terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Xadrez do inacreditável mundo dos Bolsonaro, por Luis Nassif

Xadrez do inacreditável mundo dos Bolsonaro, por Luis Nassif

Peça 1 – os núcleos de poder

Conforme já descrevemos em outros Xadrez, há quatro grupos iniciais de poder do futuro governo Bolsonaro.
  1. A corte familiar, englobando os três filhos, mais os ministros ideológicos.
  2. A núcleo militar, ocupando a infraestrutura e monitorando as ações de Bolsonaro, corrigindo cada declaração estapafúrdia.
  3. Paulo Guedes e seus chicagos boys.
  4. Correndo por fora, Sérgio Moro tentando fincar uma torre fora do alcance de Bolsonaro.

Peça 2 – sobre a a família Bolsonaro

Trata-se de um jogo de fácil previsão:
  1. Bolsonaro, o Jair, é emocionalmente frágil, intelectual e socialmente dependente dos filhos.
  2. Os filhos têm a agressividade dos toscos. Não se trata meramente de grossura. Grosso por grosso, ACM era, assim como Gilmar Mendes e outros personagens da política, mas que sabem utilizar a grossura como recurso político. Os Bolsonaro são grossos de graça, primários, valentões de rede social.
  3. Agora, as revelações do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) comprovam que a família compartilha hábitos comuns ao baixo clero político, de receber mesadas e dinheiro de fontes desconhecidas. Não têm escrúpulos, mas também não têm a sofisticação para as grandes tacadas.
  4. O caso COAF foi apenas um aperitivo. A rapidez com que Flavio Bolsonaro e o futuro governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, correram a anunciar negócios milionários com Israel, na área de segurança, mostra um apetite e uma imprudência que atropelam qualquer noção de autopreservação.
  5. Há pistas que surgiram ao longo dos últimos tempos, mostrando ligações dos Bolsonaro com policiais ligados a milícias. Pode ser que sejam apenas apoiadores da família. Mas, com a total falta de noção dos irmãos, e com dinheiro brotando nas contas dos seguranças, reforçam as suspeitas de seu envolvimento com as milícias.
  6. A maneira como reagiram às denúncias demonstra falta de malícia a toda prova. Indagado sobre o dinheiro recebido pelo segurança, Flavio Bolsonaro limitou-se a responder que ele é de sua estrita confiança e não há nada que o desabone. Claro que é de sua estrita confiança! Como o contador de Al Capone era de sua estrita confiança. Só faltava terceirizar operações dessa natureza para alguém que não merecesse sua confiança.
  7. Indagado sobre o tema, Onyx Lorenzoni, o porta-voz político, limitou-se a perguntar “onde estava a COAF” nos escândalos petistas. Recorreu ao álibi universal – de se defender mencionando o PT -, sem saber que a COAF foi peça central no rastreamento do dinheiro pela Lava Jato.
  8. O pai Jair teve comportamento pior. Depois de segurar a taça do campeonato do Palmeira com total desenvoltura, alegou recomendação médica para fugir do primeiro evento público após a divulgação da denúncia. Bateu em retirada mesmo.
Tem-se aí, portanto, um quadro de ampla vulnerabilidade para a governabilidade do futuro governo.

Peça 3 – a esperteza de Sérgio Moro

O abre-te Sésamo de Sérgio Moro continua sendo a cooperação internacional. Sua última tacada é a tentativa de induzir o Congresso a aprovar uma legislação tendo por base a resolução 1373, de 2001, do Conselho de Segurança da ONU, sobre lavagem de dinheiro e terrorismo.


Hoje a CBN diz que se o Brasil não adotar essa legislação irá para as catacumbas do inferno, perderá investimentos, dinheiro sairá do Brasil.
Explica nosso colunista André Araújo:
  1. Resoluções da ONU são milhares, e de valor sempre RELATIVO. Alguns países cumprem, muitos nem tomam conhecimento. Os EUA usam essas resoluções quando lhes convém, quando não ignoraram completamente. Israel nem se fala, a Rússia e a China descumprem a maioria.
  2. Essa Resolução veio no rescaldo do 11 de Setembro nos EUA e seu foco é muito mais o terrorismo do que o tráfico, corrupção, crimes financeiros. Mas como é um balaio onde cabe tudo o que se quiser colocar.
  3. A Resolução já está rondando há mais de 15 anos, e o Brasil até agora não tomou conhecimento. A própria consultoria jurídica da ONU opinou que a resolução 1273 é ilegal dentro do direito internacional. Lia aqui: “Medidas do Conselho de Segurança contra terrorismo não têm base legal, afirma especialista independente da ONU
  4. O Ministro Moro joga com a bandeira da ONU, na verdade ele quer  mais poder. O Brasil não está sendo pressionado pela ONU. Esse modo de usar a mão da ONU, do FMI, da OCDE, do Banco de Liquidações Internacionais como arma interna de poder é esperteza antiga.
Nos próximos meses Moro terá que enfrentar desafios bem mais complexos do que como juiz da Lava Jato. Estará sob exposição constante. E terá que demonstrar uma desenvoltura muito maior do que nos interrogatórios de réus e testemunhas.
Além disso, terá pela frente as denúncias contra aliados. Na Lava Jato havia o álibi de que o alvo único era o PT por ser ele o partido que estava no poder.
Será difícil encontrar outra narrativa para eximi-lo de atuar nas denúncias envolvendo o governo Bolsonaro.

Peça 4 – Paulo Guedes e seus chicagos boys

Paulo Guedes continua preso ao dogma de que um ajuste fiscal imediato e radical trará imediatamente os investimentos de volta. A ideologia cega o impede de pensar qualquer política anticíclica.
Esta semana, Michel Temer divulgou a relação das heranças virtuosas que deixará para o sucessor, provavelmente antes de ser preso por corrupção. Entre elas, investimentos de ordem de R$ 300 bilhões prontos para serem deflagrados.
Na verdade, a carteira de financiamentos aprovados pelo BNDES é bem maior do que essa quantia. Mas está tudo paralisado pelas loucuras cometidas pela Lava Jato do Rio de Janeiro, os atos atrabiliários contra funcionários do banco, criminalizando operações normais. O governo Temer não teve sequer a competência de destravar esses financiamentos. E, agora, os apresenta como se tivessem sido preparados em sua gestão.
Nesse ponto, a entrega da infraestrutura para os militares facilitará esse destravamento.
Mas as expectativas fantasiosas do mercado – como a de uma reforma radical da Previdência – não sairão do papel.
Tem-se, hoje em dia, um quadro complexo:
A recessão continua derrubando a arrecadação fiscal. A nova lei trabalhista, ao desestimular o emprego formal, está reduzindo drasticamente as contribuições previdenciárias e a arrecadação fiscal.
A ideia de instituir um regime de capitalização é totalmente fantasiosa. Hoje em dia o sistema é de repartição simples: isto é, a arrecadação de hoje paga os benefícios de hoje. Se a arrecadação está sendo insuficiente para a repartição simples, de onde tirará recursos para a capitalização? Por acaso irá reduzir os benefícios aos militares ou ao funcionalismo público?
A reforma ocorrida anos atrás, instituindo um regime de capitalização para novos funcionários, é a maneira correta, com os benefícios aparecendo gradativamente. Não há milagres que tragam resultados instantâneos.
As únicas medidas de resultado imediato seriam um encontro de contas com os estados, visando resolver a questão da previdência estadual. Mas dificilmente a equipe de Guedes terá imaginação criadora e convicção cartesiana para superar o ideologismo rotundo que a domina.

Peça 5 – o fator militar

A cada dia que passa, a cada declaração dos filhos, dos Ministros da cota dos Bolsonaros, mais nítido fica a falta absoluta de condições de governabilidade. Já se abriram as comportas do escândalo, apesar de todo antipetismo da mídia e do tempo de carência que, geralmente, se trata um novo governo.
Dependendo do ritmo dos escândalos, será inevitável o enquadramento final de Bolsonaro, obrigando-o a afastar os filhos e a reduzir a máquina de falar besteiras. E, pelo fato de ser o único centro de racionalidade do governo, cada vez mais os militares assumirão poder.

Um espelho para a classe média encontrar a Verdade nua

Um espelho para a classe média encontrar a Verdade nua

Novo livro do sociólogo Jessé Souza, 'A classe média no espelho', convida o leitor corajoso a se despedir das ilusões a ele vendidas para se ver como realmente é

 
11/12/2018 11:04
(Reprodução/Youtube)
Créditos da foto: (Reprodução/Youtube)
 
Na tradicional safra de lançamentos literários das festas, este ano particularmente apática, um livro se destaca pela sua originalidade e pela atualidade do tema. Trata-se de mais um volume da série de análises da sociedade brasileira destinadas ao grande público que o autor, Jessé Souza, de 58 anos, vem desenvolvendo, confrontando teses e desmistificando perspectivas culturais elaboradas no passado por nomes emblemáticos da sociologia brasileira. 

Desta vez Souza aponta sua mira para a constituição histórica da burguesia deste país e desconstrói mitos que ‘’perpetuam’’, como ele escreve, ‘’o desconhecimento da classe média sobre si mesma. ’’ 

O título é um convite irrecusável para quem pertence a esse segmento fundamental na sociedade e não tem medo de olhar para si mesmo sem preconceitos. Ao leitor, ele pede, na contracapa do livro (com um tratamento gráfico de apelo imediato e popular, como nos seus volumes anteriores) que tenha ‘’coragem’’ porque ‘’ às vezes detestamos a verdade que nos mostra que somos diferentes daquilo que imaginamos. ’’

A classe média no espelho – sua história, seus sonhos e ilusões, sua realidade, da Editora Sextante, é o primeiro trabalho inédito do sociólogo, professor titular de Sociologia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e ex-presidente do IPEA (2015/2016), após a publicação do seu best seller, ano passado, A elite do atraso. Um dos livros mais vendidos no fim daquele ano, por sua vez esse veio no rastro de A tolice da inteligência brasileira (2015) e de A radiografia do golpe (2016).

Os eixos dessa viagem de agora ao coração do universo da classe média brasileira são (I) A moralidade da classe média, (II) A construção da classe média brasileira e, por último, A classe média em tempos de capitalismo financeiro

Antes de concluir o trabalho, numa série de capítulos reunidos sob o título Trajetórias de vida, Souza publica entrevistas, algumas estarrecedoras, outras mais ou menos surpreendentes, um material recolhido a partir de centenas de entrevistas realizadas com pessoas das mais variadas frações da classe média, entre 2015 e 2018, em diversas cidades brasileiras.

Há uma conversa com um CEO de banco (‘’que explica como se compra o mundo’’, escreve o autor, e como essas compras funcionam com políticos e juízes), um gerente de cadeias de lojas, um casal brasileiro da zona sul do Rio de Janeiro que vive como se morasse em Oslo, um gerente de uma fazenda, um publicitário, um corretor imobiliário, uma aposentada arrependida e um engenheiro que virou motorista de Uber entre outros personagens retratados por eles mesmos. 

Alguns, racistas de classe; outros protofascistas, uns eleitores ou de Lula, de Marina Silva, de Freixo ou Bolsonaro. Uns cínicos, outros ingênuos levados pela conversa da elite que os manipula e os ilude. Todos com a inteligência ‘’sequestrada’’ pela manipulação da mídia e da alta burguesia. São fiéis representações classistas dos cães de guarda de ambos – da mídia e da chamada elite que ‘’vampiriza a sociedade e a massa da classe média. ’’ 

Em entrevista concedida há dois meses ao Le Monde Diplomatique Brasil, Jessé fala sobre o que chama de ‘’racismo de classe’’ que funciona de modo invisível e, precisamente por conta disso, de modo muito eficiente. ‘’Admira-se o bom gosto de quem entende de vinhos, de quem anda de modo elegante, de quem fala de modo articulado, de quem se expressa sem dificuldades. Isso cria uma “solidariedade” imediata e invisível entre todos que compartilham desse “estilo de vida”. 

‘’Cria também’’, diz ele, ‘’uma animosidade e um preconceito contra todos os animalizados que não compartilham do mesmo mundo. Assim, o “racismo de classe” funciona de modo invisível e, precisamente por conta disso, de modo muito eficiente.’’ 

O primeiro mito desmontado neste novo livro é o de que a massa da classe média é definida exclusivamente pela sua renda. Jessé vai além das teorias sociais que se baseiam apenas na esfera do dinheiro e do poder e faz uma análise mais profunda das ideias e dos valores morais dessa parcela da população - como registra a apresentação da Editora.

O segundo mito demolido é a concepção cultural do brasileiro como vira-lata, inferior, ignorante, emotivo e corrupto por natureza, em ‘’grande medida devido à origem católica e ibérica. ’’Esse vira-lata é percebido como que ‘’dominado pelas emoções e, portanto, animalizado e improdutivo.’’ 

Seria o avesso do mito da moralidade da classe média americana protestante, trabalhadora e honesta. Mentiras que a elite e seus intelectuais inventaram para melhor doutrinar e manipular a classe média brasileira.

Jessé reconstrói também a história dessa classe no mundo e no Brasil, e reflete sobre a posição que ela assume na relação com a elite e as classes populares no país. 

Enfim, o objetivo do livro é criar ‘’um espelho no qual as visões de mundo mais características dessa classe social possam ser vistas de um modo novo e desafiador. Não se pede do leitor qualquer conhecimento prévio; apenas coragem para olhar para si mesmo despido de preconceitos, ’’ anota a Editora.

Na apresentação do volume é evocada a parábola judaica do encontro da Verdade com a Mentira quando, depois de ludibriar a primeira, a Mentira viaja ao redor do mundo vestida com as roupas da Verdade.

Pois no fundo desse espelho de agora o leitor vai encontrar a verdade sobre a classe média deste país.

Finalizado antes das eleições deste ano, nas últimas linhas Jessé Souza observa: “O ódio cego tomou conta de grande parte da classe média e de setores populares. Jair Bolsonaro surfa nessa onda de ódio e violência irrefletidos.’’


O que está por trás do discurso de ódio

O que está por trás do discurso de ódio

A xenofobia, a rejeição da pluralidade, a mentalidade paranoica em relação ao mundo exterior e a construção de bodes expiatórios se transformaram em tendência mundial. É preciso levar a sério a questão nacional, não deixá-la nas mãos dos extremistas. Também é necessário fortalecer a coesão coletiva

 
11/12/2018 10:53
(Sr. García)
Créditos da foto: (Sr. García)
 

Lamentavelmente, no panorama europeu de renascimento do neofascismo, a Espanha já não é uma exceção. Ela acaba de ser tingida, quase de surpresa, com as pinceladas da cor obscurantista e xenófoba que estão avançando por toda parte no Velho Continente, a cor da ultradireita. Demonstra-se, mais uma vez, a sagacidade da afirmação do grande Dom Quixote: “Não há memória que o tempo não apague”.

Embora a Espanha tenha no momento apenas um grupo minúsculo, o Vox, ele é parte de uma onda de nacional-populismo neofascista que se espalha pelo mundo todo de maneira traiçoeira. Está se abrindo, sem dúvida, uma nova era de desafios importantes e sérios que as democracias terão de enfrentar, provavelmente durante umas décadas. É inegável que a globalização liberal posta em marcha no final do século passado entrou em uma fase crítica, devido à sua patente e consciente desregulação caótica, responsável por suas contradições atuais. A busca de um novo equilíbrio econômico-social planetário é, portanto, imprescindível. Enfrentar o desafio deste novo período exige imperativamente que as democracias encontrem modelos econômicos e sociais que apostem, de forma efetiva, na eliminação da grande brecha atual da desigualdade, na solidariedade, que são expectativas da imensa maioria da população arraigada na civilização do respeito mútuo e da dignidade. Ao mesmo tempo, no entanto, chama a atenção o aparecimento − como consequência dos efeitos desagregadores da globalização − de camadas sociais reacionárias étnica, cultural e politicamente, que se identificam com um discurso de ódio de experiência remota. Trata-se de uma tendência mundial, cujas características comuns são tão importantes quanto suas diferenças.

Nos EUA, a ascensão de Donald Trump veio acompanhada de uma mudança de fundo, ao mesmo tempo demográfica e racial: os trabalhadores brancos de Kansas, Detroit, Texas e outros lugares do país apoiam o magnata imobiliário porque ele promete frear a chegada dos latinos, não pagar serviços sociais aos afro-americanos, acabar com o relativismo dos valores. Eles não temem apenas perder o emprego por competir com outros países, eles também têm medo dos fundamentos da igualdade institucionalizada, assim como da mistura demográfica e étnica que a política de Barack Obama encarnava. Um temor transformado em combustível político por Trump, com uma ideologia ultrapopulista. É, em suma, um nacional-populismo new wave, que retoma muitos dos ingredientes do fascismo clássico: a rejeição da mestiçagem (da qual subjaz, para muitos, a defesa da “raça branca”), a oposição entre quem está nas camadas inferiores e quem está nas superiores, a xenofobia, uma mentalidade paranoica em relação ao mundo exterior, a política da força como método de “negociação”, a denúncia do outro e da diversidade, a hostilidade contra a igualdade de gênero, entre outros.

Outro grande país, o Brasil, também acaba de entrar neste caminho.Falamos aqui de um movimento evangélico que emergiu das entranhas das camadas médias empobrecidas e com medo, também, da liberalização dos costumes, do desaparecimento de valores morais em um país minado pelo cinismo e pela corrupção, por desigualdades crescentes, pelo fiasco da esquerda brasileira que não pôde promover uma sociedade que se voltasse ativamente para o progresso coletivo. Jair Bolsonaro não é um profeta, ele simplesmente soube inverter as promessas da teologia da libertação em teologia do ódio, com o apoio das elites militares e financeiras e dos grandes meios de comunicação. Lula e Dilma Rousseff perderam o apoio da classe média e depois foram crucificados, além disso com um golpe de Estado tramado por grupos financeiros, dirigentes políticos e alguns setores do Judiciário. A retórica evangélica arroga agora para si o papel de salvadora de um país à beira do abismo, fazendo da luta contra a corrupção seu cavalo de batalha e propondo o modelo de uma sociedade moralmente autoritária, um modelo indevidamente condenado ao fracasso, dada a excepcional diversidade e vitalidade da sociedade brasileira.

Tanto o Estados Unidos de Trump como o Brasil de Bolsonaro são testemunhas diretas e encorajam os movimentos reacionários dessas camadas sociais ameaçadas pelo rumo da globalização neoliberal. O repertório de mobilização se baseia no ideário das reivindicações nacionalistas e sua metodologia rompe com a representação política clássica: as manifestações em massa envolvem rituais extáticos de fusão com o líder, que denuncia, como uma ladainha de golpes de efeito, a decadência moral dos partidos, conclamando à recuperação urgente da grandeza perdida do país.

Na Europa, o processo de estancamento da economia há quase duas décadas (ausência de crescimento gerador de empregos) também produziu um enorme retrocesso de direitos sociais e liberdades, uma regressão de identidade que explica o surgimento dos movimentos neofascistas. Embora tenham elementos específicos, todos compartilham a mesma metodologia política em sua conquista do poder: criticam duramente a representação política, instrumentalizando a democracia que a sustenta para conseguir a vitória; reivindicam a liberdade de expressão para expandir suas exigências, mas censuram seus adversários; dirigem a energia política das massas contra um objetivo previamente construído como bode expiatório (os imigrantes, a liberdade de imprensa que põe em xeque seus discursos, etc.). Servem-se desse arsenal demagógico para evitar falar de seu programa econômico concreto. Vale tudo na batalha que travam veementemente contra a civilização (sempre “decadente”, segundo eles) e a igualdade, pois o princípio fundamental da retórica neofascista, exposto (aí sim) em todos os seus programas, é a rejeição da igualdade e da diversidade dos cidadãos.

O neofascismo europeu que surge atualmente é, por antonomásia, supremacista, individual e coletivamente. É o projeto de uma sociedade hierárquica de senhores e servos, uma visão de mundo que aceita a necessidade imperiosa de submissão a um líder, sua “servidão voluntária”. Essa submissão fica escondida atrás do sentimento de força e de vingança em relação às “elites”, que a mobilização coletiva confere ao neofascismo militante. E isso funciona porque essa ideologia, sem prejuízo de suas particularidades em cada país, gera, na identidade de seus seguidores, uma poderosa liberação de instintos agressivos e explode os tabus que limitam as expressões primitivas, violentas, nas relações sociais. O grande analista do fascismo George L. Mosse se refere a essa característica como uma liberação da brutalidade em um contexto minado pelo “abrandamento” característico da sociedade democrática.

O discurso da extrema direita propõe, certamente, uma sociedade estritamente homogênea, em pé de guerra contra tudo que possa introduzir diferenças e singularidades dentro do conjunto. A rejeição do pluralismo político – rejeição que ela promove como um projeto de gestão do poder − se baseia também na oposição frontal ao multiculturalismo, e, consequentemente, na rejeição da multietnicidade da sociedade. O modelo é o de um povo em sua essência, um povo etnicamente puro. A cultura obsessiva da pureza está intrinsecamente ligada à desconfiança em relação ao estrangeiro, à atividade crítica do intelectual − e inclusive à arte que não comungue com a estrita linha da moral autoritária vigente −, à liberdade de orientações sexuais e de identidade de gênero, à pluralidade de confissões religiosas. Não é apenas uma coincidência que o islã esteja hoje no olho do furacão neofascista na Europa: a presença de uma população de origem estrangeira que professa a religião muçulmana coloca em questão o conceito essencialista de povo homogêneo tanto no aspecto cultural como no religioso (embora o velho fascismo dos anos trinta não tivesse um apetite particular pela religião).

Uma sociedade democrática pode administrar populações misturadas e destinadas a conviver com suas contribuições mútuas à civilização humana, desde que sejam estabelecidas diretrizes seculares claras para todos. Por outro lado, uma sociedade baseada no conceito substancial de povo, no sentido que o neofascismo lhe dá, tende inevitavelmente à exclusão efetiva da diversidade. Daí que o modelo autoritário procure novamente se legitimar apelando para o perigo de religiões e culturas diferentes, que devem ser vigiadas e perseguidas para que não “contaminem” a identidade do povo.

A Frente Nacional francesa, no início de sua caminhada nos anos oitenta, fez da rejeição ao islã um eixo central de seu programa, escondendo seu tradicional antissemitismo. O partido Alternativa para a Alemanha colocou a islamofobia no centro de sua estratégia de mobilização em 2015, após a crise da chegada em massa de refugiados. Na Áustria, Itália, Bélgica, Holanda e em todos os países do norte da Europa, os refugiados também se transformaram no prato principal das campanhas eleitorais. São, igualmente, alvo da retórica ultracatólica de Viktor Orbán na Hungria e dos programas dos partidos neofascistas do Leste Europeu.

Esses movimentos, que avançam da Espanha até a Suécia, passando pelos países europeus ocidentais e orientais, compartilham, além disso, uma característica de natureza histórica: apelam para o nacional-populismo como uma reação à era da governança supranacional, resultante da ampliação do mercado europeu, dos efeitos da globalização neoliberal e das tentativas de construir instituições representativas europeias pós-nacionais. Daí o consenso em torno do objetivo de pôr em xeque a atual construção europeia, em nomeie da soberania nacional.

O que fazer diante desse desafio? Hoje, os partidos nacional-populistasneofascistas não representam mais do que entre 10% e 20% do eleitorado europeu, mas sua influência ideológica real é mais ampla. Naturalmente, é preciso diferenciar o corpo doutrinário desses partidos das representações mentais, muito menos elaboradas, dos cidadãos que os apoiam. Embora seja verdade que as causas do avanço gradual das correntes ultradireitistas são conhecidas, não existe uma posição comum das forças democráticas na hora de contê-lo.

Há, basicamente, três campos-chave de ação, e o primeiro deles é econômico. Se a democracia não caminhar em prol do progresso social, as vítimas, que são muitas, tenderão sempre a culpá-la por não haver progresso. Portanto, é necessário relançar a máquina econômica de integração profissional, que hoje depende, essencialmente, das capacidades não do mercado, como acredita a Comissão Europeia, mas sim dos Estados para incentivar o emprego. Para isso, eles precisam de uma política orçamentária mais flexível, que gere equilíbrio social. Infelizmente, essa é uma reivindicação que ainda não é levada em conta em Bruxelas.

Em segundo lugar, em face do nacionalismo reacionário e excludente, é preciso levar a sério a questão nacional, não deixá-la nas mãos dos nacionalistas xenófobos. É crucial interpretar bem a reivindicação de segurança de identidade das camadas sociais mais vulneráveis e desestabilizadas pela exclusão do emprego ou pela incapacidade de se adaptar às mudanças da sociedade moderna, que acontecem numa velocidade extraordinária. É necessário fortalecer a coesão coletiva, ou seja, a adesão ao bem comum, sem prejuízo do respeito à diversidade, sob diretrizes comuns e com valores essenciais de referência. É preciso administrar racionalmente os fluxos migratórios, não só para evitar as mentiras e a demagogia desconstrutiva sobre a imigração, como também porque a vida cotidiana se tornou muito mais competitiva e as percepções espontâneas favorecem um imaginário ilimitado de fantasias em um contexto de insegurança profissional. A economia, em todos os países desenvolvidos, precisa da imigração, e isso deve ser regulado com base no respeito pelos direitos humanos. Na Europa, um grande acordo político é imprescindível para desativar o papel que a imigração assumiu como bode expiatório.

Finalmente, deve-se assumir com firmeza a luta contra o neofascismo, explicar claramente à população o perigo que ele representa e propor pactos democráticos antifascistas àqueles que defendem a democracia e o respeito à igualdade e dignidade humana, denunciando, do mesmo modo, os que pisoteiam esses valores por razões eleitorais. Deve ser travada uma luta diária contra o nacional-populismo neofascista, pois a defesa da democracia, do bem-estar social, dos direitos e liberdades tem de ser permanente. Tomara que todos entendam isso, pois se trata do futuro da paz social!

Sami Naïr é catedrático de Ciências Políticas na Universidade de Paris e diretor do Instituto de Cooperação Mediterrâneo-América Latina da Universidade Pablo de Olavide de Sevilha. É autor, entre outros livros, de ‘La Europa Mestiza’.

*Publicado originalmente no El País

A real história dos golpes no Brasil


A real história dos golpes no Brasil

2016: Quem deu o mote para incinerar 54 milhões de votos foi Jucá: " ...tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar a sangria". E antes, como aconteceram os golpes?

 
11/12/2018 10:40
(Reprodução/O Popular)
Créditos da foto: (Reprodução/O Popular)
 
Não se pode entender as turbulências que marcaram o nosso país nos últimos anos sem uma devida compreensão histórica da política brasileira

O primeiro governante a experimentar o amargo sabor de um golpe foi o imperador Pedro II, miseravelmente traído pelos seus auxiliares mais próximos.

A badalada Proclamação da República, diga-se a pura verdade, foi um repulsivo golpe militar, urdido pela elite da época em conluio com os Marechais Floriano Peixoto, Deodoro da Fonseca e o autor intelectual do movimento, o tenente-coronel Benjamin Constant. 
 Ocorreu, conforme o ritual de traição e conspiração, que escorrem pelas sarjetas de todos os golpes.
Uma ironia: quem entregou o decreto de banimento ao imperador e já havia sugerido o seu fuzilamento, foi o avô de FHC, o alferes Joaquim Ignácio Cardoso. E um detalhe: A história não registra  um único crime de responsabilidade que justificasse a deposição de D Pedro II.
E muito menos de Júlio Prestes, que em 1930 venceu as eleições presidenciais pelo placar de 1.091.709 votos, contra 742.794 sufrágios recebidos por Getúlio Vargas e mesmo assim não pôde assumir a presidência, porque gaúchos, paraibanos e mineiros se uniram com a argamassa do golpismo, inventaram uma revolução e interromperam a estabilidade democrática do país.
Como quem escreve a história são os vencedores, o golpe que proclamou a Republica ainda hoje é comemorado pelos brasileiros e a "Revolução de 30" é exaltada em todo país, por todo os tempos.

Pausa, para informar que o presidente Washington Luís cometeu duas besteiras políticas. Tentou romper com a dobradinha Café com Leite e praticou a suprema ousadia de brigar com o paraibano Assis Chateaubriand, dono absoluto dos Diários Associados, poderosa rede midiática, com a força de transformar uma querela paroquial em fato político de intensa repercussão nacional. Em outras palavras, João Dantas que assassinou João Pessoa não tinha nada a ver com as brigas do café de São Paulo com o leite de Minas gerais. 

Se lá nos tempos imperiais quem golpeou o filho de D. pedro II foi a elite em conluio com os militares, em 1930, fatia de uma burguesia desgarrada do poder, com o auxílio luxuoso do monopólio midiático de Chatô, obrigou o candidato eleito pelas regras democráticas a se asilar no consulado britânico.

Vale informar que Getúlio Vargas, ao longo dos 19 anos que esteve manuseando os destinos do país, com suas reformas de modernização trabalhista aproximou-se dos trabalhadores na mesma proporção que promoveu insatisfações na galera que habita a Casa-Grande. 
O jornalista Lira Neto que biografou o presidente, fala dos tentáculos midiáticos sendo acionados e a TV Tupi de Chateaubriand escancarando seus canais ao turbulento Carlos Lacerda, que utilizava também seu próprio jornal, Tribuna da Imprensa para pressionar a renúncia do gaúcho. As ondas golpistas da rádio Globo de Roberto Marinho, completavam o esquema. 
A pressão foi tão intensa e imensa, que no dia 24 de agosto de 1954 o 'Pai dos Pobres', entre renunciar, ser golpeado ou atirar no peito, preferiu "sair da vida para entrar na história"

O estampido que remeteu o presidente Getúlio Vargas para a história tangeu o povão para as ruas. Udenistas e comparsas, assombrados, recolheram-se.
Não demorou muito tempo!
 Perderam a eleição seguinte e já botaram novamente as unhas de fora, tentando impedir a posse de Juscelino na presidência da República. Desta vez quem cortou as unhas dos golpistas foi a espada do marechal Teixeira Lott.

Deu-se que, em 1961, na renúncia embriagada de Jânio, o vice-presidente eleito João Goulart assumiu o comando do país depois de muita resistência da burguesia nacional e dos comandantes militares. A Campanha da Legalidade liderada pelo governador Leonel Brizola garantiu seu retorno da China e sua posse repleta de concessões.
.Não completou nem três anos.

O uruguaio René Dreifuss, no livro, 1964 - A Conquista do Estado, descreve  banqueiros, grandes empresários e trezentas multinacionais americanas abarrotando os cofres do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, o famoso IPES. Um belo nome para designar a usina que fabricou o golpe militar de 1964, derrubando o presidente João Goulart, eleito dentro das regras democráticas do país.
“As vivandeiras alvoroçadas” da UDN, conforme relata o Marechal Castelo Branco, "foram aos bivaques bulir com os granadeiros", convenceram os militares e deu no que deu.
Os jornais Estadão, Folha, Jornal do Brasil celebraram a instalação do regime militar e O Globo sapecou na primeira página o editorial: "Ressurge a Democracia".

Deu pra entender: o movimento de 64, que extirpou a nossa frágil democracia foi uma ardilosa parceria entre o alto comando militar e a elite brasileira, com a participação efetiva da imprensa conservadora e o know-how das vivandeiras da UDN.

Corte para 2016!
O único personagem do PMDB com projeção nacional e potencial para disputar uma eleição para presidente foi Ulisses Guimarães. Em 1989 amargou um sétimo lugar, com minguados 4% da votação. 
Os tucanos montaram na garupa do Plano Real de Itamar Franco e venceram duas eleições. Foi só desapear do Plano Real e perderam quatro seguidas para Lula, seu carisma e sua revolução social. E ainda tinha pela frente 2018 com o petista na frente das pesquisas.
Sem alternativas democráticas, o jeito foi buscar inspiração na experiência udenista, guerreira de tantos golpes.
 
Quem deu o mote para incinerar 54 milhões de votos foi o peemedebista Jucá: " ...tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar a sangria". Mete no mesmo saco o STF e os militares: "Conversei com alguns ministros do Supremo e os caras dizem que só tem condições sem ela". "...Estou conversando com os militares, os caras dizem que vão garantir"

No dia 10 de março de 2016, peemedebistas e tucanos reunidos na residência do senador Tasso Jereissati traçaram as diretrizes para consolidar politicamente a queda da presidenta.
Já o 'respaldo popular', necessário em todos os golpes, veio montado numa mega manifestação convocada à exaustão por repórteres da rede Globo, estrategicamente espalhados por todas as capitais do país.

Mesmo com todas as articulações políticas, apoio popular forjado, militares atentos e o Supremo na jogada, alguma coisa ainda faltava. 
Na noite anterior à votação do 'impeachment' na Câmara federal conduzida pelo maior corrupto do país, a versão eletrônica da Folha de São Paulo falava numa enquete em que a oposição não dispunha de votos suficientes para tocar o "impeachment"
Besteira! 
 As vivandeiras da FIESP foram bulir com o bolso dos parlamentares e uma vaquinha de 500 milhões (O jornalista e economista J. Carlos de Assis nunca foi contestado) devidamente distribuída na calada da noite foi decisiva para iniciar a consumação do golpe.
E foi assim que o mandato de quatro anos da presidenta eleita pela maioria dos brasileiros foi brutalmente interrompido 

A FIESP, como o IPES tem a cara da burguesia nacional; peemedebistas e tucanos compõem a mesma laia das vivandeiras udenistas e a imprensa (direita volver) tupiniquim é a mesmíssima que deu as boas-vindas à ditadura militar de 64. 
Só faltaram as armas!

Ocorre que a interrupção do mandato da presidenta precisava ser complementado, considerando que projeto nenhum de golpe se esgota em um ano e meio.
E uma arma de imenso potencial teve que ser acionada: o poder judiciário. Para remover do caminho o carisma insuperável e a popularidade imbatível do ex-presidente Lula
E todos os malabarismos e malandragens foram acionados. Sem amarras, sem pudor, sem precedentes na história política do país

João Goulart foi remetido num rabo de foguete e foi criar boi no Uruguai. Lula enfurnaram numa cela de Curitiba
Corredores livres e a extrema direita tomando as rédeas do país.
É sempre assim! 

Sebastião Costa é médico