sábado, 6 de julho de 2019

Como fazemos a apuração das personagens da #VazaJato

Sábado, 6 de julho de 2019
Como fazemos a apuração das personagens da #VazaJato

Quando publicamos a parte 8 da série As mensagens secretas da Lava Jato, a procuradora Monique Cheker – citada na reportagem e consultada previamente por nós – reagiu enviando uma nota a um site que atua como porta-voz de Sergio Moro e da Lava Jato.

Ela tentou desqualificar a reportagem. "Não reconheço os registros remetidos pelo The Intercept, com menção a minha pessoa, mas posso assegurar que possui dados errados e alterações de conteúdo", afirmou Cheker.

Uma acusação como essa é grave para qualquer jornalista. Fosse verdade o que alegou a procuradora, teríamos cometido um grande equívoco na apuração. Só que não. Quem está errada é ela.

Desde que recebemos os arquivos que deram origem à #VazaJato, nossa principal preocupação foi nos certificarmos da veracidade das mensagens. Temos perfeita compreensão da gravidade do conteúdo revelado nos diálogos que estamos reportando e que erros ou incorreções ferem a credibilidade do Intercept, das reportagens e inclusive a nossa.

Assim, passamos semanas obstinadamente buscando sinais que confirmassem a autenticidade das mensagens. Encontramos, em quantidade mais que suficiente: conversas de nossos repórteres com procuradores; menções a nós em outros diálogos que coincidem com datas em que procuramos a Lava Jato; referências a locais e endereços que conhecemos; discussões prévias sobre eventos a que sabemos que a força-tarefa compareceu; trocas de argumentos sobre processos à época em que eles eram julgados; comentários sobre noticiário do dia. Repórteres parceiros repetiram o procedimento, e o resultado foi o mesmo.

Os nomes dos interlocutores aparecem nos arquivos que recebemos como estão originalmente nos chats do aplicativo Telegram. Muitas vezes, eles estão sem sobrenome – justamente o caso de Monique. Por isso, é necessário investigar o sobrenome correto e acrescentá-lo ao texto (nos chats reproduzidos em artes, fazemos isso usando um pop-up sinalizado por um quadrado vermelho) para que você, nosso leitor, tenha uma informação precisa e entenda perfeitamente o contexto das conversas.

Essa busca é um processo exaustivo e frequentemente demorado, que repetimos cada vez que nos deparamos com o nome de um novo personagem.

No caso da procuradora Monique Cheker isso se deu da seguinte forma:

Para começar, buscamos em outras conversas sinais que possam trazer evidências sobre quem é a pessoa de que temos certeza sobre o sobrenome. Fazendo isso, encontramos o seguinte diálogo de Cheker no chat privado dela com Deltan Dallangnol, datado de 9 de setembro do ano passado:

Deltan – 00:17:33 – Mo, como faço a citação do artigo? Preciso dos dados da obra em que estará inserido. Vc me passa ou indica nome se estiver já online?

Monique – 01:10:06 – Pela ABNT, faça a citação e coloque a informação “no prelo” após o nome do autor.

01:11:20 – [imagem não encontrada]

01:11:50 – O nome da coletânea será “Desafios contemporâneos do Sistema Acusatório”


Uma simples busca pelo nome do livro na internet nos levou ao site da Amazon:
A pré-visualização do livro no site da Amazon permite que tenhamos acesso ao índice da publicação. Nele, como vemos abaixo, consta o nome de Cheker (e de nenhuma outra Monique), confirmando o que ela disse a Deltan. Ou, ao contrário do que escreveram os porta-vozes da Lava Jato, Monique é Monique:
Já é conclusivo, certo? Certo, mas não o suficiente para nós. Queríamos ter certeza de que não haveria chance de estarmos errados. Assim, resolvemos consultar também a base de dados do Portal de transparência do Ministério Público Federal. Este link se refere aos membros ativos em novembro de 2018, quando houve a conversa que reportamos. Uma simples busca nominal nele (se você estiver em seu computador, pode fazer isso teclando command+F, no Mac, ou ctrl+F, no Windows)  revela que existe apenas uma procuradora chamada Monique no grupo: Monique Cheker.

Perfeito. Caso resolvido? Quase. E se por acaso a Monique que participa do grupo BD fosse uma procuradora aposentada? Para excluir essa possibilidade, consultamos também a lista de membros inativos do MPF em novembro de 2018.  Qual o resultado? Nenhuma procuradora aposentada nas datas se chamava Monique. Concluímos, assim, acima de dúvida razoável, como gostam de dizer os juízes, que a Monique que aparece nas conversas é Monique Cheker.

Também encontramos em informações públicas o nome de um parente muito próximo de Cheker, citado por ela nos chats privados. É claro que jamais diremos de quem se trata para não expor uma pessoa que não é pública, mas isso foi útil para a confirmação da identidade da procuradora.

Quanto aos diálogos que publicamos, eles jamais são editados – você pode notar que as mensagens foram publicadas nas reportagens inclusive com eventuais erros de digitação cometidos pelos interlocutores.

Todo esse cuidado não quer dizer, claro, que sejamos imunes a erros. No caso de Cheker, a primeira versão da parte 8 trazia um erro sobre o local de trabalho dela. Em casos como esse, sempre fazemos a devida correção. É fácil saber quando elas foram necessárias: estão indicadas sempre ao final dos textos. Uma questão de transparência.

Felizmente, o rigor com que vimos trabalhando na #VazaJato fez com que erros fossem pontuais, e jamais alterassem a compreensão de uma reportagem. Tanto que jornalistas como Reinaldo Azevedo e Mônica Bergamo e veículos como Bandnews FM, Folha de S. Paulo, Buzzfeed, El País e a revista Veja – para não falar (Ô louco, meu!) no apresentador Fausto Silva –, que tiveram acesso ao conteúdo dos arquivos ou confrontaram o que foi publicado com dados dos processos, notícias da época e sentenças judiciais chegaram à mesma conclusão que nós: as conversas são verídicas. É com elas que Moro, Dallagnol e os demais precisam se preocupar.

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Destaques

As mensagens secretas da Lava Jato
Intercept e Veja publicam reportagem de capa que mostra impropriedades em série – e inéditas – de Sergio Moro na Lava Jato

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Reportagem em parceria mostra diálogo no qual Deltan Dallagnol relata que Moro pediu a inclusão de uma prova para fortalecer denúncia do MPF.
Leia a série com as mensagens secretas da Lava Jato
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Boa parte deles se calou publicamente diante da agenda político-partidária de Moro e se tornou cúmplice do ex-juiz.
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‘Prenderam meu pai sem mandado ou explicação’: na periferia, a polícia não tem obrigação de cumprir a lei
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João Gilberto e o melhor show de sua vida. Não sai de mim, não sai

João Gilberto e o melhor show de sua vida. Não sai de mim, não sai. Por Paulo Donizetti de Souza

 
João Gilberto dizia ter feito o melhor show de sua vida no 3º Festival de Água Claras, em 1983. Foto: JORGE ROSENBERG/O BARATO DE IACANGA
Publicado originalmente na Rede Brasil Atual (RBA)
POR PAULO DONIZETTI DE SOUZA
Aquela madrugada de domingo, 5 de junho de 1983, não foi uma madrugada qualquer. Ela marcou a transição de uma das noites mais ricas da história da música do Brasil, para o amanhecer mais inimaginável dessa mesma história. A chegada de João Gilberto àquela fazenda enlameada em Iacanga, no interior de São Paulo, parecia um detalhe pouco importante para a maioria dos acampados na Fazenda de Águas Claras.
Os mais barulhentos estavam ali em nome do rock. Pois, se ali era uma versão brasileira de Woodstock, ali era lugar de rock. Mas para os produtores, capitaneados por Antonio Cechin Júnior, o Leivinha, era muito mais do que isso. E João Gilberto até que mereceria a Limusine que reivindicou para chegar à fazenda. Mas acabou tendo de ir de trator mesmo.
O Brasil é um lugar especializado em assimilar o espírito da coisa, e dar-lhe um corpo peculiar. Os modernistas de 22, quase um século atrás, captaram esse talento antropofágico. Que o diga o samba que dormiu com o jazz e acordou com a Bossa Nova.
O ritmo de Woodstock era o rock, mas a atmosfera era de guerra do Vietnã. E ainda que a inspiração de Águas Claras fosse Woodstock – paz, amor, justiça e liberdade em tempos de Guerra Fria –, o ritmo por aqui, após duas décadas de ditadura e repressão cultural, era maior do que o rock. Maior do que a bossa, mas filho dela.
Foram quatro dias chuvosos naquele festival. Para chegar lá, aos 18 anos, desempregado, como não pouca gente naquele 1983, rifei um três-em-um da marca Grundig. Meia-boca. Toca-discos, toca-fitas e rádio. Deu para pagar o frete do ônibus que saiu de Santo André e para entrar na fazenda pela porta da frente, comprar os enlatados para comer e a garrafa de Domeq que duraria até o último acorde de João Gilberto.
Fui, ao lado de pessoas queridas, movido ao repertório. Adoro rock, mas “só” o rock não valeria o sacrifício. Iacanga prometia Dodô e Osmar. Oswaldinho do Acordeon. Premê. Língua de Trapo. Raul Seixas. Sá e Guarabira. Expresso Rural. Sivuca. Paulinho Boca de Cantor. Wanderléia e Erasmo Carlos (ela foi num dia, ele noutro, vai entender), Wagner Tiso. Arthur Moreira Lima. Paulinho da Viola. Fagner. Moraes Moreira. Sandra Sá (não era “de” Sá ainda). Jorge Mautner. Luli e Lucina. Tinha muito mais, não vou lembrar.
Dedico a Walter Franco, com sua espinha ereta, o grande momento de transição da impaciência do público com a falta de “Raul” e de “rock”, para uma noite sublime de música pura. Da noite do sábado para a manhã de domingo, depois dele, vi roqueiros alucinados trocando o “toca Raul” por um bis de Arthur Moreira Lima. Vi uma transição natural de Erasmo para Paulinho da Viola. Sempre com a obrigação do “mais um”.
E consegui ver João Gilberto entrar no palco sob céu ainda escuro. A paz geral da nação que estava começando ali a enterrar a ditadura esteve sob sério risco. É que a primeira saudação de João Gilberto foi acompanhada de uma microfonia. Suspense. O momento de tensão fez lembrar os violinos eternizados da cena do banho em Psicose. Mas, surpreendentemente, João Gilberto tocou em frente, e fez ali o melhor show de sua vida – segundo dizem que ele disse. E eu acredito.
Para quem deu o toque mágico que fez de Chega de Saudade um divisor histórico entre Antigo e Novo Testamento da música brasileira; para quem some por meses para reaparecer com Oba-Lá-lá (Quem ouvir o oba-lá-lá/ Terá feliz o coração/ O amor encontrará/ Ouvindo esta canção) e Bim Bom (É só isso o meu baião/ E não tem mais nada não/ O meu coração pediu assim, só); para quem fica exageradamente transtornado diante de uma tosse ou um pedido de música durante um show para grã-finos… aquilo tudo era inacreditável. Ou tudo o que ele sempre quis.
Era verdade. João Gilberto foi capaz de cantar para um público sedento por rock, entre 5h30 e 7h da manhã, por aí, todas as canções que caberiam em um álbum de greatest hits de sua bossa. Fez três noites de chuva, iniciadas numa quinta-feira cinza, culminarem num nascer de sol deslumbrante e inexplicável de uma manhã fria de domingo.
Não posso dizer que tiro de memória tudo que escrevo. Vi recentemente no festival É Tudo Verdade um documentário precioso dirigido por Thiago Mattar. O Barato de Iacanga. É um dos mais bem elaborados documentos sobre o que foram as três, quase quatro, edições do Festival de Águas Claras (1975, 1981, 1983 e 1984). Duvido que apareça algum inventário tão rico desses eventos como o reunido nesse filme do Thiago e companhia. Melhor do que isso, só estando lá. Eu estive. Nos dois baratos de Iacanga.
Talvez aquele amanhecer catártico possa explicar um pouco o significado de João Gilberto para a música do mundo. De cada três pessoas que ali estavam, duas pularam as cercas por falta de grana. E não era por mal, era um misto de aventura com não tem outro jeito. Do outro lado, tanta gente boa da música, que estava ali tocando e que não estava, deve a João Gilberto pelo menos dois terços de sua inspiração.
João fez de sua obra uma mina de ouro, material e imaterial, exposta a céu aberto. Seu tesouro não cabe num baú. No fim da vida, escondeu-se da pequenês humana em seu pijama. E numa melancolia que “não sai de mim, não sai”.

Escritora brasileira torturada na ditadura acusa o pai pela sua prisão: “era agente da CIA”

06 DE JULHO DE 2019, 23H14

Escritora brasileira torturada na ditadura acusa o pai pela sua prisão: “era agente da CIA”

Karen Keilt diz ter provas documentais da colaboração de seu pai, Frederic Birchal Raborg, com os CIA, mas que não tem maiores detalhes porque só as conseguiu após a sua morte. Para ela, a hipótese mais provável é que Raborg teria se apropriado de dinheiro que a CIA enviou através dele ao governo militar da época, e que sua prisão teria sido uma represália por isso.
A escritora brasileira Karen Keilt (Foto: Arquivo pessoal)
A escritora brasileira Karen Keilt passou boa parte de sua vida tentando encontrar as razões que a levaram a passar 45 dias nos porões do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), em São Paulo, em plena ditadura brasileira, onde ela foi torturada e estuprada. Sua tragédia pessoal aconteceu no ano de 1976, e ela nunca soube explicar, já que não era uma opositora do regime.
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Após anos buscando respostas, ela finalmente as encontrou, e as revelou em uma recente conversa com leitores, na cidade de Phoenix, onde confessou: “todos os meus pesadelos foram confirmados quando soube que meu pai trabalhou para a CIA”.
A autora, que vive nos Estados Unidos há 40 anos, disse ter provas documentais da colaboração de seu pai, Frederic Birchal Raborg, com os CIA (Agência Central de Inteligência), mas que não tem maiores detalhes sobre as razões de sua prisão porque só teve acesso a tais evidências após a sua morte (em 1996). Contudo, ela acredita que a hipótese mais provável é que Raborg teria se apropriado de dinheiro que a CIA teria enviado, através dele, ao governo militar da época, e que sua prisão teria sido uma represália por isso.
Keilt afirma que tentou perguntar ao pai várias vezes sobre o tema, mas sempre era impedido pela mãe e os irmãos: “não precisa falar disso, seu pai vai ficar furioso, você tem que esquecer o que aconteceu e andar para frente”, dizia sua mãe. Ela também lembra que, durante os últimos dias de vida de Raborg, já no hospital, ela finalmente o questionou sobre o caso, mas sua resposta foi “nunca vou falar sobre isso”. O pai faleceu no dia seguinte.
Em 2011, Karen Keilt lançou o livro The Parrot´s Perch”, em tom autobiográfico, no qual fala sobre a experiência da prisão e da tortura. O título faz alusão ao pau-de-arara, instrumento de tortura usado na ditadura brasileira, e do qual ela foi vítima. O livro não possui versão em português.
A escritora também reconhece que os trabalhos da Comissão da Verdade, criada pelo governo de Dilma Rousseff, foram essenciais para que ela soubesse da verdade sobre o seu caso. Em 2014, ela encontrou uma série de fotos e arquivos levantados pela comissão que demonstram que Raborg trabalhou para divisões da inteligência americana durante por cerca de 20 anos, e chegou a ser figura próxima de generais presidentes comoErnesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985).