terça-feira, 18 de abril de 2017

Para além do fim da política

         Para além do fim da política

A verdade toda ainda não foi exposta à luz do dia. E o ciclo político chega ao fim sem que um novo esteja anunciado.

Temer debate a Previdência com seus aliados.Projeto contraria o interesse das massas


Não obstante o natural choque político-emocional provocado, a tonitruante ‘Lista de Fachin’, desdobramento da ansiada segunda ‘Lista de Janot’, revela, pura e simplesmente (o que não é pouco, registre-se), a promiscuidade entre os interesses privados e o interesse público, subsumido este pelo poder econômico, dominante e insaciável, que controla o Estado e a política, constrói o imaginário coletivo, senhor que é dos meios de comunicação de massas – os quais, segundo a mesma lógica – controlam a produção e o consumo dos meios simbólicos, ou seja, fazem, os “corações e mentes” da sociedade de massas.
Criam uma “opinião pública” que é simplesmente a opinião publicada, unilateral, comprometida, facciosa. Esta é uma das características do capitalismo em todos os seus estágios, desde sempre e em toda a parte. Nos EUA, no Japão, na Coreia do Sul, na Alemanha, em Angola, entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, entre colonizadores e colonizados.
O caso brasileiro presente talvez se distinga, tão-só, pelo volume e extensão do assalto da ordem econômica privada sobre o Estado, ao percorrer todas as instâncias da vida político-econômica e institucional, imiscuindo-se em todos os poderes da República, ameaçando mesmo de abalo as bases do regime democrático, atingido pelo desencanto popular. Tanto a sociedade quanto os atores, tanto investigadores quanto investigados, porém, sabem que a verdade toda ainda não foi exposta à luz do dia, pois muito ainda há por revelar, e há que se revelar também aqueles conluios e aquelas negociatas, os cartéis e as licitações pré-definidas, tudo segundo a “ética” do mercado.
Se essa “crise” não tem desfecho perceptível no horizonte próximo, o único que podemos  perscrutar, há, todavia, uma convicção: está em curso, articulado pelo Ministério Público Federal, pela Polícia Federal e por setores do Judiciário, com o apoio da mídia – um processo de criminalização da política que, se não for desmontado, desembocará na instalação de uma ditadura fascistóide. Esse risco ameaça toda sociedade atacada pelo vírus da antipolítica, mas especialmente aquelas democracias como a brasileira,  sempre instáveis, sempre jovens, sempre desarmadas aos ataques da violência autoritária. Basta uma rápida revisão de nossa História recente.
O ‘tenentismo’, responsável por tantas rebeliões militares (uma saga que nos levou até 1964) tinha como mote uma reação à desmoralização da política e dos políticos, responsabilizados por todas as dores da corruptíssima República Velha dos latifundiários e oligarcas. Foi ainda esse o mote da ‘revolução’ de 1930 e do Estado Novo instaurado em 1937, e foi a essência dos golpes de 1954, 1961 e de 1964. Em nenhum momento cuidaram os revolucionários e os golpistas (nas fileiras militares, nos parlamentos e nas páginas dos jornais) das raízes profundas das ‘crises morais’: a natureza do nosso capitalismo – desde sempre caracterizado pela submissão a interesses externos –, então ainda mais tosco do que este de hoje muito bem representado pela FIESP, pelo rentismo, pela sonegação de impostos, pela corrupção ativa, pelo controle do Estado.
Despolitizadas, as reações da sociedade, injuriada, são, muitas vezes, conduzidas para projetos que contrariam seus interesses. Mas a política, com todas as suas distorções, é ainda o espaço em que podem atuar as forças populares. Daí os ataques, pois é no seu vazio que surgem os salvadores da pátria. São, não por acaso, sempre, quadros da direita incensados em suas trajetórias pelos grandes meios de comunicação de massas. Nossa história republicana não pode esquecer-se de Jânio Quadros prometendo, vassoura em punho, “varrer a corrupção” que assolava o País. Mais recentemente, outro salvador da pátria, também condenando a política e os políticos, também festejado pelos grandes meios de comunicação, Fernando Collor, instalou em Brasília a “República de Alagoas” com o significado conhecido.
Como ilustração, relembre-se a ascensão de Berlusconi na Itália que, lá atrás, já se havia encantado por Mussolini, tanto quanto a Alemanha de Marx e Wagner encontraria em Hitler e no seu nazismo a saída para a crise político-econômica.
O fastio popular ante o mesmismo de democratas e republicanos, dizem os analistas, elegeu Donald Trump.
A Lava-Jato não encerra a crise brasileira que, sabe-se, é a ela anterior. Os fatos novos simplesmente tornam mais visíveis suas características e sua profundidade. O mérito da controversa ‘operação’ é o de revelar o outro lado da crise política: a associação, óbvia no capitalismo, entre o poder econômico e o poder político, este uma projeção daquele.
Alguns cenários de desdobramento da crise podem ser desenhados. Cuidemos de dois, igualmente indesejáveis. Um, o aprofundamento da crise, com o risco de seu desdobramento institucional. Desse tipo de crise sabe-se como entram os países, nunca como deles saem. Quem pode antecipar o futuro próximo da Venezuela? Sabe-se, porém, que é o povo-massa quem está passando sob a marquise sempre que a democracia é derruída.
Outra hipótese de ‘saída’ cogitada abertamente pelos jornais (vide a Folha de S.Paulo do último 13 de abril) é um acordão que estaria sendo articulado por alguns príncipes da República. Essa alternativa, saliente-se, é coerente com nossa história de conciliação pelo alto, negociada pelas ‘elites’, segundo seus interesses. Vem sendo assim desde 1822. Seu saudável escopo, do “acordão” de hoje, seria deter o avanço do conservadorismo; sua inutilidade é o fato de simplesmente empurrar para debaixo do tapete a crise profunda da democracia brasileira: a falência de sua representatividade, a ausência de legitimidade de seus poderes e de seus atores.
O fato objetivo é que, com ou sem Lava-Jato, com ou sem delações premiadas, estamos chegando ao fim de um ciclo político, sem que o novo esteja anunciado. Nesse “ponto morto”, cumpre às forças progressistas lutar pela incolumidade constitucional, assegurando-se o País das eleições diretas e gerais de 2018, que, todavia, não podem realizar-se sob o império da atual legislação. Tudo exige uma reforma política radical que, todavia, não podemos esperar do atual Congresso, pois sua miséria é o fruto podre do atual sistema. É preciso arregimentar todas as forças possíveis visando pressionar o Poder Legislativo levando-o a um acordo com a sociedade de sorte que pelo menos as mais graves distorções – e dentre elas sobreleva o financiamento privado das eleições – sejam afastadas do pleito de 2018.
O vídeo que a Globo não divulgou. Consoante seu notório partidarismo, que se revela em todas as suas manifestações, mas de especial no jornalismo, o sistema Globo selecionou, dentre os vídeos que gravaram as revelações premiadas dos delatores da Odebrecht, aqueles que deveriam ser reproduzidos, aqueles que deveriam ser vistos de raspão e aqueles que deveriam ser repassados mais de uma vez, e aqueles que deveriam ser simplesmente ignorados. Dentre esses, está a delação de Emílio Odebrecht, o patriarca do grupo, relatando a constituição, com a Globo, já na era FHC, de uma ‘sociedade privada’ destinada a fazer lobby pela privatização da telefonia pública e pela quebra do monopólio do petróleo. Diz ainda Emílio Odebrecht que os Marinhos conheciam de cor e salteado as operações que se traficavam por debaixo dos panos.

*  Roberto Amaral é cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004.
Fonte: Blog do Roberto Amaral


Temer diz que golpe não pode ser anulado


Temer diz que golpe não pode ser anulado


Marcelo Brandão

Após confessar no último sábado que o golpe de 2016 ocorreu porque a presidente Dilma Rousseff não cedeu à chantagem de Eduardo Cunha, hoje condenado a 15 anos de prisão, Michel Temer afirmou na noite desta segunda-feira 17, em entrevista ao SBT, que o processo de impeachment não pode ser anulado por conta de um "ato de vingança" de Cunha; "Pelo regimento interno da Câmara, se o presidente da Câmara interferir no pedido de impedimento, há recurso no plenário. Com a margem muito significativa de votos que teve o impedimento, evidentemente se isso acontecesse, iria para o plenário e o plenário decretaria o início do impedimento. Estou apenas supondo hipóteses", disse; defesa de Dilma pretende anexar confissão de Temer na ação que julga o mérito do processo.


O presidente ilegítimo Michel Temer minimizou o relato dele próprio, em entrevista à TV Bandeirantes, de que Eduardo Cunha determinou a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff após não conseguir os votos do PT no processo que seria aberto contra ele no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Em entrevista ao telejornal SBT Brasil, na noite de hoje (17), Temer disse acreditar que não há possibilidade de anulação do impeachment por conta de um "ato de vingança" de Cunha.

"Pelo regimento interno da Câmara, se o presidente da Câmara interferir no pedido de impedimento, há recurso no plenário. Com a margem muito significativa de votos que teve o impedimento, evidentemente se isso acontecesse, iria para o plenário e o plenário decretaria o início do impedimento. Estou apenas supondo hipóteses", disse o presidente.

Temer disse que a votação do Congresso foi "uma coisa avassaladora" a favor do impeachment. "Foi uma coisa avassaladora, em termos de votação. Se havia uma subjetividade dele [Eduardo Cunha] nessa direção, não foi o que comandou a decisão do plenário da Câmara e do Senado."

Ontem (16), à TV Bandeirantes, Temer contou que Cunha falou com ele e disse que arquivaria todos os pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff porque tinham prometido a ele os três votos do PT no Conselho de Ética. No entanto, a posição dos deputados petistas mudou e, com isso, a decisão de Cunha também. "Quando foi três horas da tarde, mais ou menos, ele me ligou dizendo: 'olha, tudo aquilo que eu disse agora não vale, porque agora vou chamar a imprensa e vou dar início ao processo de impedimento'", disse Temer.

Delação de Cunha

Temer disse ainda não estar preocupado com uma possível delação de Eduardo Cunha que possa envolvê-lo. "Não sei o que ele pretende fazer, não estou preocupado com o que ele venha a fazer. Espero que ele seja muito feliz. Espero que se justifique em relação a todos os eventuais problemas que tenha tido. Acho que ele foi um deputado muito atuante, muito eficiente no exercício da legislatura. Mas não sei o que ele vai fazer, não tenho que me incomodar com isso".

O ex-presidente da Câmara está atualmente preso em Curitiba desde outubro do ano passado. Recentemente, Cunha foi condenado a 15 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisa.


MORO QUER LULA EM 87 OITIVAS

MORO QUER LULA EM 87 OITIVAS
Emanuel Morais


O juiz Sérgio Moro quer a presença do ex-presidente Lula em todas as 87 oitivas de testemunhas arroladas por ele em sua defesa.

O advogado Cristiano Zanin, que representa Lula, protestou contra a decisão do magistrado.

“O juiz Sérgio Moro pretende, claramente, desqualificar a defesa e manter Lula em cidade diversa da qual ele reside para atrapalhar suas atividades políticas, deixando ainda mais evidente o lawfare”, acusou o advogado.

Segundo Zanin, presente o advogado, responsável pela defesa técnica, a presença do acusado nas audiências para a oitiva de testemunhas deve ser uma faculdade e não uma obrigação.

Além de Lula, o juiz Moro exigiu a presença de todos os demais 7 réus no processo durante as oitivas das testemunhas.

A estratégia do juiz tem como objetivo evitar a alegação de “cerceamento de defesa”.

“Fica, porém, indeferida a dispensa da presença dos acusados nas audiências de oitiva das testemunhas arroladas por suas próprias Defesas. Em outras palavras, os acusados deverão comparecer pessoalmente nas audiências destinadas à oitiva de suas próprias testemunhas”, despachou Sérgio Moro.

O ex-presidente será interrogado por Moro no próximo dia 3 de maio, em Curitiba, na ação penal da Lava jato acerca do tríplex em Guarujá e da compra frustrada de um terreno para o Instituto Lula.

Na semana passada, o renomado jurista italiano Luigi Ferrajoli afirmou, acerca da Lava Jato, que “esse é um caso em que há um juiz que teme perder o jogo”.

Confira a íntegra da nota divulgada pela defesa:

Nota

A decisão proferida hoje (17/04) pela 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba nos autos da Ação Penal nº 5063130-17.2016.4.04.7000/PR exigindo a presença de Lula em audiências para ouvir testemunhas de defesa configura mais uma arbitrariedade contra o ex-Presidente, pois subverte o devido processo legal, transformando o direito do acusado (de defesa) em obrigação. Presente o advogado, responsável pela defesa técnica, a presença do acusado nas audiências para a oitiva de testemunhas deve ser uma faculdade e não uma obrigação.

O juiz Sérgio Moro pretende, claramente, desqualificar a defesa e manter Lula em cidade diversa da qual ele reside para atrapalhar suas atividades políticas, deixando ainda mais evidente o "lawfare".

A decisão também mostra que Moro adota o direito penal do inimigo em relação a Lula e age como "juiz que não quer perder o jogo", como foi exposto pelo renomado jurista italiano Luigi Ferrajoli em análise pública realizada no último dia 11/04 no Parlamento de Roma (ww.averdadedelula.com.br).

Essa decisão foi proferida na ação penal em que Lula é -indevidamente- acusado de ter recebido um terreno para a instalação do Instituto Lula e um apartamento, vizinho ao que reside. No entanto, as delações dos executivos da Odebrecht mostraram que o ex-Presidente não recebeu tais imóveis, o que deveria justificar a extinção da ação por meio de sua absolvição sumária.

Cristiano Zanin Martins


A DEVASTAÇÃO DO TRABALHO NA CONTRARREVOLUÇÃO DE TEMER

DESTRUIÇÃO COMPLETA DO QUE RESTA DE DIREITOS

A DEVASTAÇÃO DO TRABALHO NA CONTRARREVOLUÇÃO DE TEMER

O objetivo do atual governo, no universo das relações de trabalho, é corroer a CLT – que a classe trabalhadora compreende como sendo sua “verdadeira Constituição do trabalho” – e dar cumprimento à “exigência” do empresariado, cujo objetivo não é outro senão instalar imediatamente uma “sociedade da terceirização total”
por: Ricardo Antunes
23 de março de 2017
Em que mundo do trabalho estamos inseridos?
Depois de um período aparentemente estável do pós-guerra, o ano de 1968 chacoalhou a “calmaria” que parecia vigorar no mundo do welfare state: os levantes em Paris, que se espalharam por tantas partes do globo, estampavam o novo fracasso do capitalismo. Os operários, os estudantes, as mulheres, a juventude, os negros, os ambientalistas, as periferias e as comunidades indígenas chamavam atenção para um novo e duplo fracasso.
De um lado, cansaram de se exaurir no trabalho, sonhando com um paraíso que nunca encontravam. O capitalismo do Norte ocidental procurava fazê-los “esquecer” a luta por um mundo novo, alardeando um aqui e agora que lhes escapava dia após dia.
De outro lado, o chamado “bloco socialista”, originado em uma revolução socialista que abriu novos horizontes em 1917, havia se convertido, desde a contrarrevolução do camarada Stalin, em uma ditadura do terror especialmente contra a classe operária que, em vez de se emancipar, se exauria em um trabalho infernal em que o sonho cotidiano principal era praticar o absenteísmo no trabalho.
O ano que abalou o mundo foi duramente derrotado pelas poderosas forças repressivas que sempre se aglutinam quando a ditadura do capital é questionada. Das revoltas na França ao massacre dos estudantes no México e a repressão às greves do Brasil. Do autunno caldo (outono quente) da Itália ao Cordobazo na Argentina, os aparatos repressivos da ordem conseguiram estancar a era das rebeliões, impedindo-as de se converterem em uma época de revoluções. Adentrávamos, então, no início da década de 1970, em uma profunda crise estrutural: o sistema de dominação do capital chafurdava em todos os níveis: econômico, social, político, ideológico, valorativo, obrigando-o a desenhar uma nova engenharia da dominação.
Foi nesse contexto que se começou a gestar uma trípode profundamente destrutivo. Esparramaram-se, como praga da pior espécie, a pragmática neoliberal e a reestruturação produtiva global, ambos sob o comando hegemônico do mundo das finanças. E é bom recordar que essa hegemonia significou não somente e expansão do capital fictício, mas também uma complexa simbiose entre o capital diretamente produtivo e o bancário, criando um monstrengo de novo tipo, uma espécie de frankenstein horripilante e desprovido de qualquer sentimento minimamente anímico.
As principais resultantes desse processo foram desde logo evidenciadas: deu-se uma ampliação descomunal de novas (e velhas) modalidades de (super)exploração do trabalho, desigualmente impostas e globalmente combinadas pela nova divisão internacional do trabalho na era dos impérios. Para tanto, foi preciso que a contrarrevolução burguesa de amplitude global exercitasse sua outra finalidade precípua, qual seja, a de tentar destruir a medula da classe trabalhadora, seus laços de solidariedade e consciência de classe, procurando recompor sua nova dominação, em todas as suas esferas da vida societal.
Nasceu, então, um novo dicionário empresarial no mundo do trabalho, que não para de crescer. “Sociedade do conhecimento”, “capital humano”, “trabalho em equipe”, “times ou células de produção”, “salários flexíveis, “envolvimento participativo”, “trabalho polivalente”, “colaboradores”, “PJ” (pessoa jurídica, denominação falsamente apresentada como “trabalho autônomo”). E mais: “empreendedor”, “economia digital”, “trabalho digital”, “trabalho on-line” etc. Todos impulsionados por “metas” e “competências”, esse novo cronômetro da era digital que corrói cotidianamente a vida no trabalho.
Na contraface desse ideário apologético e mistificador, afloraram as consequências reais no mundo do trabalho: terceirização nos mais diversos setores, informalidade crescente; flexibilidade ampla (que arrebenta as jornadas de trabalho, as férias, os salários); precarização, subemprego, desemprego estrutural, assédios, acidentes, mortes e suicídios. Exemplos se ampliam em todos os espaços, como nos serviços comoditizados ou mercadorizados. Um novo precariado aflora nos trabalhos de call centers, telemarketing, hipermercados, hotéis, restaurantes, fast-foods etc., onde vicejam a alta rotatividade, a menor qualificação e a pior remuneração.
Turbinados pela lógica das finanças, em que técnica, tempo e espaço se convulsionaram, a corrosão dos direitos do trabalho tornou-se a exigência inegociável das grandes corporações, apesar de seus ideários apregoarem mistificadoramente “responsabilidade social”, “sustentabilidade ambiental” (a Samarco e a Vale que o digam), “colaboração”, “parceria” etc.
Na esfera basal da produção, prolifera o vilipêndio social e, no topo, domina o mundo financial. Dinheiro gerando mais dinheiro na ponta fictícia do sistema e uma miríade interminável de formas precárias de trabalho que se esparramam nas cadeias globais produtivas de valor. Dos Estados Unidos à Índia, da Europa “Unida” ao México, da China à África do Sul, em todos os cantos do mundo se expande essa pragmática letal ao trabalho e seus direitos. E esse vilipêndio só é estancado quando há resistência sindical, luta social e rebelião popular, como na França de hoje e no Chile de ontem.
Ressuscitam-se formas de trabalho escravo e degradam-se além do limite os trabalhos dos imigrantes. Isso sem falar do engodo do “trabalho voluntário”, frequentemente imposto e compulsório, pois ninguém consegue um emprego se não estampar em seu curriculum vitae a realização de “trabalho voluntário”. Ou seja, uma atividade originalmente volitiva se transmuda em sua caricatura, convertendo-se em uma nova forma “moderna” de exploração compulsiva. Na Feira Internacional de Milão, em 2015, e nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, só para dar dois exemplos, a mistificação se acentua exatamente onde lucros incalculáveis são obtidos por grandes corporações do “entretenimento”. E o Brasil não poderia ficar fora dessa.
O governo Temer, a nova fase da contrarrevolução neoliberal e o desmonte da legislação social do trabalho
Sabemos que o neoliberalismo vem se efetivando por meio de um movimento pendular, quer por governos neoliberais “puros”, quer pela ação de governos mais próximos do social-liberalismo; em ambos os casos, os pressupostos fundamentais do neoliberalismo se mantêm essencialmente preservados.
Desde quando começou a ser efetivamente introduzida no Brasil, a partir da década de 1990, a pragmática neoliberal teve claras consequências: aumento da concentração de riqueza, avanço dos lucros e ganhos do capital, incrementados com a privatização de empresas públicas, além de deslanchar a desregulamentação dos direitos do trabalho. Foi assim com Collor e FHC.
Os governos do PT foram exemplos exitosos da segunda variante, ao introduzir uma política policlassista fortemente conciliadora, preservando e ampliando os grandes interesses das frações burguesas. Mas havia um ponto de diferenciação, dado pela inclusão de programas sociais, como o Bolsa Família, voltado para os setores mais empobrecidos, além da introdução de uma política de valorização do salário mínimo limitada, mas real, apesar dos níveis de salário mínimo no país serem absurdamente rebaixados. Basta compará-lo ao salário mínimo indicado pelo Dieese.
Enquanto o cenário econômico era favorável, o país parecia estar em um círculo virtuoso. Com o agravamento da crise econômica global (que teve como epicentro os países capitalistas do Norte e aqui se intensificou posteriormente), porém, esse mito começou a evaporar.
As rebeliões de junho de 2013 foram os sinais mais evidentes do enorme fracasso que se avizinhava, mas foram olimpicamente desconsideradas pelo governo Dilma. Esse quadro crítico se acentuou durante as eleições de outubro de 2014, quando começou a se verificar uma retração crescente do
apoio das frações dominantes, uma vez que a intensificação da crise econômica indicava que esses setores que até então respaldavam (e ganhavam muito com) os governos do PT começaram a exigir um ajuste fiscal que acabou por ter uma dupla e trágica consequência. Por um lado, levou à crise terminal do governo Dilma e, por outro, ao desalento de inúmeros de seus eleitores nas classes populares, que a viram realizar o que dizia recusar na campanha eleitoral. De lá para cá, a história é de todos conhecida.
Consolidou-se a “alternativa ideal” das frações burguesas, agora em aberta dissensão: impossibilitada de ganhar pelas urnas, chegava a hora de deflagrar um golpe que teve no Parlamento seu lócus decisivo. Aqui vale um breve parêntese. Marx disse que o Parlamento francês, em meados do século XIX, vivenciou uma “degradação do poder” que lhe retirou “o derradeiro resquício de respeito aos olhos do público”.¹ O que dizer, então, do Parlamento brasileiro recente, no qual viceja um enorme núcleo que exercita solenemente sua forma pantanosa?
Assim, nossa transição pelo alto desencadeou uma nova variante de golpe (já experimentada em Honduras e no Paraguai, para ficarmos na América Latina), que precisava “arranjar” algum respaldo legal. E o fez recorrendo tanto à judicialização da política quanto à politização da justiça. Sempre com o apoio das grandes corporações midiáticas e com a ação, nas sombras, comandada pelo vice Temer e pela batuta indigente de Cunha na Câmara, ambos aliados do PT na época de lua de mel com o PMDB.
Tudo isso parece conferir plausibilidade a algumas formulações de Agamben,² uma vez que toda essa ação está perigosamente nos aproximando a uma forma (contraditória?) de “estado de direito de exceção”. E o golpe parlamentar que levou à deposição de Dilma, sem provas cabais – e ao mesmo tempo a isentou de perda dos direitos políticos (em mais uma flagrante incongruência jurídica) –, reiterou a farsa ao condenar uma presidenta por um crime que o mesmo Parlamento reconhece que ela não cometeu.
Tudo isso para que o governo golpista siga à risca a pauta que lhe foi imposta, uma vez que os capitais exigem, neste momento de profunda crise, que se realize a demolição completa dos direitos do trabalho no Brasil.³ Dado que essa programática não consegue ter respaldo eleitoral, o golpe foi seu truque. Talvez por isso possamos denominá-lo, irônica e tragicamente, de um verdadeiro governo terceirizado.
Iniciou-se, então, uma nova fase da contrarrevolução preventiva, para recordar novamente Florestan Fernandes,4 agora de tipo ultraneoliberal. Sua principal finalidade: privatizar tudo que ainda restar de empresa estatal, preservar os grandes interesses dominantes e destroçar os direitos do trabalho.
Em seu conhecido documento inspirador, Uma ponte para o futuro, cujo abismo social resultante não para de se intensificar, está estampado a trípode destrutiva a ser colocada em prática nos trópicos: privatizar o que ainda não o foi (em que o pré-sal se destaca como vital); impor o negociado sobre o legislado nas relações de trabalho, em um período em que a classe trabalhadora tem apontada uma espada no coração e um punhal nas costas, pelo flagelo do desemprego que não para de crescer; e, por fim, introduzir a flexibilização total das relações de trabalho, começando pela aprovação da terceirização total (conforme consta do PLC 30/2015).
E, para que a devastação seja completa, é preciso aviltar a Constituição de 1988, o que não é tarefa nada difícil para o Parlamento no qual o pântano é movediçamente oscilante. Basta um bom movimento negocial.
O objetivo perfilado pelo atual governo de Michel Miguel, no universo das relações de trabalho, é corroer a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) – que a classe trabalhadora compreende como sendo sua “verdadeira Constituição do trabalho” – e dar cumprimento à “exigência” do empresariado (CNI, Febraban e assemelhados), cujo objetivo não é outro senão instalar imediatamente o que denominei como “sociedade da terceirização total”.5
Não é outro o significado do PLC 30/2015. Depois de obter, anos atrás, a terceirização das atividades-meio, chegou a hora do outro golpe. Terceirizar tudo, com o encobrimento falacioso e perverso de que o dito PLC quer conferir direitos aos terceirizados. Mas ficam algumas perguntas centrais.
Primeira: se o empresariado, tempos atrás, justificava a terceirização das atividades-meio para se manter qualificado e focado nas atividades-fim, o que mudou agora? A resposta é direta: o embuste agora é outro e o mal dito vira desdito.
Segunda: se o empresariado quer garantir direitos aos terceirizados, por que exatamente nessas empresas de terceirização a burla e a fraude são mais a regra do que a exceção?
Terceira: os empresários dizem que a terceirização cria empregos. Mas, como os terceirizados têm em média jornadas diárias ainda mais longas, pode-se concluir, por exemplo, que mais terceirizados podem fazer o trabalho de menos celetistas. Evidencia-se, então, que não há aumento de empregos, e sim maior desemprego, uma vez que de fato a terceirização é uma forma de redução de custos e de trabalho regulamentado.
Quarta: se os empregos terceirizados são assim tão bons, por que é exatamente nesse setor que os acidentes, os assédios, as lesões e as mortes no trabalho são muito mais intensas?
Quinta: por que nesse universo do trabalho, no qual é intensa a presença feminina, são ampliados os abismos decorrentes da divisão sexual do trabalho, em que as mulheres recebem menos, têm menos direitos e ainda exercem uma dupla (quando não tripla) jornada de trabalho?
Sexta: a quem interessa fragmentar ainda mais a classe trabalhadora, ampliando as diferenciações intra-assalariados e dificultando ainda mais sua organização sindical?
A lista de perguntas seria quase interminável e o espaço já foi ultrapassado.
Aqui reside o segredo de Polichinelo: para garantir a alta remuneração dos capitais, vale devastar toda a população trabalhadora, começando pela destruição completa do que resta de seus direitos do trabalho, da previdência, da saúde e da educação públicas. Nem uma palavra sobre redução dos juros, tributação dos bancos, dos capitais e das grandes fortunas. Nada. Para isso deu-se a assunção do governo terceirizado. Só as lutas sociais poderão fazê-lo submergir.
Ricardo Antunes é professor titular de Sociologia do Trabalho no IFCH-Unicamp. Autor, entre outros livros, de Os sentidos do trabalho (Boitempo, publicado também na Inglaterra/Holanda, Estados Unidos, Itália, Portugal, Índia e Argentina) e Adeus ao trabalho? (Editora Cortez, publicado também na Itália, Espanha, Argentina, Venezuela e Colômbia). Coordena as coleções Mundo do Trabalho (Boitempo) e Trabalho e Emancipação (Editora Expressão Popular).

1 Karl Marx, 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974, p.39.
2 Giorgio Agamben, Estado de exceção, Boitempo, São Paulo, 2004.
3 Era chegada a hora de os capitais terem um governo-de-tipo-abertamente-gendarme, independentemente de quão úteis para as classes dominantes foram os governos do PT. Ver Ricardo Antunes, “Fenomenologia da crise brasileira”, Revista Lutas Sociais, v.19, n.35, dez. 2015. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/26672/pdf.
4 Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil, Zahar, São Paulo, 1975.
5 Ver Ricardo Antunes, “A sociedade da terceirização total”, Revista da ABET, v.14, n.1, jan.-jun. 2015. Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/abet/article/view/25698/13874.
Fonte: Le Monde Diplomatique  -  Brasil

Kim Jong-un e os loucos de Washington


Kim Jong-un e os loucos de Washington

Há de fato um grande perigo de desencadeamento de uma guerra com armas convencionais ou nucleares. Os loucos podem sempre provocá-la. Mas eles não estão em Pyongyang, e sim em Washington
A Coréia do Norte é um país. Esta verdade simples é inaceitável para a maior parte da imprensa mundial. É como se aquela nação não tivesse o direito de existir. Seria uma monarquia comunista, um país faminto e obsoleto ou uma ditadura sanguinária e terrorista.


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Ainda que todas as coisas acima ditas fossem verdadeiras, nós acharíamos várias delas em outros países do mundo apoiados pelo “Ocidente”. Por isso, ninguém está interessado no povo da Coréia do Norte e muito menos em “libertá-lo”.
 
Depois de ocupada pelo Japão, a Coréia foi de fato libertada pelos aliados em 1945. A luta entre os comunistas e seus inimigos já mantinha o país dividido. Em 1950, depois da desocupação, iniciou-se a Guerra Civil. Os EUA invadiram o norte e capturaram a capital, Pyongyang, em outubro de 1950. Em apoio às tropas de Kim Il Sung, os chineses entraram secretamente na Coréia do Norte e iniciaram uma ofensiva. Depois de conquistarem Seul, os chineses sofreram a contra-ofensiva e recuaram até o famoso paralelo 38, que divide as duas Coréias. As lutas encarniçadas por posições no território coreano se prolongaram até julho de 1953.
 
A partir da implantação da Ditadura em 1961, a Coréia do Sul teve amplo progresso industrial. O norte, isolado (salvo pelo apoio chinês), teve que se manter com escassos recursos naturais. A ideologia Zuche, adotada pelo país, significa a perene busca da autonomia econômica e da soberania política. Mas o isolamento diplomático obrigou Kim Il Sung a destinar grande parte de seu orçamento para a defesa, visto que seu adversário não são as tropas sul-coreanas, mas o Exército dos EUA.
 
Sem as Forças Armadas descomunais que possui, a Coréia do Norte há muito teria sucumbido. E como qualquer país armado até os dentes, não se pode esperar que lá vigore a mais pura “democracia”. A propaganda difundida pela imprensa estadunidense e reproduzida no Brasil mostra o atual líder do país como o maior perigo à paz mundial. Adjetivos como louco, terrorista e lunático incrementam o medo das pessoas. Afinal, o “louco” é um jovem com armas nucleares!

Agência Efe

O presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un, acena ao público durante desfile militar em Pyongyang no último sábado (15/04)

 

EUA consideram ação militar contra Coreia do Norte, diz secretário de Estado

Estados Unidos preparam 'ataque preventivo' caso Coreia do Norte faça teste nuclear, diz emissora

Coreia do Norte diz que está pronta para guerra nuclear contra Estados Unidos

 
Durante meio século, os sucessivos governos dos EUA desenvolveram artefatos nucleares. Os EUA foram o único país do mundo a agredir outro país com tais armas. Mas ninguém diz que há tresloucados com armas nucleares por lá. Nem mesmo na época da gang de Bush (aliás, continuador da dinastia de seu pai…), que ocupara antes a presidência. Como todos sabem, as eleições estadunidenses são indiretas e, mesmo assim, Bush Junior ganhou-as mediante fraude.
 
Se Kim Jong-un ou qualquer outro líder é louco, não sabemos. O fato é que sua política de ameaças faz todo o sentido e reflete a razão de Estado de um país sitiado há mais de 50 anos. Abdicar da possibilidade da guerra seria render-se e desintegrar o sistema socialista vigente. Que inimigos de esquerda ou direita o queiram, é compreensível. Mas acreditar que um estadista abandonaria o poder sem lutar é uma ilusão. Se ameaçado por uma invasão, poderia sim apelar para uso de  qualquer armamento. E os generais dos EUA, que não ignoram as lições de Clausewitz, sabem que a guerra leva a uma escalada para os extremos.
 
Seria louvável que os governos fossem varridos e as comunidades dispusessem para si dos trilhões de dólares que já foram gastos no mundo todo com a violência dos Estados entre si ou contra seus cidadãos. Mas mudar a razão das guerras não está em discussão aqui. O que está em jogo é mais uma progressiva propaganda do governo dos EUA para destruir um país. Já vimos a mesma história mentirosa sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein.
 
Há de fato um grande perigo de desencadeamento de uma guerra com armas convencionais ou nucleares. Os loucos podem sempre provocá-la. Mas eles não estão em Pyongyang, e sim em Washington.
 
 
*Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP. Publicado originalmente no Blog da Boitempo.