Política
Análise
2017, de mal a pior
Vivemos um ano para esquecer
Edilson Rodrigues/Ag senado, Jales Valquer/Fotoarena e Gilvan de Souza/Flamengo
Janaína, Doria eo goleiro Muralha: começou lindo, terminou horrendo
Em 2017, tivemos um rol de personagens miseráveis em um ano especialmente medonho
— Cármen Lúcia —
O silêncio costuma ser um poderoso escudo para certos nativos de Minas Gerais, que, simulando circunspecta sabedoria, na verdade não têm é o que dizer – e, se o fazem, promovem catástrofes.
Da ministra em questão, mineira no pior sentido, só se suspeitava que ela fizera estágio naquela academia Hogwarts, de Harry Potter, antes de aterrissar no antro cavernoso do Supremo Tribunal Federal.
No entanto, ao ser exposta à claridade midiática da presidência do STF, a esquiva Cármen Lúcia embaralhou-se de tal forma no seu vernáculo crepuscular e no seu raciocínio labiríntico que não há ser vivo capaz de decifrar o que ela diz, mesmo naquela Babel onde brilha também o intrincado ministro Celso de Mello. O mérito dela foi o de desvendar a verdade por trás do palavrório do STF: o vazio, o vácuo, o nada, quando não a má-fé.
— O goleiro Muralha —
Supervalorizado tanto quanto tudo que diz respeito ao Flamengo, o clube protegido da Rede Globo, Muralha começou o ano candidato a titular da Seleção Brasileira e o termina agora – constrangido, por falta de opções melhores, a voltar à meta do time – sob uma chuva de impropérios de seus próprios aficionados.
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O ano do diabo encerrou-se para ele na partida contra o Santos, no domingo 26 de novembro, quando os dois gols do adversário aconteceram em falhas do desastrado Muralha. O desespero nas hostes rubro-negras é tal que a torcida se movimenta para, em último recurso, acionar um ilustre e poderoso torcedor, o ministro Gilmar Mendes, do STF.
De uma penada, Mendes pode soltar o goleiro Bruno, preso hoje em Minas. Bruno, mesmo sem treinar, deve estar em melhor forma que o infeliz Muralha.
— Celso Jacob —
O deputado Celso Jacob, membro da organização criminosa que atende por PMDB-RJ, ganhou seus 15 segundos de fama ao proferir, por ocasião da discussão da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República, seu voto a favor de Michel Temer.
O voto teve o sintomático número 171. Jacob foi obrigado naquela noite, como em todas as demais, ao deixar o local de, hum..., trabalho, a pernoitar no Presídio da Papuda. Ali, Sua Excelência cumpre pena de sete anos e dois meses por lambanças quando prefeito de Três Rios.
Beneficiado pelo regime semiaberto, podendo exercer seu mandato e recebendo auxílio-moradia, Jacob vivia o melhor dos mundos até ser surpreendido, de volta ao cárcere, com uns acréscimos à dieta da Papuda: trazia um queijo provolone e dois pacotes de biscoitos escondidos na cueca. Está na solitária e arrisca-se a perder a saidinha diária até o covil dos comparsas.
— João Doria Jr. —
O ano de 2017 prometia muito para o prefeito de São Paulo, recém-empossado a bordo de uma votação tão expressiva que dispensou o segundo turno e com o alarido midiático de quem via no apresentador e intermediário de negócios o desembarque do “novo” no desmoralizado cenário político.
João Doria botou em ação sua energia voluntarista e seu ardor mercadológico, passando a propagandear através das redes sociais tudo aquilo que nunca teve a menor intenção de fazer. Logo, logo, a população começou a se cansar de suas presepadas pueris – e o próprio Doria também percebeu o tédio que é governar uma metrópole tão exigente.
Passou a se exilar de seus deveres em viagens internacionais e também dentro do País, o que lhe inspirou o sonho de trocar a entediante prefeitura pela – acreditem – imponente Presidência da República. Termina o ano como gestor fracassado e com a fama de traidor.
— Polícia Federal /A Lei É para Todos —
A delegada Érika Mialik Marena, ex-integrante da força-tarefa de Curitiba deslocada para ações de caça seletiva a corruptos em Florianópolis, começou o ano com a lisonjeira notícia de que, para interpretá-la na tela, haviam escolhido a atriz global Flávia Alessandra.
Polícia Federal/A Lei É para Todos estreou no dia 7 de setembro e ficou longe do arrasa-quarteirão que pretendia ser. Ofuscada pelo estrelato, a delegada Érika, com seu pendor atrabiliário, logo se tornaria responsável por uma tragédia: o suicídio do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, que ela prendeu injustamente e impediu de pisar no campus da Universidade.
A delegada ferrabrás não foi punida, uma vez que injustiça é mesmo com a Lava Jato. Acabou promovida. De todo modo, o filme revelou-se tremendamente agourento. Vamos ver o que espera por Ary Fontoura (que maltrata o personagem Lula) e Marcelo Serrado (que interpreta o amor de sua vida).
— Aécio Neves —
O senador mineiro conseguiu que o Judiciário, pilotado pelo amigo do peito Gilmar Mendes, desconversasse a respeito das pesadas acusações que existem contra ele, ainda que gravadas e documentadas, e o esprit de corps do Senado livrou-o da cadeia e da cassação do mandato com os mesmos argumentos com que cassara o mandato e encaminhara para a cadeia o senador Delcídio do Amaral, do PT.
Seja como for, Aécio é hoje um político sem moral, sem credibilidade e sem voto, condenado a agonizar em público. Só quem ainda lhe pede uma ou outra encomenda é o governo do golpe, aquele que Aécio, derrotado nas urnas, ajudou a empossar e o qual gosta hoje de usar o desespero de Aécio em prol da sistemática desmoralização do PSDB, o partido dele.
— O Geddel das malas —
Mesmo sem o tapete vermelho destinado ao ministro-chefe da Secretaria de Governo, que renunciou desgastado por uma denúncia do ex-ministro da Cultura, o baiano Geddel Vieira Lima estreou 2017 na condição de homem da copa e da cozinha do Palácio do Planalto.
Ao longo do ano, porém, Geddel acabou subjugado por tantas denúncias e submetido a tantos interrogatórios e prisões que ele certamente não terá saudade alguma de 2017. O estado da arte de sua habilidade prestidigitadora materializou-se no apartamento de um amigo seu, em Salvador, na forma de oito malas e quatro caixas repletas de dinheiro vivo – 51 milhões de reais, no total.
O solerte Geddel passa hoje seus dias e suas noites no Presídio da Papuda, naquela Brasília que o tinha em conta de astuto articulador. Ele reivindica prisão domiciliar com base na notícia – divulgada por um site de fake news – de que corre o risco de ser estuprado. É boato, mas vai que...
— William Waack —
O apresentador do Jornal da Globo, queridinho dos coxinhas, surfou alegremente nas notícias que consagraram, ao longo do ano, a demolição das conquistas sociais que os governos do PT tinham, com timidez, conseguido.
Nunca omitiu de que lado do espectro político estava, em consonância com o que pensam seus patrões Marinho. Uma derrapada clamorosamente racista, divulgada por acaso na web com um ano de atraso, desvendou um lado oculto por detrás de toda aquela arrogância empavonada.
Os amiguinhos de direita saíram-lhe em defesa, alegando um deslize perdoável, mas a Globo, já acusada de tantas malvadezas, preferiu não assumir o ônus de mais esse crime hediondo e tirou do ar o indigitado jornalista.
— Janaína Paschoal —
A pombajira do impeachment viu o seu capital político se esvair melancolicamente ao longo de 2017, depois do transe parlamentar-midiático de 2016. Alçada pela mídia ao Olimpo dos grandes juristas nacionais pelo fato de ter inventado o “crime” das pedaladas fiscais, a doutora Janaína não fez jus à fama e ficou em último lugar no concurso para a cadeira de professor titular da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Ameaçou recorrer ao tapetão.
Resignada à sua própria mediocridade, inventou para si uma nova atividade: passou a inspecionar os banheiros do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. “De graça”, em homenagem ao seu prefeito João Doria Jr.
— Joesley Batista —
O dono da Friboi integrava, na virada do ano, a lista dos amiguinhos da Corte – os que tudo podiam. O chamado presidente da República recrutava os favores do jatinho dele e o recebia na calada da noite no porão do Palácio do Jaburu para discutirem a partilha das propinas – inclusive aquela que (“deixa isso aí”) manteria mudo o explosivo Eduardo Cunha, aliado de Temer.
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As denúncias de Joesley, divulgadas pela Procuradoria-Geral da República, chocaram-se, porém, contra o blindado muro que o STF, o Parlamento e a mídia camarada ergueram para proteger o governo ilegítimo. Joesley vai passar o Natal de 2017 na cadeia, enquanto Temer continua no comando e Eduardo Cunha, com a ajuda dos balbucios flácidos de Gilmar Mendes, prepara-se para deixar a cadeia.
— Sérgio Cabral —
Aquele que a revista Época – outra vítima, diga-se, de 2017 – consagrara como um dos brasileiros mais influentes já começara, em 2016, a experimentar os rigores da lei. Foi preso por corrupção. Em 2017, porém, o ex-governador do Rio conseguiu acumular tantas acusações comprovadas que mudou de status: passou de corrupto a cleptomaníaco.
Enquanto isso, o Rio mergulhou num estado de desgraças agudas patrocinado pela facção criminosa à qual Cabral – e Eduardo Cunha, e os Picciani, e um vasto etc. – se filiou: o denominado PMDB-RJ. O consolo é que talvez tenha a companhia da mulher, Adriana Ancelmo, para o réveillon no presídio de Benfica.
— Santander —
A mostra Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, aberta em Porto Alegre com obras de artistas perigosamente pornográficos como Volpi e Portinari, foi interrompida pelo Santander Cultural porque a instituição achou por bem ouvir apenas as ideias das milícias do MBL e de um bando de dondocas moralistas. Quando o Santander vier a perguntar, como promete seu anúncio “o que a gente pode fazer por você hoje?”, corre o risco de ouvir o que não quer ouvir.
— Carlos Arthur Nuzman —
Anfitrião da Olimpíada do Rio, mestre de cerimônia na abertura e no encerramento aos olhos de milhões e milhões de espectadores, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro por 22 anos e membro honorário do Comitê Olímpico Internacional teve, em 2016, o apogeu de sua visibilidade e de seu prestígio.
Já 2017 mudou radicalmente a maré: foi encarcerado, passou uns dias recluso no Presídio de Benfica e só está em casa porque o Superior Tribunal de Justiça lhe concedeu habeas corpus. Nuzman é acusado de subornar delegados do COI para conseguir que o Rio fosse escolhido como cidade olímpica. Por isso está sendo investigado no Brasil e no exterior.
Já a denúncia de que a Rede Globo pagou propina para garantir os direitos de transmissão das Copas está sendo investigada apenas no exterior. No Brasil, é o tipo de denúncia imediatamente ignorada pelo Judiciário e abafada pelo cartel da grande mídia.
— O povo brasileiro —
Se há alguma coisa que os brasileiros têm aprendido, a duras penas, é que a democracia admite enganos, mas não molecagens.
Ludibriados por uma mídia influente, determinada a desinformar em razão de sua agenda de interesses, setores barulhentos da classe média bateram panelas e saíram às ruas para afastar o PT do poder.
Na barafunda da mistificação, tudo servia de pretexto, da corrupção na Petrobras às lendárias pedaladas fiscais. A “crise econômica”, turbinada pelo lockout do empresariado rentista, botou combustível na histeria. O governo ilegítimo foi instaurado, mas os militantes verde-amarelos fizeram vista grossa para a quadrilha no poder.
O ano de 2017 trouxe a rebordosa. A vergonha silenciou as panelas e os que promoveram a tragédia ou se eximem de qualquer responsabilidade pela patetice política ou radicalizam ainda mais seu ódio aos pobres, às minorias, às mulheres e aos negros. O povo brasileiro vai virar o ano vivendo o velho dilema de ter de optar entre a civilização e a barbárie, com grande chance de a civilização perder.
— Kevin Spacey —
Para dar um colorido internacional à nossa lista de indigitados de 2017, o protagonista de House of Cards, seriado político da Netflix, representa a si mesmo e a uma legião de poderosos cavalheiros subitamente denunciados como predadores sexuais – criaturas que se prevaleciam de algum tipo de poder ou preeminência para assaltar rapazes (como foi o caso de Kevin Spacey) ou mulheres vulneráveis (como fez, em inúmeras vezes, o megaprodutor de Hollywood Harvey Weinstein, campeão incontestável nesse quesito de abuso libidinoso).
A denúncia pública dos tarados expôs também figurões da tevê nos Estados Unidos e na Inglaterra e, tipicamente, políticos que fizeram carreira a bordo de uma agenda moralista.
Fonte: Carta Capital