domingo, 31 de dezembro de 2017

2017, de mal a pior

Política

Análise

2017, de mal a pior

por Nirlando Beirão — publicado 31/12/2017 00h14, última modificação 20/12/2017 13h02
Vivemos um ano para esquecer
Edilson Rodrigues/Ag senado, Jales Valquer/Fotoarena e Gilvan de Souza/Flamengo
De mal a pior
Janaína, Doria eo goleiro Muralha: começou lindo, terminou horrendo
Em 2017, tivemos um rol de personagens miseráveis em um ano especialmente medonho
— Cármen Lúcia —
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O silêncio costuma ser um poderoso escudo para certos nativos de Minas Gerais, que, simulando circunspecta sabedoria, na verdade não têm é o que dizer – e, se o fazem, promovem catástrofes.
Da ministra em questão, mineira no pior sentido, só se suspeitava que ela fizera estágio naquela academia Hogwarts, de Harry Potter, antes de aterrissar no antro cavernoso do Supremo Tribunal Federal.
No entanto, ao ser exposta à claridade midiática da presidência do STF, a esquiva Cármen Lúcia embaralhou-se de tal forma no seu vernáculo crepuscular e no seu raciocínio labiríntico que não há ser vivo capaz de decifrar o que ela diz, mesmo naquela Babel onde brilha também o intrincado ministro Celso de Mello. O mérito dela foi o de desvendar a verdade por trás do palavrório do STF: o vazio, o vácuo, o nada, quando não a má-fé.
— O goleiro Muralha —
Supervalorizado tanto quanto tudo que diz respeito ao Flamengo, o clube protegido da Rede Globo, Muralha começou o ano candidato a titular da Seleção Brasileira e o termina agora – constrangido, por falta de opções melhores, a voltar à meta do time – sob uma chuva de impropérios de seus próprios aficionados.
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O ano do diabo encerrou-se para ele na partida contra o Santos, no domingo 26 de novembro, quando os dois gols do adversário aconteceram em falhas do desastrado Muralha. O desespero nas hostes rubro-negras é tal que a torcida se movimenta para, em último recurso, acionar um ilustre e poderoso torcedor, o ministro Gilmar Mendes, do STF.
De uma penada, Mendes pode soltar o goleiro Bruno, preso hoje em Minas. Bruno, mesmo sem treinar, deve estar em melhor forma que o infeliz Muralha.  
— Celso Jacob —
O deputado Celso Jacob, membro da organização criminosa que atende por PMDB-RJ, ganhou seus 15 segundos de fama ao proferir, por ocasião da discussão da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República, seu voto a favor de Michel Temer.
O voto teve o sintomático número 171. Jacob foi obrigado naquela noite, como em todas as demais, ao deixar o local de, hum..., trabalho, a pernoitar no Presídio da Papuda. Ali, Sua Excelência cumpre pena de sete anos e dois meses por lambanças quando prefeito de Três Rios.
Beneficiado pelo regime semiaberto, podendo exercer seu mandato e recebendo auxílio-moradia, Jacob vivia o melhor dos mundos até ser surpreendido, de volta ao cárcere, com uns acréscimos à dieta da Papuda: trazia um queijo provolone e dois pacotes de biscoitos escondidos na cueca. Está na solitária e arrisca-se a perder a saidinha diária até o covil dos comparsas.
Do rol dos personagens miseráveis num ano especialmente medonho
— João Doria Jr. —
O ano de 2017 prometia muito para o prefeito de São Paulo, recém-empossado a bordo de uma votação tão expressiva que dispensou o segundo turno e com o alarido midiático de quem via no apresentador e intermediário de negócios o desembarque do “novo” no desmoralizado cenário político.
João Doria botou em ação sua energia voluntarista e seu ardor mercadológico, passando a propagandear através das redes sociais tudo aquilo que nunca teve a menor intenção de fazer. Logo, logo, a população começou a se cansar de suas presepadas pueris – e o próprio Doria também percebeu o tédio que é governar uma metrópole tão exigente.
Passou a se exilar de seus deveres em viagens internacionais e também dentro do País, o que lhe inspirou o sonho de trocar a entediante prefeitura pela – acreditem – imponente Presidência da República. Termina o ano como gestor fracassado e com a fama de traidor.
— Polícia Federal /A Lei É para Todos —
A delegada Érika Mialik Marena, ex-integrante da força-tarefa de Curitiba deslocada para ações de caça seletiva a corruptos em Florianópolis, começou o ano com a lisonjeira notícia de que, para interpretá-la na tela, haviam escolhido a atriz global Flávia Alessandra.
Polícia Federal/A Lei É para Todos estreou no dia 7 de setembro e ficou longe do arrasa-quarteirão que pretendia ser. Ofus­cada pelo estrelato, a delegada Érika, com seu pendor atrabiliário, logo se tornaria responsável por uma tragédia: o suicídio do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, que ela prendeu injustamente e impediu de pisar no campus da Universidade.
A delegada ferrabrás não foi punida, uma vez que injustiça é mesmo com a Lava Jato. Acabou promovida. De todo modo, o filme revelou-se tremendamente agourento. Vamos ver o que espera por Ary Fontoura (que maltrata o personagem Lula) e Marcelo Serrado (que interpreta o amor de sua vida). 
— Aécio Neves —
O senador mineiro conseguiu que o Judiciário, pilotado pelo amigo do peito Gilmar Mendes, desconversasse a respeito das pesadas acusações que existem contra ele, ainda que gravadas e documentadas, e o esprit de corps do Senado livrou-o da cadeia e da cassação do mandato com os mesmos argumentos com que cassara o mandato e encaminhara para a cadeia o senador Delcídio do Amaral, do PT.
Seja como for, Aécio é hoje um político sem moral, sem credibilidade e sem voto, condenado a agonizar em público. Só quem ainda lhe pede uma ou outra encomenda é o governo do golpe, aquele que Aécio, derrotado nas urnas, ajudou a empossar e o qual gosta hoje de usar o desespero de Aécio em prol da sistemática desmoralização do PSDB, o partido dele.
Ficação
A Lava Jato locomoveu-se para o terreno do fictício do cinema, mas não funcionou. Uma de suas protagonistas produziu uma morte injusta. Foi promovida
— O Geddel das malas —
Mesmo sem o tapete vermelho destinado ao ministro-chefe da Secretaria de Governo, que renunciou desgastado por uma denúncia do ex-ministro da Cultura, o baiano Geddel Vieira Lima estreou 2017 na condição de homem da copa e da cozinha do Palácio do Planalto.
Ao longo do ano, porém, Geddel acabou subjugado por tantas denúncias e submetido a tantos interrogatórios e prisões que ele certamente não terá saudade alguma de 2017. O estado da arte de sua habilidade prestidigitadora materializou-se no apartamento de um amigo seu, em Salvador, na forma de oito malas e quatro caixas repletas de dinheiro vivo – 51 milhões de reais, no total.
O solerte Geddel passa hoje seus dias e suas noites no Presídio da Papuda, naquela Brasília que o tinha em conta de astuto articulador. Ele reivindica prisão domiciliar com base na notícia – divulgada por um site de fake news – de que corre o risco de ser estuprado. É boato, mas vai que... 
— William Waack —
O apresentador do Jornal da Globo, queridinho dos coxinhas, surfou alegremente nas notícias que consagraram, ao longo do ano, a demolição das conquistas sociais que os governos do PT tinham, com timidez, conseguido.
Nunca omitiu de que lado do espectro político estava, em consonância com o que pensam seus patrões Marinho. Uma derrapada clamorosamente racista, divulgada por acaso na web com um ano de atraso, desvendou um lado oculto por detrás de toda aquela arrogância empavonada.
Os amiguinhos de direita saíram-lhe em defesa, alegando um deslize perdoável, mas a Globo, já acusada de tantas malvadezas, preferiu não assumir o ônus de mais esse crime hediondo e tirou do ar o indigitado jornalista.
Bunker de Geddel
O ex-conselheiro da gangue está preso, mas tinha garantido o futuro
— Janaína Paschoal —
A pombajira do impeachment viu o seu capital político se esvair melancolicamente ao longo de 2017, depois do transe parlamentar-midiático de 2016. Alçada pela mídia ao Olimpo dos grandes juristas nacionais pelo fato de ter inventado o “crime” das pedaladas fiscais, a doutora Janaína não fez jus à fama e ficou em último lugar no concurso para a cadeira de professor titular da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Ameaçou recorrer ao tapetão.
Resignada à sua própria mediocridade, inventou para si uma nova atividade: passou a inspecionar os banheiros do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. “De graça”, em homenagem ao seu prefeito João Doria Jr.  
— Joesley Batista —
O dono da Friboi integrava, na virada do ano, a lista dos amiguinhos da Corte – os que tudo podiam. O chamado presidente da República recrutava os favores do jatinho dele e o recebia na calada da noite no porão do Palácio do Jaburu para discutirem a partilha das propinas – inclusive aquela que (“deixa isso aí”) manteria mudo o explosivo Eduardo Cunha, aliado de Temer.
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As denúncias de Joesley, divulgadas pela Procuradoria-Geral da República, chocaram-se, porém, contra o blindado muro que o STF, o Parlamento e a mídia camarada ergueram para proteger o governo ilegítimo. Joesley vai passar o Natal de 2017 na cadeia, enquanto Temer continua no comando e Eduardo Cunha, com a ajuda dos balbucios flácidos de Gilmar Mendes, prepara-se para deixar a cadeia.
— Sérgio Cabral —
Aquele que a revista Época – outra vítima, diga-se, de 2017 – consagrara como um dos brasileiros mais influentes já começara, em 2016, a experimentar os rigores da lei. Foi preso por corrupção. Em 2017, porém, o ex-governador do Rio conseguiu acumular tantas acusações comprovadas que mudou de status: passou de corrupto a cleptomaníaco.
Enquanto isso, o Rio mergulhou num estado de desgraças agudas patrocinado pela facção criminosa à qual Cabral – e Eduardo Cunha, e os Picciani, e um vasto etc. – se filiou: o denominado PMDB-RJ. O consolo é que talvez tenha a companhia da mulher, Adriana Ancelmo, para o réveillon no presídio de Benfica.
— Santander —
Queermuseum
A mostra Queermuseum sofreu ataque da mília virtual do MBL. O Santander cedeu, e fechou a exposição
“Um banco para suas ideias’ – como alardeia o comercial – parece, no entanto, determinado a ser muito seletivo na hora de aceitá-las. Promover, por exemplo, uma exposição que viesse a discutir, com tolerância, a questão da diversidade sexual – esta definitivamente não soou para o Santander como uma boa ideia.
A mostra Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, aberta em Porto Alegre com obras de artistas perigosamente pornográficos como Volpi e Portinari, foi interrompida pelo Santander Cultural porque a instituição achou por bem ouvir apenas as ideias das milícias do MBL e de um bando de dondocas moralistas. Quando o Santander vier a perguntar, como promete seu anúncio “o que a gente pode fazer por você hoje?”, corre o risco de ouvir o que não quer ouvir.
— Carlos Arthur Nuzman —
Anfitrião da Olimpíada do Rio, mestre de cerimônia na abertura e no encerramento aos olhos de milhões e milhões de espectadores, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro por 22 anos e membro honorário do Comitê Olímpico Internacional teve, em 2016, o apogeu de sua visibilidade e de seu prestígio.
Já 2017 mudou radicalmente a maré: foi encarcerado, passou uns dias recluso no Presídio de Benfica e só está em casa porque o Superior Tribunal de Justiça lhe concedeu habeas corpus. Nuzman é acusado de subornar delegados do COI para conseguir que o Rio fosse escolhido como cidade olímpica. Por isso está sendo investigado no Brasil e no exterior.
Carlos Nuzman
O anfitrião da Rio-2016 tinha economias em ouro na Suíça (Mauro Pimentel/AFP)
Já a denúncia de que a Rede Globo pagou propina para garantir os direitos de transmissão das Copas está sendo investigada apenas no exterior. No Brasil, é o tipo de denúncia imediatamente ignorada pelo Judiciário e abafada pelo cartel da grande mídia.
— O povo brasileiro —
Se há alguma coisa que os brasileiros têm aprendido, a duras penas, é que a democracia admite enganos, mas não molecagens. 
Ludibriados por uma mídia influente, determinada a desinformar em razão de sua agenda de interesses, setores barulhentos da classe média bateram panelas e saíram às ruas para afastar o PT do poder.
Na barafunda da mistificação, tudo servia de pretexto, da corrupção na Petrobras às lendárias pedaladas fiscais. A “crise econômica”, turbinada pelo lockout do empresariado rentista, botou combustível na histeria. O governo ilegítimo foi instaurado, mas os militantes verde-amarelos fizeram vista grossa para a quadrilha no poder.
O ano de 2017 trouxe a rebordosa. A vergonha silenciou as panelas e os que promoveram a tragédia ou se eximem de qualquer responsabilidade pela patetice política ou radicalizam ainda mais seu ódio aos pobres, às minorias, às mulheres e aos negros. O povo brasileiro vai virar o ano vivendo o velho dilema de ter de optar entre a civilização e a barbárie, com grande chance de a civilização perder.
— Kevin Spacey —
Para dar um colorido internacional à nossa lista de indigitados de 2017, o protagonista de House of Cards, seriado político da Netflix, representa a si mesmo e a uma legião de poderosos cavalheiros subitamente denunciados como predadores sexuais – criaturas que se prevaleciam de algum tipo de poder ou preeminência para assaltar rapazes (como foi o caso de Kevin Spacey) ou mulheres vulneráveis (como fez, em inúmeras vezes, o megaprodutor de Hollywood Harvey Weinstein, campeão incontestável nesse quesito de abuso libidinoso).
A denúncia pública dos tarados expôs também figurões da tevê nos Estados Unidos e na Inglaterra e, tipicamente, políticos que fizeram carreira a bordo de uma agenda moralista. 
Fonte: Carta Capital

De Dilma Rousseff, para 2018

De Dilma Rousseff, para 2018

A mensagem de fim de ano da presidenta deposta pelo golpe, Dilma Rousseff:
Que 2018 seja o ano em que estaremos unidos pela recuperação do Brasil.
Que 2018 seja o ano da reconquista da democracia, da força do voto para garantir os nossos direitos.
Que em 2018 tenhamos uma eleição realmente livre. Livre de exclusões, livre de manobras políticas e judiciais com o objetivo de interditar candidatos.
Que em 2018 o presidente Lula possa concorrer. Que tenhamos força e unidade para construir um país melhor, ampliando de novo as oportunidades para todos, em uma sociedade sem intolerância, sem misoginia e sem homofobia.
Um país mais civilizado, com valores éticos e morais baseados na valorização da cooperação e não da concorrência; um país realmente democrático.
Um 2018 de conquistas e vitórias para todas as brasileiras e todos os brasileiros.

Carta | Meu querido Dom Hélder Câmara

ARTIGO

Carta | Meu querido Dom Hélder Câmara

Confira a carta aberta que o monge beneditino Marcelo Barros escreveu esta semana ao bispo católico já falecido, em 1999

Da Redação
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Dom Helder Câmara foi um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) / Reprodução
Recife, 29 de dezembro de 2017.
Querido Dom Helder Câmara,
Nesse Natal, a saudade bate como nunca. Dá-me uma vontade louca de conversar com você. Não tenho saudade dos anos 60, nos quais, pelas suas mãos, fui ordenado presbítero para o povo de Deus. Nem quereria voltar aos anos 70, quando tive a graça de ser seu secretário para assuntos ecumênicos. Na linha da espiritualidade de Natal, quero mesmo assumir a realidade do aqui e agora. Só tenho saudade é de ouvir sua voz e saber suas posições a respeito de algumas coisas que estão acontecendo. 
Hoje pela manhã, passando no aeroporto de São Paulo, por acaso, entro no email e leio uma mensagem do amigo Roberto Malvezzi (Gogó) contando que o governo Temer decretou que você, (acredite se quiser, você, Dom Helder Câmara, é o patrono nacional dos Direitos Humanos). Depois, João Pedro completou a informação de que se tratava de uma proposta de um deputado chamado Arnaldo Jordy, do PPS do Pará, que tramita na Câmara desde 2015 e que agora o Temer resolveu sancionar. Sem deixar claro porque fazia isso e que sentido tinha essa homenagem repentina.
Gostaria muito de que você pudesse se manifestar a respeito dessa iniciativa de um governo como esse que  o torna patrono nacional dos direitos humanos. Isso é uma honra ou é um insulto? Que direitos são esses? E de quais humanos? Os que estão no governo e dele se beneficiam? Quais direitos humanos sobraram do congelamento de gastos do governo em educação e saúde? De que direitos humanos o governo pensa que você é patrono - os que ainda podem restar depois das regras e normas baixadas para aliviar a barra dos latifundiários e donos de empresas que praticam trabalho escravo em suas propriedades? Os direitos humanos do povo que sem votar perde todos os dias direitos adquiridos a suor e sangue na Constituição de 1988? Que direitos humanos terão os cadáveres dos pobres que morrem sem poder aposentar-se por causa da reforma pensada pelo governo Temer? 
Vai ver que nesse Natal baixou o Espírito que anunciou a Maria a novidade da encarnação do Verbo e Temer pensou nos direitos humanos dos que votaram no governo Dilma e se arrependeu da traição que fez e do golpe que deu? Será que ele quer pedir ao Moro e ao Gilmar Mendes que leve em conta os direitos humanos de Lula e dos políticos do PT que eles tanto odeiam? O que será que está por trás dessa iniciativa do Temer? 
Parece que os poderes no Brasil gostam de usar o seu nome quando precisam de limpar alguma barra suja. Em 2010, o Senado Federal aprovou um aumento de 60% para os salários dos senadores. A notícia repercutiu mal no Brasil. Poucos dias depois, o Senado aprovou conceder a comenda Dom Helder Câmara para os Direitos Humanos a um bispo católico. No caso era Dom Edmilson Cruz, então bispo de Limoeiro do Norte, no Ceará. No céu, você ter sabido do que aconteceu. O bispo foi ao Senado e em discurso aberto rejeitou a comenda. Disse que seria incoerente se aceitasse aquela comenda dada pelo mesmo Congresso que legislava contra o povo e disse claro: "Quem age assim não é parlamentar. É para lamentar".  
Lutero dizia que "Deus prefere o insulto de quem é justo do que o louvor de quem pratica injustiça". Você, Dom Helder, sempre agiu assim. Como iria aceitar tal homenagem? Mas, quem pode atualmente lhe representar para dizer claramente ao governo Temer e ao povo brasileiro porque você se sentiria constrangido em aceitar tal homenagem e que só a aceitaria se o governo mudasse totalmente o seu modo de conceber o poder e a orientação que tem em sua gestão. Quem pode lhe representar? Não creio que você preferisse que fosse a CNBB ou algum bispo ou padre. Certamente pediria a quem se sente incomodado por essa homenagem que como brasileiro e cidadão diga que o governo não tem o direito de usar o nome Helder Câmara para seus propósitos maquiavélicos e deletérios. Esperemos que o Instituto Dom Helder Câmara (IDHEC) se manifeste, que a Escola de Fé e Política Dom Helder Câmara se posicione, que a Agência de Notícias Dom Helder Câmara, da CNBB, denuncie e que todos os movimentos sociais gritem contra essa medida e anulem qualquer tramoia que esse governo golpista e insensível aos pobres tenha planejado. 
No Natal, celebramos os santos inocentes, crianças que, segundo a tradição, foram mortas por Herodes. Hoje, devemos ser santos lúcidos, críticos e atentos ao que ocorre no mundo. José Saramago critica São José pelo fato de que, quando avisado em sonhos de que Herodes iria matar as crianças de Belém, fugiu sem antes ter advertido aos vizinhos e protegido as outras famílias. Apesar de saber que essa história é um midrash narrativo e não um fato real, atualmente temos de ser mais cuidadosos e não deixar primeiro que os inocentes morram para depois fazê-los santos. Dom Helder, você sempre foi e é nosso patrono dos direitos humanos, mas não os do governo Temer e sim os das organizações sociais que nesse 2018 vão refazer várias de suas campanhas e vão mudar o Brasil. Inspire-nos nesse caminho e nos abençoe. Seu irmão menor Marcelo (o monge do qual você fala que jovem lhe procurou em crise de vocação e que você aconselhou. Você fala dele em uma de suas vigílias em 1965, mas evita dizer meu nome para não me expor). Agora não há mais esse risco e podemos sim colocar o nome de todos nós na sua vigília pelo Brasil. 
Edição: Beatriz Buschel

Retrospectiva: como os golpistas trataram a Lava Jato em 2017, e vice-versa

PODER

Retrospectiva: como os golpistas trataram a Lava Jato em 2017, e vice-versa

Síntese dos acontecimentos mês a mês evidencia partidarização do Judiciário e tentativas de “estancar a sangria”

Brasil de Fato | Curitiba (PR)
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Por diferentes motivos, Michel Temer (PMDB) e Sérgio Moro foram protagonistas da agenda política nacional em 2017 / Antônio Cruz - Agência Brasil
Mudanças no comando da operação. Esforços para vetar a candidatura do ex-presidente Lula (PT). Violações de direitos e novas evidências de partidarização nos tribunais. Para entender as relações entre política e Judiciário nos últimos doze meses, é necessário lembrar como a Lava Jato tratou os golpistas, e vice-versa.
Uma retrospectiva da cobertura do Brasil de Fato sobre o tema demonstra que o ano teve mais derrotas do que vitórias para a operação. Enquanto a economia desmoronava e o pré-sal era fatiado entre investidores estrangeiros, a força-tarefa foi enfraquecida pela base aliada do governo Michel Temer (PMDB), cada vez mais determinada a “estancar a sangria”. Apoiadores do impeachment, Rodrigo Rocha Loures (PMDB) e Aécio Neves (PSDB) passaram maus bocados nesse período, mas terminam 2017 no conforto de seus lares. No momento em que a Lava Jato mais precisou de apoio, as ruas estavam vazias.
Os acontecimentos apresentados a seguir, em ordem cronológica, demonstram que a operação respira por aparelhos. Os mesmos atores políticos que haviam se beneficiado das denúncias de corrupção, no ano anterior, tentaram barrar novas acusações ou frear investigações. Mês a mês, foram desmascarados os motivos por trás da ofensiva contra o governo Dilma Rousseff (PT). Para 2018, a possibilidade de inviabilizar a carreira política de Lula se mantém como o único ponto de convergência entre a Lava Jato e os golpistas.
Janeiro
- Relator dos processos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki encaminha análise dos documentos da delação premiada da empreiteira Odebrecht.
- Polícia Federal (PF) deflagra a operação Cui Bono, para investigar fraudes na liberação de créditos junto à Caixa Econômica Federal.
- Teori Zavascki morre em queda de avião no litoral do Rio de Janeiro. Justiça decreta sigilo nas investigações sobre a causa do acidente. Não há conclusões sobre o caso.




Fevereiro
- Ministro Luiz Edson Fachin assume a relatoria da Lava Jato e autoriza inquérito para investigar Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney, três dos políticos mais influentes do PMDB, por obstrução de justiça.
- Michel Temer (PMDB) escolhe Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça filiado ao PSDB, para ocupar vaga de Zavascki no STF.

Março
- Chefe da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol afirma em entrevista ao jornalista Ricardo Boechat, da TV Bandeirantes, que o PSDB está fora do raio de atuação da Lava Jato nas investigações sobre a Petrobras.
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) posta vídeo nas redes sociais para enaltecer a operação Lava Jato: “Agora, nós temos justiça no Brasil”.
- Fachin recebe da Procuradoria-Geral da República (PGR) 83 pedidos de abertura de inquérito contra políticos com foro privilegiado.

Abril
- Réu na Lava Jato, ex-presidente Lula (PT) assume a intenção de se candidatar à Presidência da República em 2018, sete anos após deixar o cargo.
- Dallagnol lança livro “A luta contra a corrupção”, em que comenta os desafios da Lava Jato e menciona a importância do apoio da mídia às investigações.
- A partir dos pedidos encaminhados pelo então procurador-geral Rodrigo Janot, Fachin manda investigar 39 deputados, 24 senadores, 8 ministros e três governadores.

Maio
Senador Aécio Neves (PSDB) é afastado pelo STF após gravação em que negocia pagamento de propina com Joesley Batista, da empresa JBS, para pagamento de defesa na Lava Jato. Aécio retorna ao cargo em junho, é afastado novamente em setembro, e autorizado pelo Senado a retomar o mandato no mês seguinte.
Vazamento de conversa entre Joesley e Temer no Palácio do Jaburuindica cumplicidade do presidente golpista com o empresário da JBS, investigado na Lava Jato. Áudio entregue à PF mostra que Temer estava ciente da utilização de métodos de obstrução da justiça, que poderiam ajudá-lo a se manter no cargo.
- Após a deflagração da operação Carne Fraca, Osmar Serraglio deixa o Ministério da Justiça e dá lugar a Torquato Jardim. Escolha de Temer é criticada por parlamentares da oposição e pela Federação Nacional dos Policiais Federais, que alertam para estratégia de frear a Lava Jato.
- Lula fica frente a frente com o juiz Sérgio Moro pela primeira vez, para depoimento sobre o chamado “caso triplex”, em Curitiba. Ao final do encontro, o petista é recebido por milhares de apoiadores na praça Santos Andrade.

Junho
- Deputado pelo Paraná e ex-assessor especial de Temer, Rodrigo da Rocha Loures (PMDB) é preso após flagrante com mala de R$ 500 mil. O dinheiro seria referente a propina, paga pela empresa JBS para obter facilidades junto ao governo.
- Michel Temer é denunciado por corrupção e se torna o primeiro presidente a responder por crime durante o exercício do mandato.

Julho
- PF anuncia fim do grupo exclusivo da Lava Jato em Curitiba. Procuradores que atuam na operação afirmam que a decisão é um retrocesso.
- Temer ignora o nome mais votado pela lista tríplice e nomeia Raquel Dodge para o lugar de Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República (PGR).
Sérgio Moro condena Lula em primeira instância a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no “caso triplex”. Sentença é criticada por juristas por falta de provas.
- Advogados de Lula protocolam petição no Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça, para denunciar “arbitrariedades praticadas pelo juiz Sérgio Moro contra Lula, seus familiares, colaboradores e advogados".
- Rodrigo da Rocha Loures é solto pela PF, após determinação de Fachin, e volta a viver em condomínio de luxo no Lago Sul, em Brasília.

Agosto
- Congresso Nacional barra prosseguimento da primeira denúncia contra Temer por corrupção.
- Em Curitiba, Tribunal Popular “condena” Lava Jato por violações e arbitrariedades cometidas desde 2014. Julgamento simbólico tem caráter formativo, de debate sobre os riscos que a operação impõe à democracia.

Setembro
- PF encontra mala com R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador, Bahia, que seria destinado a Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro da Secretaria de Governo de Temer. Três meses depois, perícia encontra impressões digitais de Geddel nas cédulas apreendidas.
Lançamento do filme “Polícia Federal: a Lei é Para Todos”, que se propõe a narrar os bastidores da operação Lava Jato. Criticado por espetacularizar o trabalho da Justiça e da PF, longa-metragem é um fracasso de bilheteria.

Outubro
- Fachin arquiva inquérito contra Calheiros, Jucá e Sarney, e passa a ser criticado por setores que haviam defendido sua nomeação ao STF – não só por “aliviar a barra” de aliados do governo Temer, mas por manter violações de direitos no conjunto da operação.
- Câmara Federal barra segunda denúncia contra Temer, por obstrução de justiça e organização criminosa. Nos dois casos, o presidente golpista distribuiu emendas entre os parlamentares para garantir apoio. Soma dos investimentos para “estancar a sangria” chega a R$ 12 bilhões.
- Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier comete suicídio após prisão arbitrária e sem provas na operação Ouvidos Moucos. Quem estava à frente do caso era Érika Marena, ex-delegada da Lava Jato.

Novembro
- Temer substitui Leandro Daiello por Fernando Segóvia no comando da PF. O novo chefe da corporação era o nome preferido de José Sarney e dos demais “caciques” do PMDB, articuladores do golpe de 2016 e investigados na Lava Jato.
- Ex-advogado da Odebrecht, Tacla Durán acusa padrinho de casamento do Sérgio Moro, Carlos Zucolotto Jr., de cobrar propina para negociar benefícios durante acordos de delação premiada na Lava Jato.

Dezembro
- Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), responsável pela sentença em segunda instância no “caso triplex”, anuncia julgamento de Lula para o dia 24 de janeiro de 2018, em Porto Alegre. Trâmite do processo, que pode inviabilizar a candidatura do petista à Presidência, chama a atenção por ser mais ágil que a média do tribunal durante a Lava Jato.
Edição: Ednubia Ghisi