. A busca por um dos envolvidos no Escritório do CrimeAdriano de Nóbrega, revelou que a mãe e a esposa dele trabalharam como assessoras de Flávio Bolsonaroenquanto ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. O próprio Flávio também fez várias comendas de homenagens à atuação de milicianos no estado do Rio de Janeiro. Então, há uma vinculação forte dessa milícia com a estrutura do poder político dos Bolsonaros. Tudo indica isso, haja vista a situação da esposa e da mãe do Adriano de Nóbrega, o qual parece ser uma das lideranças do Escritório do Crime.

Desde o início eu sabia que havia o “dedo da milícia” e a prática típica de execução primária de grupos de extermínio, e que isso levaria aos negócios e aos interesses econômicos de políticos que a milícia estabelece a partir daquela região, mas numa rede que é muito maior do que Rio das Pedras. Então, toda essa rede pode ter algum grau de envolvimento no assassinato de Marielle, na sua organização, na sua proteção e no seu financiamento. Demorou um ano para se dar um retorno muito pífio desse caso, que foi a prisão de duas pessoas. Essa é uma estrutura muito mais ampla e com muito mais relações, uma rede muito maior que deveria ser revelada e apresentada nesse quadro.

IHU On-Line - O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, disse que os presos pela morte de Marielle e Anderson Gomes serão convidados a fazer delação premiada na nova fase da investigação, que quer chegar aos mandantes do crime. Nos últimos anos há uma série de debates jurídicos e políticos acerca da necessidade ou não da delação premiada na investigação de crimes. Como o senhor avalia esse tipo de medida para este caso específico para se chegar aos mandantes do crime?

José Cláudio Alves – Não tenho uma reflexão muito consolidada sobre o estatuto da delação premiada. O que me impressiona é que existe uma dimensão organizada do crime a partir do Estado e, portanto, parece que facilmente seria possível ter acesso ao que esses grupos fazem, como atuam de forma organizada dentro do Estado, mas o que se vê é que os que investigam e buscam a justiça estão numa ratoeira, como se tivessem que se esconder desses grupos. Ou seja, não se tem uma atuação clara, consistente e firme da conduta das investigações, e aí se buscam subterfúgios, como delações premiadas. Me impressiona muito o poder que esses grupos têm e a fragilidade da estrutura do judiciário frente a esse poder, a ponto de ele próprio se ver encurralado, em busca de delações premiadas para algo que é escancarado, que está nas ruas.

Alega-se que é preciso ter uma delação premiada para poder avançar na investigação e isso virou uma possibilidade. Se os efeitos disso fossem reais e trouxessem à baila toda essa rede e fizessem uma atuação em rede a ponto de dar um baque significativo nessa estrutura e restringi-la... mas até agora não vi nada disso acontecer. Pelo contrário, cada baque que essa estrutura sofre é pequeno, o que permite a sua rápida recomposição muito facilmente.

IHU On-Line - Qual é o poder político das milícias que atuam no Rio de Janeiro hoje? Quem faz parte dessa estrutura?

José Cláudio Alves – O braço político tem se ampliado desde as últimas eleições no campo federal, principalmente, e estadual, com a eleição, se não de milicianos diretamente eleitos, de bancadas de partidos de ultradireitapartidos conservadores e partidos vinculados a uma lógica fundamentalista religiosa, permitindo a eleição de uma bancada fundamentalista, conservadora e voltada para a lógica de que “bandido bom é bandido morto”. Nesse sentido, a bancada da bala se ampliou muito no Rio de Janeiro, projetando figuras simplesmente insignificantes, ignoradas pela população daqueles que atuavam politicamente, que vieram numa onda extremamente conservadoraprojetadas por esse discurso do aumento da violência, aumento da execução sumária, da prática da eliminação do outro, da lógica do desarmamento, e tudo isso tem ampliado o poder político desses grupos.

Isso é visível no Rio de Janeiro, e os reflexos já estão sendo vistos pelo aumento do número de operações policiais com chacinas, com mortes de pessoas, o aumento de desaparecidos forçados. E o mais preocupante são as subnotificações: não está ocorrendo registro de homicídios e desaparecidos; eles não estão sendo registrados por conta da lógica do medo associada à lógica da violência crescente da instituição Estado e do aparato policial. Isso tem um efeito de repressão a todo e qualquer registro de atos violentos e perdas de direitos. A tendência é esse cenário piorar e fortalecer ainda mais esses grupos em termos políticos naquela região. Tenho dito que cinco décadas de grupos de extermínio se reverteram em 70 a 75% da votação que Bolsonaro e a extrema direitaque se associou a ele obtiveram na última eleição na Baixada. Isso não é uma surpresa; foi algo construído ao longo das últimas cinco décadas, se contarmos tudo que aconteceu desde a ditadura empresarial militar no Brasil. É sob essa égide que vivemos ainda.

Atuação das milícias
estrutura política e econômica das milícias no Rio de Janeiro hoje começa a ganhar vários outros contornos, que não eram perceptíveis e que agora se manifestam. Vou dar alguns exemplos. Um deles é em Itaboraí, uma cidade metropolitana do Rio de Janeiro, onde está sendo construído o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro - Comperj, cujas obras do governo federal estavam paradas e foram retomadas recentemente. Várias empresas terceirizadas estão atuando na construção da obra e a milícia está controlando quem vai trabalhar nessas empresas. Isso já é um passo à frente em relação à atuação das milíciasanteriormente: a milícia detecta onde o capital está se manifestando — nesse caso é um capital público em parceria com empresas privadas — e, ao ficar a par da situação, manipula essa informação e passa a controlar de forma violenta o acesso a esse emprego, cobrando taxas e valores das pessoas que querem trabalhar nessas empresas. Assim esses empregados terão que repassar parte dos seus salários para os milicianos. Essa é uma novidade nesse campo no Rio de Janeiro.

Outra novidade é a milícia marítima, que atua a partir de informações de que o Ministério da Pesca e Aquicultura não está fornecendo licenças para pescadores há três anos ou mais. Essa milícia aborda os pescadores no mar, quando eles estão pescando, exige a licença que o pescador não tem e passa a exigir valores semanais para permitir que o pescador possa continuar pescando. Então, surgiu na costa do Rio de Janeiro essa milícia marítima que passa a controlar os pescadores.

Uma terceira forma de ampliação das milícias é o controle de serviços médicos nos hospitais públicos no Rio de Janeiro. Escutei que no Hospital Geral de Bom Sucesso, um hospital federal, a milícia controla quem acessa e quem tem direito aos serviços do hospital e cobra taxas por isso. Então, isso também é uma inovação. A venda de drogas também passou a ser utilizada pela milícia como uma forma de trabalho e atuação. A milícia não só aluga pontos de drogas para facções do tráfico, mas agora faz a própria venda da droga. Então, o leque de atuação das milícias se amplia e todo esse leque de atuação tem seu braço político.

IHU On-Line – Qual é a relação das milícias com o Estado?

José Cláudio Alves – A relação das milícias com o Estado é determinante para o que ela se transformou nos dias de hoje, uma estrutura de poder absoluta, ampla, autoritária, expressiva e crescente no Rio de Janeiro. Tenho dito que a milícia atua com duas faces que são determinantes: a legal e a ilegal.

face legal da milícia é a condição de ter acesso a informações privilegiadas do Estado a respeito de terras, propriedades, monopólios de comércios, pagamentos de impostos, sobre operações policiais que blindam a milícia de prisões; tudo isso faz parte da dimensão legal. Também faz parte dessa dimensão o fato de a polícia operar o judiciário na sua ponta com investigações, repressões, ou seja, o processo jurídico inicial envolvido na dimensão do judiciário é controlado pela polícia e seus agentes e isso dá mais poder aos milicianos.

face ilegal, que é a face criminosa, assassina, torturadora, totalitária, obstrui qualquer tipo de contestação do seu poder que mata e executa quem se contrapõe a ela. A milícia só tem esse poder todo graças à dimensão legal das informações e dos postos que esses agentes ocupam dentro do Estado.

Assim, a face legal e a ilegal se complementam e se projetam uma na outra, criando uma estrutura totalitária, fechada, blindada, intocável. A prisão desses dois acusados é a exceção de uma regra. A regra é que membros de milícias são intocáveis, seus negócios se ampliam e eles têm dimensões crescentes desse poder e agora expressam isso a partir do assassinato de pessoas que ocupam cargos no âmbito político e que são contrárias aos seus interesses.

A meu ver a milícia tem dimensões mais poderosas e mais amplas do que eu poderia ter imaginado há algum tempo. As milícias crescem velozmente por dentro do Estado e se beneficiam dessa dupla face da mesma moeda, a face legal e a ilegal. O ilegal é o Estado. Por mais que o Estado se reconheça como legal e trabalhe com essa concepção para todos nós, o determinante aqui é a dimensão ilegal, que ultrapassa a dimensão do legal, ampliando os poderes do Estado e dando a ele uma face cada vez mais totalitária, absoluta, irresistível, incontornável e capaz de controlar massas e espaços geográficos ao longo do tempo, de uma forma como nós vivemos hoje. Essa face ilegal amplia o poder do Estado, não restringe o seu poder. Não é o anti-Estado, o poder paralelo, mas sim a presença multidimensional de um Estado autoritáriototalitário e ditatorial. Nós nunca saímos da ditadura; saímos da ditadura oficial para a ditadura dos grupos de extermínio e milícias, que é a forma que opera hoje nessas regiões e no Rio de Janeiro. Essa estrutura submete todos nós a esse controle e poder da tortura e da execução sumária.

IHU On-Line - Como o senhor avalia o pacote anticrime encaminhado à Câmara pelo novo governo, que aposta em três vias: combate a crimes de corrupção, combate ao tráfico de drogas e combate a crimes de violência?

José Cláudio Alves – O pacote do Moro vai na contramão de toda a minha avaliação e de tudo que venho falando ao longo dos anos. O pacote anticrime se insere na lógica totalitária, ditatorial e autoritária da estrutura policial, que é a base de alimentação do crime organizado expresso na milícia. Moro, ao defender os princípios do próprio Bolsonaro, como o excludente de ilicitude, alega que o agente de segurança, numa condição de estresse e sem controle do ambiente e do momento em que está atuando, permite a ele o uso da violência letal, do assassinato e homicídio como forma de solução daquelas questões, eximindo aquele policial de responsabilidade.

Na verdade, isso era tudo que esses grupos apoiadores dessa estrutura política ideológica da extrema direita queriam. Eles não vão mais precisar colocar capuz para matar; vão matar como milicianos. Agora, eles podem matar de cara limpa e vão dizer que estavam no cumprimento do seu dever, sob forte tensão. Trata-se da ampliação e explosão de um processo que já está em crescimento e expansão. É isso que nos assusta, porque irá gerar dimensões mais graves e desrespeitosas dos direitos da população. Esse pacote também aumenta a punitividade, amplia a dimensão de encarceramento, amplia as penas, o que é uma grande ilusão, porque é na dimensão penitenciária que se dá a organização dessas grandes facções.

Encarcerar e prender não vai resolver o problema. Pelo contrário, hoje as facções operam pelo sistema penitenciário. É preciso fazer o contrário: desmontar essas estruturas, esvaziá-las e tratar as drogas não como problema de polícia, mas de saúde e de educação. É preciso desmilitarizar a polícia para que o policial dialogue com a população e construa uma lógica política de proteção, para que o policial não seja o agente que mais mata e que mais morre. Então, é preciso reformular a estrutura e não reforçá-la e ampliá-la. De outro lado, é preciso investir em políticas públicas que possam proteger essa população mais frágil. Não vemos isso. Vemos a perda e a destruição dos direitos dos trabalhadores. Esse pacote do Moro avança no caminho inverso do que deveria ser. Esses grupos vão se fortalecer mais ainda com essas medidas.

IHU On-Line - Como o senhor avalia o fato do caso Marielle ter ocupado outros espaços, chegando até mesmo ao Carnaval?

José Cláudio Alves – O fato de Bolsonaro ter postado imagens quase pornográficas, se referindo ao carnaval nessas dimensões, comprovam o efeito que o carnaval trouxe para o país inteiro em termos da crítica, da afronta, da insubordinação e da resistência a essa dimensão da extrema direita no poder. Bolsonaro expressa isso tentando fazer do carnaval o mesmo discurso de mentira, de dissimulação e destruição que ele fez na época da campanha eleitoral do ano passado, como ele fez com a campanha que as mulheres iniciaram do #EleNão. Ali foi feita a mesma estratégia: foram montadas fake news com imagens de mulheres nuas e em situações diferenciadas em relação à tradição moral e familiar que esses grupos defendem, para desqualificar as manifestações. Até que ponto ele vai conseguir resultados, mantendo essa estratégia? A impressão que dá é que ele está se lixando para o que a sociedade faz; ele não quer governar. Ele quer dilapidar, quer destruir, assassinar e investir em dimensões conservadoras, em perdas de direitos, em redução do papel da mulher na sociedade, na diminuição de direitos de gays, lésbicas, travestis, quer aprofundar a dimensão do racismo contra as populações negras e indígenas. Ele é uma bomba de hidrogênio de efeito devastador que elimina as divergências e oposições. Ele é a expressão disso.

Encarcerar e prender não vai resolver o problema. Pelo contrário, hoje as facções operam pelo sistema penitenciário - José Cláudio Alves

Enfim, temos a milícia no poder. Ela chegou a se consolidar numa dimensão municipal, estadual e federal, numa dimensão mais crescente. É esse meu diagnóstico. Essa dimensão do que ocorre no carnaval é a expressão da resistência, a expressão aguerrida de luta popular em espaços em que o povo está para expressar a sua inconformidade com tudo que vem acontecendo.

Espero que esses espaços se ampliem na sociedade como um todo, que a verdade vença, supere esse ódio, mentira, covardia e essas execuções sumárias de um Estado totalitário e de uma sociedade que se sujeita a esse totalitarismo. Espero o retorno à consciência, à solidariedade, à lucidez, à compaixão, aos direitos e à proteção dos mais fracos, e não esse Estado dilapidado. Isso não pode ser feito com ilusões: hoje esse Estado é algoz de toda a população brasileira e a milícia é a expressão mais brutal e violenta desse torturador que está na nossa frente. Esse é o dilema que a sociedade terá que enfrentar.
*Publicado originalmente em ihu.unisinos.br