segunda-feira, 15 de maio de 2017

Antonio Candido: 'o socialismo como caminho para a igualdade é uma doutrina triunfante'

Antonio Candido: 'o socialismo como caminho para a igualdade é uma doutrina triunfante'


Em entrevista realizada em 2011, crítico literário e sociólogo morto nesta sexta-feira (12/05) fala sobre livros e militância: 'O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue'
Antonio Candido, um dos maiores intelectuais do país, morreu nesta sexta-feira (12/05) aos 98 anos, em São Paulo. Como resgate de seu pensamento e militância, reproduzimos esta entrevista do crítico literário e sociólogo realizada em agosto de 2011 por Joana Tavares e publicada no jornal Brasil de Fato.
Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.
Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. “O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.
Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?
Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.
O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?
Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética. Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado “Literatura e sociedade” que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como “O cortiço” [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.
Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?
Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.
O que é mais importante ler na literatura brasileira?
Machado de Assis. Ele é um escritor completo.
É o que senhor mais gosta?
Não, mas acho que é o que mais se aproveita.
E de qual o senhor mais gosta?
Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos… Acho que já li “São Bernardo” umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: “a tradução matou a obra”, então a obra era boa, mas não era grande.
Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?
É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. “A divina comédia” é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.
O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?
Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?
O senhor acha que vai?
Não sei. Eu não tenho nem computador… as pessoas me perguntam: qual é o seu… como chama?
E-mail?
Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas… Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos… que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.
E o que o senhor lê hoje em dia?
Eu releio. História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.
Reprodução YouTube

Antonio Candido: 'O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.'

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O senhor é socialista?
Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.
Por quê?
Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.
O socialismo como luta dos trabalhadores?
O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.
Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?
Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.
O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?
O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão - e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).
A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?
Conheci em Poços de Caldas… essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: “é melhor ser fascista do que não ter ideologia”. Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.
E o dever da atual geração?
Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.
No seu livro “Os parceiros do Rio Bonito” o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?
Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia… Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: “ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?”. Eu disse pra ele: “não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra”. Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria… Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: “mas é claro que não vende, o carro não acaba”. O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Com os amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros fundou a revista Clima. Com Gilda de Mello e Souza, colega de revista e do intenso ambiente de debates sobre a cultura, foi casado por 60 anos. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, em 1954. De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, onde foi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando obras literárias. É autor de inúmeros livros, atualmente reeditados pela editora Ouro sobre Azul, coordenada por sua filha, Ana Luisa Escorel.
Entrevista publicada originalmente em agosto de 2011 pelo jornal Brasil de Fato

FAZER COM OS GOLPISTAS O QUE LULA FEZ COM MORO

Fazer com os golpistas o que Lula fez com Moro

Emir Sader


O golpe montou um cerco em torno da esquerda e do movimento popular. O cerco do preconceito monstruosamente forjado pela velha mídia, o cerco institucional pela judicialização da política, o cerco político pela ofensiva antipopular da maioria direitista no Congresso – montaram um dique de contenção contra os interesses populares, que precisa ser desmontado.

Lula fez algo similar com Moro no depoimento do dia 10, fazendo com que o feitiço virasse contra o feiticeiro. As perguntas de Lula foram sumamente incômodas para Moro.

Lula retomou a iniciativa, desmontou as acusações contra ele, deixou Moro sem ação, sem nem sequer o poder de interromper o Lula.

Antes de tudo, portanto, como fez Lula com Moro, responder a tudo, esclarece a tudo, com exaustão, porque a razão que temos é o nosso argumento mais forte. O convencimento, a persuasão, a consciência dos problemas e das soluções é o instrumento decisivo para darmos volta à situação politica do país.
O movimento popular está na defensiva desde a ofensiva que levou ao golpe.

O governo passou a ditar a agenda, a tomar iniciativas, valendo-se da sua enorme maioria parlamentar e do poder da velha mídia, para deslocar a pauta para seus projetos de desmonte de tudo o que foi construído desde 2003.

Mesmo isolado e desgastado, o governo tem a iniciativa, porque pode contar com o beneplácito da mídia e com maioria no Congresso. Enquanto contar com isso, pode sobreviver e prestar serviços à direita e ao capital financeiro.

Precisamos sair do cerco e passar a cercar o governo.

As mobilizações convocadas para Brasília podem ser o momento de virada da situação estratégica da defensiva para a de ofensiva, pelo menos para promover um empate estratégico com o governo.

Atacar no cenário decisivo e simbólico.

A reforma da Previdência tornou-se o embate de virada. Valer-nos da vitória que temos na opinião pública com dados arrasadores contra a iniciativa do governo – e a própria declaração do Michel Temer de que a aprovação da reforma da Previdência não é decisiva, ao contrario do que afirma Meirelles todos os dias – para levar o governo à sua primeira grande derrota politica, é o caminho.

Uma derrota que tem se configurado não apenas nas concessões que o governo tem feito, mas principalmente nos adiamentos que tem promovido, forma típica de recuo desse governo fraco e covarde.

Temos que cortar a capacidade de ação do governo, que residiu na certeza do apoio da velha mídia e da maioria no Congresso.

Que ele tenha cada vez menos certeza nesses dois instrumentos de apoio, principalmente em que pode aprovar seus projetos, mesmo quando passou a ser reprovado na opinião pública.

Precisamos amputar a capacidade de iniciativa do governo, reduzi-lo à impotência, cercado pelo movimento popular, condenado pela opinião publica, contando cada vez com menos apoio parlamentar e político, criticado cada vez mais pela velha mídia.

Estamos, depois da greve geral e das manifestações de Curitiba, em um momento de virada na correlação de forças entre a oposição e o governo, entre as forcas democráticas e as forcas golpistas.

Precisamos consubstanciar isso em iniciativas politicas nossas, diante das quais o governo e a mídia tenham que se pronunciar, recuperando a iniciativa por parte do campo popular.

A reivindicação das diretas já é um tema, mas podemos fazê-la acompanhar da criação de um consenso da necessidade de convocação de uma Assembleia Constituinte, para reformar o sistema politico.
Podemos apresentar propostas no Congresso, lutar para colocar em pauta esse tema essencial, que nos faz recuperar iniciativa na grande agenda nacional, provocar a que os outros tenham que e pronunciar sobre ela.

Podemos também manter a iniciativa no plano das mobilizações de massa, nas quais a defesa do Lula – como se viu em Curitiba – é uma reivindicação que unifica a todos os movimentos populares, porque se identifica com a restauração da democracia.

O lançamento da pré-candidatura do Lula no Congresso Nacional do PT pode ser o marco para grandes atividades de discussão e proposição das plataformas que deve ter um novo governo de esquerda no Brasil.

Precisamos repor a centralidade da questão social – da desigualdade, da pobreza, da exclusão social –, condição das nossas vitórias eleitorais, que se perdendo, conforme a direita foi impondo a centralidade da questão da corrupção no Brasil.

Assim como precisamos recuperar a confiança na potencialidade do Brasil – que o Lula tanto realça -, que a direita foi debilitando, desmontando o modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda, recuperar o prestígio do Estado, como prestador de serviços à população, mas também como comando da retomada do projeto estratégico do Brasil como potência democrática, econômica e social.

O Brasil vai decidir daqui até o fim de 2018, no espaço curto de 18 meses – DEZOITO! - o seu futuro, projetado em toda a primeira metade do século.

Ou a direita tem força para dar outro golpe e se consolidar no poder ou as forças democráticas e populares conseguem retomar o governo e realizar as profundas transformações que o país requer e desenhar um Brasil democrático, solidário, soberano, com o que aprendemos a sonhar com o Lula.

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CONSTITUINTE PARA QUEM?

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Roberto
  Amaral

Pensar
Brasil

Constituinte para quem?

Uma nova Constituição agora seria naturalmente uma carta autoritária, reacionária, deslavadamente entreguista, antipovo e antinação.
As forças dominantes da Constituinte de 1946 estavam unidas em torno de um projeto liberal-democrático.
E hoje?
São  diversas, por óbvio, as óticas mediante as quais é possível interpretar a História, passo primeiro e indispensável para a correta intervenção no processo social.
A História pode ser vista como processo, derivado da intervenção humana, como também pode ser vista, e o é frequentemente, como um fato autônomo, objetivo, pronto, acabado, parado. 
A primeira hipótese lembra uma sucessão de fatos que se encaixam segundo uma determinada lógica que se expressa mediante o movimento, ou, mais precisamente, uma progressão dialética; a segunda lê a História como quem contempla um fotograma, uma pintura, um quadro de arte pendurado na parede.
Essa visão é irmã gêmea do dogma. Nela, a verdade é atemporal, a realidade está congelada, as palavras de ordem e os pleitos políticos estão imunes à intervenção da vida real.
Ilustração desta visão é o enredo do romance A ponte do Rio Kwai, do francês Pierre Boulle, que se fez mundialmente conhecido pelo filme (de mesmo nome)  que teve Alec Guinness num dos melhores momentos de sua longa carreira cinematográfica.
A história é simples, é possível resumi-la.
Prisioneiro dos japoneses, na II Guerra Mundial, o Cel. Nicholson é intimado a construir uma ponte, fundamental para a estratégia nipônica. Nosso herói não apenas aceita o encargo como o executa, comandando sua tropa de prisioneiros ingleses com rigor técnico, esmero e dedicação, até paixão, porque é assim que sua formação ética dirige seu trabalho e sua vida. Não lhe confrange, porém, saber que aquela ponte era fundamental para o esforço de guerra japonês. Fala mais alto seu compromisso com a engenharia. E quando os soldados americanos e ingleses chegam para destruir o engenho, o pobre Nicholson, desesperado, tudo tenta para salvá-lo. Porque o fundamental, para ele, era sua honra depositada na obra, e exatamente por isso ele a defendia com unhas e dentes, sem cogitar das consequências de seu uso pelos japoneses.
Essas imagens me ocorrem quando setores da esquerda brasileira, mais próximos de Hegel do que de Marx, estão a defender a convocação de uma Constituinte, para já, sem cogitar da correlação de forças que determinará sua composição e seu conteúdo.
Nada mais legítimo e nada mais necessário do que uma Constituinte para “passar o País a limpo”, como reclamava Darcy Ribeiro. Mas, antes, precisamos desmantelar o golpe e reconquistar a sociedade.
A Constituinte de 1946 instalou-se após a queda de Vargas e a de 1988, na sequência da derrubada da ditadura militar. Ambas foram precedidas de grandes mobilizações populares e, principalmente, avanço político, mas mesmo assim estivemos longe de conquistar a hegemonia, embora tenha sido possível muitas conquistas na ordem democrática e social com o texto de 1988.
O atestado de sua relevância é o denodo com o qual os presidentes eleitos sob o novo regime constitucional se empenharam na sua descaraterização.
Nesse sentido foram campeões José Sarney e FHC, aquele que prometeu “enterrar a era Vargas”, depois de pedir que esquecêssemos o que havia escrito em seu tempo de sociólogo.
Como é sabido, não tivemos forças para salvar os principais avanços – e assim a Constituição ‘cidadã’ sofreu 95 emendas que atingiram, principalmente, os direitos trabalhistas, a defesa da economia nacional e nossa soberania.
Mesmo assim nos trouxe até aqui. Para desestabilizá-la fez-se necessário um golpe de Estado reacionário que reuniu ao capital rentista o atraso político do agronegócio e as mais reacionárias seitas religiosas, como os diversos setores do neopentecostalismo.
São símbolos dessa desmontagem – que nos desafia – a “reforma trabalhista” cujo único objetivo é retirar direitos que remontam há mais de 60 anos, fragilizando ainda mais o trabalho em face do capital, e a reforma  da Previdência, que pretende punir aqueles que mais dela necessitam, os pobres. Cogita-se, até, de acabar com a Justiça do Trabalho, acusada de protetora da classe operária.
Mas nada é tão significativo dos crimes em andamento que o projeto de certo líder tucano que simplesmente pretende revogar a Lei Áurea! Sua excelência propõe que a jornada de trabalhador rural passe para 12 horas e em vez de salário receba comida e choupana para morar.
A alta burguesia rural, protegida pelo Estado sob seu controle, beneficiária de empréstimos que não são pagos, consumidora dos investimentos da Embrapa, descomprometida com objetivos nacionais, voltada para o mercado exterior, não faz concessão na luta de classe, num didatismo que torna incompreensível aqueles que ainda apostam na conciliação.
O outro lado dessa luta de classe, que se opera contra os trabalhadores e contra o país, é o avanço de uma visão reacionária, protofascista, de Estado e sociedade, disseminada diariamente, insistente e sistematicamente pela mídia monopolizada ideologicamente. Uma imprensa que desde muito renunciou ao jornalismo para transformar-se em trincheira do pensamento e da ação de direita.
Esse proselitismo tem dado frutos, como lembra o esforço midiático visando à desestabilização da presidente Dilma, a campanha pelo impeachment, a implantação do golpe. E, presentemente, sua sustentação.
Um e seus frutos – e nesse afã a razia fascistoide conta com a colaboração de setores desgovernados do Poder Judiciário e do Ministério Público –, é a desmoralização da política, dos políticos e dos partidos.
Para quê e por quê?
Ora, não há possibilidade de vida democrática sem partidos e sem políticos. A desmoralização da política e dos políticos foi o aríete da direita brasileira, que, com a omissão comprometedora dos liberais e a ação da imprensa, criou as condições subjetivas necessárias ao golpe de 1964.
Essa mesma tática é renovada presentemente, com os mesmos objetivos.
Sem descartar as perspectivas futuras de uma Constituinte, a tarefa do curto prazo é a defesa da ordem constitucional democrática, ponto de partida para a retomada da hegemonia, e a salvação, sem casuísmos, das eleições de 2018.
Aos pobres e deserdados a democracia é fundamental, tanto quanto o governo de exceção é o regime de preferência das classes dominantes.
Lamentavelmente, não estão presentes as condições políticas que asseguraram a convocação das constituintes de 1946 e 1988, e muito menos os textos democráticos que legaram.
Esta é a questão central, pois a política, em qualquer tempo e onde quer que se experimente, é produto da correlação de forças.
E esta, hoje, não nos é favorável.
Esta conclusão mais do que óbvia, não descarta o projeto maior – uma Constituinte –, apenas nos adverte da necessidade de conhecer previamente sua oportunidade, pois seu projeto só se justifica, para nós, como instrumento de avanço dos interesses da democracia e das grandes massas.
Esta é a questão fulcral: não se trata, para nós, da defesa pura e simples de uma Constituinte, mas de uma determinada Constituinte. Tanto assim que a direita também a reivindica, pelas páginas autorizadas do O Estado de S. Paulo, e pela pena de seus intelectuais orgânicos, de que é exemplo o ‘Manifesto’ assinado por Modesto Carvalhosa, Flávio Bierrenbach e José Carlos Dias.
A Constituinte das elites – condicionada pelo monopólio político-ideológico, reacionário e golpista, dos meios de comunicação de massa associados ao capital internacional – é a promessa, hoje, de uma carta autoritária, reacionária, deslavadamente entreguista, antipovo e antinação.
Já a Constituinte de que carecemos, sustentada pelas ruas cheias de povo, é aquela que – a partir de novo pacto – tenha forças para escrever uma Carta que retome as conquistas históricas de nossa gente e avance no plano da democracia.
Hoje, não temos condições de garantir esse salto de qualidade.
Para nos habilitarmos à Constituinte, projeto de médio prazo, precisamos cuidar de nossas organizações partidárias, em crise exposta, e contribuir para a reorganização do movimento social, de que a Greve unitária de 28 de abril foi um marco.
Esses dois objetivos construirão as bases políticas necessárias à construção de uma Frente Ampla (como a que precipitou a derrota da ditadura em 1984) na qual, ao lado das esquerdas, orgânicas ou não, caibam todos aqueles que conosco estejam dispostos a resistir e derrotar o atual governo. E precisamos, por óbvio, travar a luta ideológica.
Ao lado da resistência congressual e popular, contra as ‘reformas’ da ordem do dia do Planalto, precisamos discutir com a sociedade os diversos projetos de reforma política, que podem definir as condições de disputa das eleições de 2018, que precisamos assegurar (e só a mobilização popular assegurará) em condições de justa competitividade.
Essa reforma, à mercê desse Congresso e do conluio com o Planalto, jamais será aquele que fala aos interesses das massas, mas, a contar com nossa capacidade de mobilização, poderá compreender alguns avanços, como a continuidade da proibição do financiamento privado das campanhas eleitorais de par com seu barateamento, o voto em listas fechadas, e o fim da reeleição.
Ao fim e ao cabo, uma certeza: nunca foi tão importante para as forças populares a defesa da ordem constitucional democrática, agredida por um governo ilegítimo e um Congresso sem representatividade.

* Cientista político e ex-ministro de Ciência e Tecnologia

Fonte: Blog do Roberto Amaral

LULA: COMEÇA A CONTAGEM REGRESSIVA

LULA: COMEÇA A CONTAGEM REGRESSIVA


O tão esperado "duelo" entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz Sergio Moro será para sempre lembrado como um dos momentos mais marcantes da história do País. Como diria Lula, nunca antes um réu chegou para depor nos braços do povo, num tribunal isolado e cercado por policiais, de onde saiu para um comício onde foi saudado aos gritos de "presidente".

Nada disso, no entanto, muda o destino de Lula, que, na prática, já está condenado pelo juiz Sergio Moro. Ainda que não existam provas materiais da posse do tal "triplex do Guarujá", Lula será sentenciado, dentro de algumas semanas, por seu "conjunto da obra" – não por ter tirado 40 milhões de pessoas da pobreza ou conduzido o Brasil no seu período de maior crescimento com distribuição de renda, mas por ter mantido, aos olhos da força-tarefa curitibana, relações próximas demais com grandes empreiteiras.

A partir de agora, começará uma contagem regressiva que tentará subordinar o Poder Judiciário ao calendário político do País. Como já demonstraram diversas pesquisas, se as eleições presidenciais ocorressem hoje – como, por sinal, é o desejo de 85% dos brasileiros – Lula seria eleito mais uma vez presidente da República. No entanto, como ainda faltam quase 18 meses, a estratégia das forças que derrubaram a presidente Dilma Rousseff será pressionar o Tribunal Regional Federal da 4a. Região, para que Lula seja condenado em segunda instância e se torne "ficha-suja", tornando-se, assim, impedido de concorrer.

Essa manobra atende aos interesses da direita orgânica brasileira, que ainda não tem um candidato. Seus principais nomes, no PSDB, também foram abatidos pela Lava Jato e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que hoje desponta em segundo lugar nas pesquisas, sendo o grande beneficiário da destruição do sistema político brasileiro, não inspira a confiança do chamado sistema político e econômico.

Inabilitar Lula, no entanto, é uma estratégia de altíssimo risco. Lula tem voto, tem carisma e tem povo, como ficou demonstrado na última quarta-feira. Retirá-lo das urnas por meio de uma decisão judicial significaria excluir da disputa, com uma canetada jurídica, praticamente todo o campo popular, enfraquecendo ainda mais a já combalida democracia brasileira e reduzindo a disputa a um jogo oligárquico. Se o Brasil ainda quiser ter o respeito da própria população e também da comunidade internacional, Lula terá que ser julgado pelo povo.


www.brasil247.com 14/05/2017

Defesa diz que Lava Jato restringe acesso a documentos e ofende memória de Marisa


Defesa diz que Lava Jato restringe acesso a documentos e ofende memória de Marisa

POLÍTICA
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Advogados de Lula rebatem alegação de procuradores sobre suposta tentativa de atribuir culpa a ex-primeira-dama, e reclama do desequilíbrio no acesso a documentos da Petrobras
Da Rede Brasil Atual
Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmam que integrantes da Operação Lava Jato atentam contra a memória da ex-primeira-dama Marisa Letícia, ao afirmar que Lula teria tentando transferir responsabilidades à mulher, morta em fevereiro, durante depoimento ao juiz Sérgio Moro na última quarta-feira (10). 
Em nota divulgada nesta quinta (11), a defesa do ex-presidente diz que dona Marisa "jamais cometeu qualquer ilegalidade ao longo da vida e sempre mereceu o respeito de todos", e que não poderiam justificar nem denúncia nem ação penal contra ela. E que desde antes de sua morte todos os argumentos da defesa sobre o papel de Marisa no caso já era apresentado aos acusadores. A defesa afirma, ainda, que causa "espanto" que até agora a ex-primeira-dama não tenha sido inocentada sumariamente, como determina a lei em casos de falecimentos.
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"Causa assim estranheza que o depoimento do ex-presidente ao Juízo de Curitiba, no que tange a sua esposa, tenha recebido os comentários da Força Tarefa que a imprensa explorou hoje. O testemunho de Lula, ontem, não diverge do que ele e nós, seus advogados, já vínhamos afirmando há mais de um ano." 
Em outra nota, os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins reclamam que ainda não tiveram acesso a todos os documentos da Petrobras relacionados ao processo, mas apenas àqueles que foram selecionados pelos advogados de defesa da estatal que, nesse caso, atuam assistentes da acusação. A defesa de Lula questiona a disparidade em relação às demais partes envolvidas, que tiveram acesso a toda documentação. 
"O que a defesa questionou ontem – e foi registrado pela advogada Valeska Martins à imprensa, em Curitiba – é que, enquanto o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a assistente de acusação têm acesso a todo e qualquer material da empresa para usar na ação, isso é negado à defesa de Lula. Não se trata de conhecer apenas materiais selecionados – como a ata a que se referiu a Força Tarefa - o que fere a garantia da paridade de armas", alegam os advogados de Lula. 
Ainda na terça-feira (9), um dia antes do depoimento do ex-presidente à Justiça Federal, a defesa entrou com reclamação disciplinar contra o juiz Moro, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em que pedem "eventual imposição de sanções disciplinares" pela proibição de gravação do depoimento por parte da defesa.

Fonte: Caros Amigos