21/06/2012
186) O silêncio ensurdecedor da mídia
Bico calado
Conta a crônica de milagres católicos que Santo Antônio (de Lisboa ou de Pádua), ainda em vida humana, foi pregar na cidade de Rimini na Itália, em 1233 d.C., onde dominavam hereges cátaros. Estes haviam combinado entre si não ouvi-lo em hipótese alguma. Frei Antônio subiu ao púlpito e viu que, diante dele quase todos se retiravam. Isso não o esmoreceu e, em seu zelo, pregou aos que tinham ficado, tomado de ardor celeste, falando com tal energia que os hereges reconheceram seu erro e resolveram mudar de vida. O Santo não se contentou com aquele resultado parcial e, retirando-se a uma cela, elevou preces ao Altíssimo para que toda a cidade se convertesse. Saindo do retiro, foi direto às praias do Mar Adriático e, em altas vozes, convocou os peixes para ouvi-lo e celebrarem em louvor do seu supremo Criador, já que os homens ingratos não queriam fazê-lo. Diante daquela voz imperiosa, apareceram logo os incontáveis habitantes das águas, que se distribuíram ordeiramente, cada qual junto com os da sua espécie e tamanho. Os peixes ergueram suas cabeças da água e ficaram longo tempo imóveis, a ouvi-lo.
Professando a religião dos Orixás, o mentor do MUÇUNGÃO é insuspeito para referir esse milagre católico, mormente quando quer ressaltar a insensibilidade humana ante fatos transcendentais.
De fato, considere-se que, nos dias correntes, continua sub judice o caso da desestatização do controle acionário da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), irregularmente rebatizada com o nick name “Vale S/A” (*), a fim de convencer ao público em geral sua natureza de empresa transnacional e não mais brasileira, como foi o objetivo de sua criação com o Decreto-Lei n° 4.352, de 1°/06/1942.
Neste espaço nomeado MUÇUNGÃO, isto é, beliscão em banto, visando a despertar a atenção dos cidadãos acaso interessados em preservar o patrimônio nacional, muito se tem falado desde 04/11/2005 sobre o enorme contencioso de ações populares ainda em aberto sobre o tema. Nada obstante esse esforço, a única repercussão havida foram duas medidas promovidas em nome da mineradora, inspiradas em momento ruim pelos seus atuais controladores, incomodados com o que aqui se diz: (i) uma ação ordinária, com pedido de indenização de R$ 5 mil reais e multa diária de R$ 1 mil reais, enquanto o Blogue não fosse retirado da Internet, e (ii) uma representação na Seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ambas patrocinadas pelo Conselheiro Federal da OAB, CARLOS ROBERTO DE SIQUEIRA CASTRO, visando a impor uma ordem de caluda (**) ao mentor deste espaço.
Acontece que, em 07/03/1997, preocupados com a abulia nacional, 60 juristas de escol, que poderíamos chamar em sua maioria de Ololás (***) da Pátria, assinaram um Manifesto à Nação, texto de onde destacamos dois trechos mais significativos para a pregação deste artigo:
"Muitos cidadãos têm visto com intranquilidade a metódica e crescente concentração do poder, ultimamente ocorrida no Brasil em prol do Executivo, sem que, em contrapartida, transpareçam nos meios de comunicação sinais de oposição consistente a este perigoso fenômeno. Nós, estudiosos do direito público, sentimo-nos no dever de manifestar preocupação e até mesmo alarme diante de tal estado. Ocupando-nos, por ofício, dos temas relativos às instituições fundamentais do País, cremos estar em condições de avaliar a extensão deste processo e as graves consequências que poderá causar - como já está causando - em detrimento da Democracia e das garantias do cidadão.
(...)
"A sequência dos fatos arrolados - todos eles públicos, notórios e reveladores de uma escalada progressiva - evidencia que não se está perante um alarme infundado. Há um clima de personalismo crescente. Seu bom êxito, até o momento, propiciado pela ausência de repercussão na mídia dos inconformismos existentes (com o que fica indevidamente sugerida uma unanimidade nacional abonadora das distorções mencionadas), demanda que se recorde a advertência de Montesquieu, muito atual para nós brasileiros: é uma experiência eterna a de que todo aquele que detém o Poder tende a dele abusar; o Poder vai até onde encontra limites.” (Os destaques em negrito foram feitos na transcrição.)
No caso da desestatização do controle da CVRD as autoridades, a mídia, o público em geral partem do pressuposto de que o leilão de títulos no dia 06 de maio de 1997 foi o último ato digno de crédito, a alienação da mineradora está consumada e não há mais nada a fazer. Fala-se até uma heresia jurídica, que é considerar sepultadas todas as causas de vício do procedimento administrativo, cunhando-se a expressão “sanatória do nulo em homenagem à boa-fé”. Pergunta-se: Boa-fé de quem, se foram publicados editais no dia 18/04/1997, por ordem judicial, advertindo os interessados sobre as ilegalidades constantes do Edital n° PND–A–01/97/CVRD? Boa-fé de quem, se esse instrumento convocatório foi elaborado na realidade pelo grupo BRADESCO/BRADESPAR, por “delegação” inexplicável do BNDES, este sim legalmente incumbido de ser o Gestor do Programa Nacional de Desestatização, mas abdicou? E, antes disso tudo, “privatização” do que, se a CVRD nunca deixou de ser uma empresa privada desde sua criação em 1°/06/1942 pelo Decreto-Lei n° 4.352?
As advertências feitas nos momentos que antecederam o leilão espúrio continuaram; as dezenas de ações populares (garantias constitucionais de cidadania) remetidas a Belém/Pará e ali julgadas extintas foram reexaminadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sendo reformadas; a Reclamação n° 2259 ajuizada somente em nome da CVRD foi julgada apenas parcialmente procedente, ensejando a continuação dos processos mais essenciais ao desfazimento da venda prejudicial ao Brasil; o Recurso Extraordinário n° 633954 e a Ação Cautelar, movidos também somente em nome da CVRD, foram atribuídos à relatoria do ministro GILMAR FERREIRA MENDES, cuja atuação está prejudicada por ter sido Advogado-Geral da União até ser nomeado para o Supremo Tribunal Federal pelo ex-presidente FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, réu na maioria das ações populares sobrestadas por ordem do seu mandatário.
Rebelando-se contra esse descalabro, o MUÇUNGÃO ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Impedimento n° 9 em 30/10/2011, que ficou retida no Gabinete da Presidência desde 03/11/2011, até que o atual presidente, Excelentíssimo Ministro CARLOS AYRES BRITTO, proferiu no último dia 31/05/2012 o despacho seguinte: "Nos termos do § 1º do artigo 103 da Constituição Federal de 1988, encaminhem-se os autos à Procuradoria-Geral da República.”.
Nenhum dos seguidores do MUÇUNGÃO tem os dons de santidade de Frei Antonio de Lisboa (ou de Pádua), contudo, apesar do silêncio ensurdecedor da mídia a respeito dos capítulos morosos desse drama judicial sobre a desestatização da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (a CVRD clássica nacional, não a “Vale S/A” transnacionalizada), o despacho do eminente atual presidente do STF abre a esperança de que os olhos e ouvidos humanos brasileiros não continuem fechados como os dos hereges de Rimini em 1233 d.C., nem os cidadãos decentes do Brasil fiquem passivos como os peixes do Mar Adriático, mas reajam contra o refenato econômico imposto pelos atuais posseiros da CVRD.
>>>>>>>>>>>>>>>Em dúvida<<<<<<<<<<<<<<<
Escrito por Eloá às 03h58
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