BRASIL AFASTA-SE DOS BRICS E VOTA CONTRA A SÍRIA NA ONU
Às vésperas do
carnaval, a representante do Brasil na ONU votou resolução de condenação ao
governo sírio, afastando-se dos BRICS, dos países da ALBA , emitindo
contraditória e perigosa mensagem de aproximação com as potências que sustentam
intervencionismo militar crescente em escala internacional.
Beto
Almeida
Às vésperas do carnaval, a representante do Brasil na ONU votou
resolução de condenação ao governo sírio, afastando-se dos BRICS, dos países da
ALBA , emitindo contraditória e perigosa mensagem de aproximação com as
potências que sustentam intervencionismo militar crescente em escala
internacional, especialmente contra países com políticas independentes e
emergentes. Um voto que pode ser um tiro no próprio pé futuramente.
O
Brasil ficou ao lado dos EUA, Inglaterra, França, Canadá, Espanha, Austrália,
Alemanha, que deram sustentação à agressão ao Iraque, ao Afeganistão e , mais
recentemente, à Líbia. Contra esta resolução que tendenciosamente condena e
responsabiliza apenas o governo da Síria pela escalada de violência generalizada
que atinge o país - na qual há farta evidência de ingerência estrangeira - estão
a Rússia, China, Índia, África do Sul, países do grupo Brics - do qual o Brasil
faz parte - e nove países da Alba, além do Irã, da Argélia, do Líbano, da Coréia
do Norte. Este grupo reivindica que a solução da crise síria deve ser exclusiva
dos sírios, que escolherão, nos próximos dias, pelo voto popular direto, um novo
modelo de Constituição.
A votação na ONU ocorre em meio a pressões das
grandes potências de realizarem uma ação de armar a oposição síria. A porta-voz
do Departamento de Estado dos EUA, Victória Nulandi declarou a insatisfação de
seu país diante do veto da Rússia e da China a uma intervenção militar
internacional aos moldes da Fórmula Líbia. Ela afirmou, entretanto, que seu país
não descarta o fornecimento de armas ao autodenominado Exército Livre da Síria,
que, conforme demonstra abundante informação, conta com armamentos, apóio
logístico, de comunicações, recursos financeiros e a presença de mercenários que
atuaram e atuam na Líbia, com apoio dos principais aliados norte-americanos na
região, especialmente da Arábia Saudita e do Qatar.
O papel
intervencionista da TV Al-Jazeera
A participação da oligarquia do Qatar
no conflito sírio inclui a sistemática falsificação midiática da situação síria
por parte da TV Al-Jazeera, emissora que foi fundamental também na sustentação
midiática da invasão neocolonial à Líbia, com sofisticada over dose de
desinformação, reproduzida ad nauseun por toda a mídia comercial internacional
como única fonte informativa, questionada apenas pela Telesur que informava
sobre o monumental massacre promovido pela Otan. Aliás, completamente
confirmado. A TV Al-Jazeera é uma emissora capturada e plenamente a serviço da
oligarquia petroleira internacional e nem mesmo o elogio de certas vozes da
esquerda guiada pela Otan ou de ongs internacionais metidas no movimento de
democratização da mídia, podem mais evitar esta constatação. O Qatar é um
enclave oligárquico onde tem sede uma das mais importantes bases militares dos
EUA na região.
Estaria o Itamaraty entrando em algum desconhecido estado
de hipnose para não prestar a devida atenção ao público e assumido propósito
intervencionista das grandes potências ocidentais na Síria, como revelam as
declarações da porta-voz do Departamento de Estado? Em entrevista recente à BBC,
o Ministro de Relações Exteriores da Inglaterra, Willian Hauge, disse estar
preocupado com uma guerra civil na Síria, mas, confessando o sentido e a
sinceridade de sua preocupação, afirmou, na mesma entrevista: “Como todos viram,
não conseguimos aprovar uma resolução no Conselho de Segurança por causa da
oposição da China e da Rússia. Não podemos intervir como fizemos na Líbia, mas
podemos fazer muitas coisas”. Declarações semelhantes, anunciando a disposição
para apoio militar à oposição no conflito foi dada pelo Chanceler da Holanda,
Uri Rosenthal. Com o emblemático silêncio do Itamaraty. Pior ainda, com a adesão
do Brasil à
resolução patrocinada por este grupo de países historicamente
marcados pelo intervencionismo colonial.
Autorização para a
matança
Sinais de que algo está se movendo negativamente no Itamaraty de
Dilma Roussef surgiram quando, logo no início de seu governo, o Brasil
absteve-se na votação da ONU que decidiu - tomando por base informações não
confirmadas prestadas por emissoras como a Al Jazeera - pela gigantesca
intervenção armada contra a Líbia. Aproveitando-se da frágil e acovardada
posição da chancelaria brasileira naquele episódio, o presidente Barack Obama, o
inacreditável Prêmio Nobel da Paz, desrespeitou a Presidenta Dilma e a todos os
brasileiros ao declarar guerra à Líbia estando em Brasília! O que mereceu
reparos posteriores da própria Dilma. E, pouco depois, uma espécie de confissão
governamental sobre o trágico erro da posição brasileira então, quando o
Assessor Internacional do Palácio do Planalto, Marco Aurélio Garcia, afirmou que
aquela resolução foi na verdade uma “autorização para a matança”.
Foram
203 dias de bombardeios para “salvar civis”, destruindo toda a infraestrutura
construída pelo povo líbio em 40 anos, o que levou aquela nação a registrar o
mais elevado IDH da África. Hoje, o petróleo líbio, antes nacionalizado, e
utilizado com alavanca para sustentar um sistema de eliminou o analfabetismo,
socializou a educação e a saúde, já está nas mãos das transnacionais
petroleiras, evidenciando a guerra de rapina. Nem mesmo a esquerda otanista, que
apoiou a invasão, pode negar os 200 mil mortos líbios, as prisões abarrotadas, a
dizimação sumária das populações negras em cidades totalmente calcinadas, as
torturas. Qual é o balanço que o Itamaraty faz de seu próprio voto que, em
última instância, encorajou semelhante massacre?
Também é sinal de
involução na posição do Itaramaty em relação à gestão de Lula-Celso Amorim, o
voto brasileiro na ONU contra o Irã na temática direitos humanos, sobretudo
quando é conhecidíssima a descarada manipulação desta esfarrapada bandeira
humanista pelo militarismo imperial. Aliás, aquele voto contra o Irã, só não foi
acrescido de vexame diplomático internacional porque o governo persa advertiu
com informações objetivas ao governo brasileiro de que a tão difundida cidadã
iraniana Sakhiné foi condenada por ter assassinado seu marido e não porque teria
praticado adultério como tantas vezes se repetiu no sempre duvidoso jornalismo
global. E também de que era apenas uma grosseira mentira a “notícia” de que os
livros de Paulo Coelho eram censurados no Irã, quando são vendidos livremente, e
muito, em todas as livrarias das grandes cidades persas. A ministra da cultura
de um país com taxas de leituras raquíticas e
analfabetismo vergonhoso quase
comete o papelão de um protesto oficial. Desistiu a tempo.
Telhados de
vidro
Que diferença da postura firme do Itamaraty no governo que condenou
veemente a criminosa guerra imperialista contra o Iraque! Agora, observa-se uma
gradual aproximação das posições do Itamaraty aos conceitos e valores daqueles
países que promoveram aquelas intervenções indefensáveis contra o Iraque, o
Afeganistão e a Líbia. O que indicaria uma contradição evidente também diante
das próprias declarações da presidenta Dilma Roussef sobre direitos humanos em
Cuba, rejeitando, com justeza, a pressão das grandes potências para a condenação
unilateral e descontextualizada de países com posturas independentes.
“Todos temos telhados de vidro”, lembrou a mandatária verde-amarela.
Corretíssimo! Mas por que então só o Irã foi alvo de voto da delegação
brasileira na ONU? Por que não há voto brasileiro na ONU contra Guatânamo, as
torturas praticadas pelos dispositivos militares dos EUA, os seqüestros de
cidadãos islâmicos em várias partes do mundo, com a conivência dos países
europeus que se gabam de serem professores em matéria de democracia e direitos
humanos mas que oferecem seu território, seu espaço aéreo e suas instalações
militares para, submissos, colaborarem com as repressivas leis exclusivas dos
EUA? Será que o Itamaraty vai fazer algum protesto na ONU diante de declarações
de autoridades do Pentágono de que comandos militares dos EUA que executaram Bin
Laden no Paquistão poderão atuar também na América Latina?
Não estará
havendo um descolamento de algumas posturas do Itamaraty em relação à posição
estratégica que a política externa vem construindo ao longo de décadas,
reforçada de modo mais elevado e coerente no governo Lula? Neste período,
formatou-se uma estratégica prioridade para uma relação cooperativa com os
países do sul, uma integração concreta com a América Latina e Caribe, agora
consolidada na criação da Celac, a igual prioridade para o fortalecimento da
Unasul (inclusive de seu Conselho de Defesa), a defesa da legítima soberania
argentina sobre as Malvinas contra a ameaçadora pretensão colônia inglesa e,
finalmente, a coordenação e inclusão do Brasil no Grupo do Brics, sem esquecer
os objetivos que levaram Lula a promover a Cúpula de Países Árabes e América do
Sul.
O Brasil diversificou prudentemente suas relações internacionais
tendo agora como maior parceiro comercial a China e não os EUA, com quem possui
perigoso e crescente déficit comercial, além de ser um país que já promoveu
sanções contra o Brasil por causa do Acordo Nuclear, por causa da Projeto
Nacional da Informática, , sem esquecer, claro, o nefasto golpe militar de 64,
confessamente apoiado pelo Departamento de Estado dos EUA.
A sinistra
mensagem da Líbia
Enquanto o Itamaraty parece hipnotizado por uma relação
de aproximação com os países que mais promovem intervencionismo militar
unilateral e ilegal no mundo, nos círculos militares brasileiros se ouviu e se
entendeu com clareza e concretude a ameaçadora mensagem enviada pelas grandes
potências com a agressão à Líbia, inclusive, aplicando arbitrariamente, ao seu
bel prazer, os termos da Resolução aprovada na ONU. Especialistas militares
brasileiros já discutem em organismos superiores a abstração de uma visão
política que não considera que a intervenção rapinadora sobre as riquezas da
Líbia são também ensaios e testes para ações mais amplas e generalizadas que
podem ser aplicadas contra todo e qualquer país que também possua riqueza
energética e alguma posição independente no cenário internacional. O figurino
não serve para o Brasil? Tal como Kadafi, que se desarmou, que abandonou seu
programa nuclear, que se aproximou
perigosamente dos carrascos de seu próprio
projeto de nação, e que não pode organizar uma linha estratégica de defesa em
coordenação com países como Rússia e a China, o Brasil também desarmou-se
unilateralmente durante o vendaval neoliberal. A indústria bélica brasileira foi
levada ao chão praticamente, configurando-se, agora, um perigoso cenário: é
possuidor de imensas reservas de petróleo descobertas, como também de urânio, de
nióbio, de água, de biodiversidade, e , simultaneamente, não possuidor da mais
mínima capacidade de defesa para controlar eficientemente suas fronteiras ou até
mesmo a Baía da Guanabara como porta de entrada do narcotráfico internacional,
cujas noticiadas vinculações com organismos como a Cia deveria merecer a
preocupação extrema do Itamaraty. Será que a robusta e impactante revisão pela
Rússia e China de suas posições adotadas quando admitiram a agressão imperial
contra a Líbia para uma nova
postura de veto a qualquer repetição da fórmula
líbia que a Otan confessa pretender aplicar contra a Síria não deveria alertar
os formuladores da política do Itamaraty?
Da mesma forma que se ouviu
estrondoso a acovardado silêncio itamaratiano quando um avião Drone dos EUA foi
capturado, em dezembro pelos sistemas de defesa iranianos quando invadia
ilegalmente o espaço aéreo do Irã, agora, repercute novo silêncio brasileiro
diante das jorrantes informações de infiltração de armas e de mercenários da
Al-Qaeda em território, como admitem autoridades de países membros da Otan. O
que pretende o Itamaraty? Defender os direitos humanos dos mercenários da
Al-Qaeda subvencionados por países como a Arábia Saudita e o Qatar, que já
haviam violado a soberania da Líbia, com o conivente voto brasileiro na
ONU?
Manifestações populares defendem posição da Rússia e da
China
Que significado terá para o Itamaraty a gigantesca manifestação
popular em Damasco para receber o Chanceler russo , Sergei Lavrov, e agradecer a
posição da Rússia e da China contra qualquer intervenção militar na Síria? Não
estará a própria Rússia saindo de uma fase de hipnose de anos que, baseada na
insustentável credulidade em torno dos acordos de redução de arsenais firmados
com os EUA, levou-a, de fato, apenas a um desarmamento unilateral enquanto os
orçamentos militares norte-americanos multiplicam-se e já suplantam os
orçamentos militares de todos os países do mundo somados? Que significa para o
Itamaraty a contundente declaração do Primeiro Ministro da China, Hu Jin Tão,
propondo uma aliança militar sino-russa, após advertir que os EUA “só entendem a
linguagem da força”?
Enquanto o Brasil vota com os países
intervencionistas contra a Síria, a Inglaterra eleva sua presença militar
nuclear no Atlântico Sul e os organismo militares brasileiros, como já tinham
detectado durante da guerra das Malvinas nos anos 80, percebem que não há
suficiente e adequada capacidade de defesa nacional para as riquezas do pré-sal.
Naquela época, embora posicionando-se pela neutralidade, o Brasil
assumiu uma posição de neutralidade imperfeita que não o impediu de dar ajuda
logística e de material de reposição militar à Argentina em sua guerra contra o
imperialismo inglês, ocasião em que Cuba também ofereceu tropas ao governo
portenho para lutar contra a Inglaterra. Compare-se com a posição atual no caso
sírio. Será que é motivo de preocupação concreta para o Itamaraty, tendo como
base o princípio sustentado pelo Brasil, de que quantidades indeterminadas de
aviões drones dos EUA vasculham o território sírio, como anunciam autoridades
norte-americanas, violando, portanto, sua soberania? Esta ingerência externa não
merece posicionamento formal do Brasil na ONU? Mas, na rasteira filosofia dos
dois pesos e duas medidas, o Brasil vota em aliança os países intervencionistas
para intimidar o Irã em matéria de direitos humanos, mesmo quando a presidenta
Dilma
anuncia que todos têm telhado de vidro e que a discussão sobre os
direitos humanos deve iniciar-se pela sistemática câmara de torturas que os EUA
mantém na base de Guantânamo. Será que as palavras de Dilma não são ouvidas no
Itaramaty?
O governo do Líbano já está adotando posições políticas, que
incluem manobras militares, para evitar que suas fronteiras com a Síria sejam
utilizadas pelas nações que estão patrocinando o armamento e a infiltração de
mercenários, com o apoio ostensivo de países intervencionistas, com o objetivo
de derrubar o governo de Damasco. O mesmo está ocorrendo na Turquia, inclusive,
com a ocorrência de uma grande manifestação popular em cidade turca fronteiriça
à Síria, em apoio ao governo de Damasco. Em Curitiba, a Igreja Ortodoxa realizou
Missa de Ação de Graças, organizada pelas comunidade sírio-libanesa e palestina,
em agradecimento à Rússia e a China, gesto parecido ao ocorrido em Brasília,
quando a mesma comunidade levou flores e agradecimento à embaixada da Rússia no
Brasil.
Partidos e sindicatos
É importante que os partidos e
sindicatos, sobretudo a aliança dos partidos progressistas e antiimperialistas
que sustentam o governo Dilma, discutam atentamente as sombrias involuções da
política do Itamaraty. Os militares brasileiros, certamente, já estão discutindo
em seus organismos de estudo e planejamento, como indica a quantidade de textos
e participações de autoridades militares brasileiras em audiências públicas e em
publicações especializadas, sobretudo a partir da sinistra mensagem da Líbia.
Enquanto o Brasil é alvo de uma guerra cambial desindustrializadora,
como advertem membros do governo, enquanto especialistas militares advertem para
o período de nosso desarmamento unilateral frente a nossas gigantescas e
cobiçadas riquezas naturais, observa-se, enigmaticamente, um reposicionamento do
Itaramaty distanciando-se não apenas dos princípios e posturas aplicadas mais
acentuadamente durante o governo Lula, mas, distanciando-se também do conjunto
de países com os quais vem construindo uma linha de cooperação para escapar dos
efeitos da crise que as nações imperialistas tentam descarregar sobre a
periferia do mundo. E aproximando-se dos sinais e valores impregnados nos
discursos e atos da sinistra Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton,
aquela que comemorou com uma gargalhada hienística quando viu as imagens de
Muamar Kadafi sendo sodomizado e executado graças a informações prestadas pelos
comandos militares dos EUA,
conforme denunciou Vladimir Putin.
Ponto
alto da campanha eleitoral de Dilma Roussef foi a declaração de Chico Buarque em
defesa de sua candidatura porque com Lula e Dilma, disse ele, “o Brasil não fala
fino com os EUA e não fala grosso com a Bolívia”. O que explicaria então esta
enigmática e contraditória aproximação do Itamaraty com as posturas
ingerencistas de Hillary Clinton com relação à Síria e ao Irã? Seria afastamento
em relação à genial síntese feita pelo poeta e revolucionário Chico
Buarque?
Jornalista, Membro da Junta Diretiva da Telesur.
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