Os muitos significados dos 34 anos da Revolução IRANIANA
Beto Almeida
Há 34 anos, num 11 de fevereiro como hoje, um poderoso
movimento de massas, liderado pelo Aiatolá Khomeini, com a participação massiva
de trabalhadores, jovens, mulheres, religiosos, conseguia por fim, após anos de
resistência e meses de mobilizações diárias, derrubar o regime monárquico,
ditatorial de Reza Pahlevi, aliado do imperialismo inglês e estadunidense, que
aliás apóiam o desenvolvimento nuclear do Irã, como parte da estratégia mundial
contra a então URSS e seus aliados naquela região.
Em 34 anos, o Irã realizou regularmente
8 eleições presidenciais pelo voto direto. Os EUA, nenhuma! O Irã não atacou,
não agrediu, não invadiu nenhum país em todo este período. Já os EUA
intervieram militarmente em Granada, Panamá, Somália, Iraque, Afeganistão,
Líbia, apóiam oficialmente a agressão contra a Síria, apóiam a ação
imperialista da França contra o Mali, apóiam as sanguinárias intervenções
militares de Israel contra a Palestina, contra o Líbano (onde foi derrotado),
instalaram prisões e centros de tortura em 54 países do mundo e mantiveram o
bloqueio ilegal contra Cuba. Mas, graças ao controle do fluxo midiático
internacional, uma avalanche diária de mentiras apregoa que o Irã é seria
supostamente uma ditadura, um perigo para a humanidade, inclusive por pretender
ter acesso pleno ao desenvolvimento da tecnologia nuclear. Afinal, os EUA não
têm tecnologia nuclear e não foi o único país a usar a bomba atômica contra o
povo japonês, no maior atentado terrorista registrado na era moderna?
A Revolução antiimperialista do
Irã chega aos 34 anos enfrentando sanções de várias modalidades por parte do
capitalismo mundial. Sanções que, até agora, não conseguiram travar o progresso
educacional e científico-tecnológico da nação persa, ao contrário. Enquanto,
países como o Brasil, para dar um exemplo, vê o seu programa espacial patinar e
patinar, anos a fio, o Irã, que deu início ao seu programa espacial muito
depois do brasileiro, acaba de lançar uma nave tripulada ao espaço e fabrica,
totalmente, seus próprios satélites, sendo também nacional a tecnologia para o
seu lançamento.
O significado da captura do drone made
in USA
Enquanto o Brasil viu-se
praticamente desarmado ante o vendaval neoliberal que demoliu sua indústria
base, entregou a Embratel ao controle norte-americano e com ela o controle de
informações estratégicas, inclusive militares, o Irã fabrica seus próprios
submarinos, seus drones, seus aviões, civis e militares. Aliás, foi com uma
tecnologia que o Irã surpreendeu a arrogância tecnológica dos EUA, que só
acreditou no desenvolvimento tecnológico persa nesta área quando um drone
espião made in USA foi totalmente
capturado e aterrissado em solo Irãiano - não foi abatido, foi capturado por um
sistema eletrônico de navegação aérea super avançado.
Enquanto o Irã, com apenas 34
anos de revolução que lhe permitiu assumir plenamente o controle sobre sua
economia petroleira, antes controlada por ingleses, e desenvolver uma avançada
indústria aérea, automotiva e ferroviária, o Brasil se vê diante de
dificuldades para retomar não só o crescimento, mas o controle nestas áreas, já
que a Embraer foi privatizada, a indústria naval foi privatizada e demolida -
só agora começa a levantar-se, graças à lucidez de Lula e à presença da estatal
Petrobrás na realização de encomendas - e caminha lentamente para recuperar,
também, sua indústria ferroviária, para o quê é fundamental a decisão tomada
pelo presidente Lula de reestatizar a COBRASMA, fábrica de equipamentos
ferroviários. Criada como estatal no governo Geisel, foi privatizada por
Fernando Henrique Cardoso e reestatizada no governo do PT.
Correntes antiimperailistas: militares ou religiosas
Enquanto o Irã já nacionalizou
totalmente o seu petróleo e chega aos 34 anos de Revolução anunciando ao mundo
a entrada em operação da maior refinaria do mundo revela a todos os sucessivos
fracassos dos EUA para destruir aquele processo revolucionário que registrou
também a incompreensão de muitos setores dogmáticos da esquerda em razão para
presença das estruturas religiosas com uma entrega heróica em sua realização,
entrega e desprendimentos que nada ficam a dever a qualquer processo
revolucionário em qualquer parte do mundo. Mas, estes dogmáticos são os mesmos
que também ficaram perplexos, indecisos e até hostilizaram outros processos
conduzidos por equipes militares como Chávez, com Nasser, Alvarado, Torrijos,
Thomas Sankara ou Kadafi, chegando ao absurdo de intelectuais de valor passarem
a apoiar a OTAN na guerra neocolonial contra Líbia, tal como antes, setores de
esquerda se aliaram ao imperialismo contra Peron, contra Vargas e agora também
contra a Síria.
Lições do fracasso das sanções imperiais
O vigoroso exemplo iraniano na
tomada soberana de seu próprio petróleo, resistindo a todas as sanções
imperialistas por meio da superação da dependência tecnológica - um estudo
aponta que os cientistas iranianos na área do petróleo e nuclear possuem uma
média de idade de 31 anos, inferior portanto ao período revolucionário -
deveria ser profundamente estudado pelo Brasil, em particular pelo PT, pelos
cientistas e pelas academias militares brasileiras.
A entrada em operação da
Refinaria Shazand, a maior do mundo, com tecnologia totalmente nacional, é
indicativo do potencial de desenvolvimento que se pode alcançar a partir de uma
postura de independência. Mahmud Ahmadinejad acaba de anunciar também que o Irã
está promovendo, ademais da independência tecnológica, a independência
monetária frente ao dólar, realizando operações com outras moedas e outros
países que não se submetem às ordens arrogantes dos EUA ao aplicar as sanções,
e que, ao contrário, ampliam suas relações com a nação persa, terra de férteis
poetas e cultura milenar. Em direção contrária a uma soberania monetária plena,
o Ministério da Fazenda no Brasil anuncia a privatização do IRB (Instituto de
Resseguros do Brasil), depois de ter quebrado monopólio estatal nesta área
decisiva em 2007, monopólio construído na Era Vargas, quando o presidente
gaúcho aceitou um conselho estratégico do saudoso Barbosa Lima Sobrinho. Que
paradoxo! Quanto mais o dólar é inconfiável, quanto mais é instável e
desequilibrado o sistema financeiro internacional, quanto mais se repetem os
exemplos de fraudes, falência e inseguranças, o Brasil marcha na direção
contrária, recebendo um tsunami de dólares emitidos sem lastro, capital externo
hoje volume muito maior do que seu superávit primário, e promovendo, não a
expansão produtiva em nosso território, mas apenas e tão somente uma
vertiginosa desnacionalização da economia, inclusive em setores estratégicos
como o da energia, no etanol e no petróleo.
Basta dizer que graças uma
desastrosa desvalorização das ações da Petrobrás, nos anos 90, ações compradas
a preço de banana por sortudos “investidores estrangeiros“, uma parte
importante do petróleo pré-sal, cerca de 1/3, estima-se, já pertence aos
praticantes da jogatina de Wall Street, sem terem investido um tostão no
desenvolvimento da Petrobrás, que correu todo o risco para encontrar essa
riqueza. Faz muito bem o chanceler argentino Timmerman, ao alertar,
referindo-se à justa solidariedade brasileira à causa das Malvinas Argentinas,
que “o Brasil deve sim se preocupar com a militarização do Atlântico Sul.
A maior refinaria do mundo
A refinaria de Shazand, próxima à
cidade de Arak, será a primeira no Irã com capacidade processar 4 mil barris diários,
convertendo mais de 90 por cento do óleo cru que recebe em gasolina, gás
liquefeito, propano, querosene, diesel, óleo e alcatrão., contrastando com
declaração recente da presidente da Petrobrás, de que a estatal brasileira não
teria condições de construir sozinha, ou seja, sem capital externo, novas
refinarias, propagando com isto uma nuvem de dúvidas e interrogantes. Se o
Brasil é a quinta ou sexta economia do mundo e não tem capacidade para
construir novas refinarias, como é que o Irã que nacionalizou praticamente toda
sua economia petroleira tem? Esta seria apenas um delas, claro...
Energia nuclear para todos, armas nucleares para ninguém
Para compreender as razões pelas
quais o Irã consegue resistir e vencer as sabotagens, as ameaças e as sanções
imperiais, é preciso conhecer um pouco o pensamento político das lideranças
iranianas , entre elas o discurso que o presidente persa, Mahmud Ahmadinejad
proferiu na ONU, na Assembléia-Geral, defendendo “energia nuclear para todos e
armas nucleares para nenhum país”. Quem pesquisar na internet e conhecer este
texto sonegado pela mídia brasileira ao nosso povo, vai compreender de fato as
razões do Irã, bem como a falta de razões dos países que o atacam. Sobre isso
vale conhecer também declarações do Líder Supremo, Aiatolá Kamenei, ante as
vergonhosas propostas dos EUA para retomar o diálogo com o seu país. “Eu não
sou um diplomata, Eu sou um revolucionário e falo com franqueza, honestidade e
firmeza. Uma oferta de diálogo só tem sentido quando a parte que faz a oferta
demonstra sua boa vontade” criticando com dureza a incoerência e falta de
sinceridade do governo de Barak Obama, que endureceu as sanções contra o Irã,
realiza manobras militares em suas costas, pratica vôos ilegais com drones
sobre o território persa e está por trás dos assassinatos de brilhantes
cientistas iranianos, ante o silêncio incoerente da diplomacia brasileira.
Aliás, diante do crescimento das
relações comerciais entre o Brasil e o Irã, com potencial para amplas
possibilidades de expansão - não apenas no campo econômico, mas também no
científico e tecnológico, pois, afinal, é inexplicável que o Irã , ou a
Argentina ou Cuba não estejam incluídos no roteiro do Programa Ciência sem
Fronteiras - seguem obscuras as razões que levaram o governo Dilma a dar um
voto contra o Irã na ONU, numa clara colaboração do Itamaraty com a hostilidade
da campanha imperial contra a nação persa. Será que a Secretária de Direitos
Humanos da Presidência da República, Ministra Maria do Rosário, desconhece que
é diária e regular a prática de torturas contra brasileiros pobres nas
dependências do estado brasileiro? Será que o Brasil tem lições a dar ao Irã em
matéria de direitos humanos quando aqui o homicídio é comprovadamente a mais
importante causa morte de jovens pobres e negros e quando continuam impunes os
responsáveis pela violência no campo na luta pela reforma agrária?
Energia nuclear e manipulação
Possuidor de um programa nuclear,
o Brasil deveria botar as barbas de molho, pois toda a hostilidade hoje lançada
contra o Irã por seu inquestionável direito de, como membro da Agência
Internacional de Energia Atômica, desenvolver tecnologia nesta área, pode,
amanhã, ser lançada contra nós, não sendo descartadas, a priori, a prática de
sanções. Obviamente, hoje os centros imperiais estão preferindo a enxurrada de
dólares desvalorizados, que compram patrimônio produtivo local e alavancam um
importacionismo devastador para a indústria nacional, implicando não em
absorção de poupança externa como declaram, ingenuamente, alguns membros da
área econômica, mas sim em estupenda e perigosa desnacionalização, além de
volumosa remessa de recursos para as matrizes, que para cá remetem maquinário
sucateado, a preços super faturados. Há,inclusive, denúncias de que alguns
destes maquinários sequer chegam aos nossos portos, mas são religiosamente
pagos. Houvesse jornalismo investigativo maduro no Brasil, eis aí uma boa
pauta.
Ameaças
Enquanto o Irã responde às
ameaças que recebe, sobretudo da parte de Israel, com uma tremenda nacionalização
e desenvolvimento tecnológico de sua indústria bélica, o Comandante da
Aeronáutica no Brasil, em depoimento no Congresso, informou que a maioria das
aeronaves daquela arma praticamente não voam. Agregue-se a isto o fato de que
autoridades da força naval reconhecem que, atualmente, o país não possui
condições efetivas para defender, por exemplo, sua riqueza petrolífera, suas
plataformas etc. Os contrastes bastam para levar aos autoridades a compreender
a importância destes 34 anos de processo transformador da nação asiática
construindo uma soberania concreta, baseada na independência tecnológica, não
apenas no setor militar, mas também neste setor, pois, como é evidente, este
mundo não é para meigos...
Uma Frente Antiimperialista Internacional?
É este desenvolvimento não
dependente o que permite ao Irã ter um papel protagonista na crise síria, ao
contrário do Brasil, que , apesar das declarações da Presidente Dilma em favor
de uma solução pacífica, viu representantes do Itamaraty participando de encontros
internacionais, protagonizados pelas grandes potências ocidentais, onde se
declarou abertamente o apoio armado oficial aos grupos mercenários que querem
esquartejar a Síria, como foi feito com a Líbia, também ante a omissão
inexplicável do Brasil. Hoje, o Irã, com a Rússia e China, reformulam a posição
passiva que tiveram ante a crise da Líbia e estão levando os dispositivos
imperiais a relutarem na repetição de uma operação como aquele feita contra
Kadafi. É preciso organizar uma articulação antiimperialista internacional e
seria indispensável que o Brasil fizesse parte dela, junto com a Argentina, a
Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador,Nicarágua, para citar apenas os países
latinoamericanos.
Um telefonema decisivo
Certa vez, Golda Meir, então
primeira ministra de Israel, ordenou a preparação de 7 aviões militares, com
ogivas nucleares para serem lançadas contra 7 capitais de nações árabes. Um
telefonema de Leonid Brejnev alertando que a URSS não ficaria passiva diante de
um ataque deste porte frustrou os planos sinistros do sionismo, assim como
provavelmente frustraram-se os planos dos EUA de, em 1979, por meio de uma
sofisticada operação militar pelo deserto Irãiano, resgatar os agentes da CIA e
outros que estavam na Embaixada norte-americana em Teerã, ocupada por
estudantes revolucionários persas A versão espalhada pela mídia, honrosa, de
certo modo, foi que uma tempestade de areia prejudicou a intervenção dos
helicópteros... Hoje, as manobras da Marinha Russa no mar da Síria, e os
acordos militares entre Rússia e China, bem como as manobras militares
defensivas do Irã, a Rússia e a China, são mensagens eloqüentes enviadas aos
cérebros intervencionistas imperiais. Parece que a política externa brasileira,
neste campo, anda distante das avaliações feitas pelas academias militares,
mais realistas e concretas, em cujos documentos se adverte para possíveis
agressões de uma nação de grande poder tecnológico contra a Amazônia
Brasileira, por exemplo. Seria a Bolívia? Ora... a retomada da Quarta Frota da
Marinha dos EUA a navegar pelo Atlântico Sul é uma resposta aos céticos,
românticos e crédulos em torno de uma cooperação com os centros imperiais. Seja
monetária, educacional ou militar.
Cultura e Mídia
Premiado recentemente, um filme
produzido nos EUA, “Argo”, elenca e distribui um conjunto de falsas informações
acerca daquele episódio em que os estudantes iranianos ocuparam, por anos, a
Embaixada norte-americana em Teerã, para denunciá-la como um centro de
sabotagens, agressões e de apoio à contra-revolução contra o legítimo direito
do povo persa escolher seu rumo na história, sem submissão ao império como
antes, na sanguinária ditadura-monarquista de Reza Pahlevi.
O cinema tem sido uma fonte de
agressões ao Irã, mas , o cinema iraniano tem conseguido, apesar das sanções e
boicotes e do oligopólio Hollywoodiano, obter reconhecimento e respeito nos
festivais e centros culturais em vários países, com seguidas premiações. Com
isto se comprova o que muitos setores intelectuais insistem em ignorar: o
estratégico papel do estado em defesa do cinema, de uma cultura soberana, da
construção de uma identidade nacional. Aqui ainda estamos com 90 por cento dos
circuitos cinematográficos ocupados por Hollywoody, com o cinema brasileiro
ainda lutando para sair da clandestinidade ante o seu próprio povo, dos quais
apenas 12 por cento freqüenta cinema regularmente, e menos de 10 por cento dos
municípios possuem salas de exibição.
Soberania informativo-cultural
Esta batalha das idéias, no
terreno da cultura e da informação, encontra um Irã cheio de iniciativas ante o
mundo, o que fez com que países capitalistas europeus, que se auto-declaram os
mais cultos e civilizados, tenham censurado os canais de TV iraniana nos
satélites daquele continente. A censura foi seguida agora pelos EUA, que também
proibiu a sintonia da TV pública iraniana em seu território e, para demonstrar
vassalagem, o exemplo censor foi seguido pelo Canadá. Por tudo isto se pode
dimensionar o absurdo do Brasil ter privatizado e internacionalizado, na era
FHC, a Embratel. É preciso reconstruir o estado, nesta área também,
urgentemente, pois é uma questão de soberania informativo-cultural. A distância
de uma postura adequada por parte do Brasil pode ser medida pela reduzidíssima
cooperação da TV Brasil com a Telesur e com a Agência de Notícias Pátria
Latina, apesar do discurso oficial brasileiro em defesa da integração
latino-americana.
Quem é obscurantista?
São muitas as lições que podem
ser extraídas desta vigorosa marcha de 34 anos da Revolução iraniana consolidando
um destino histórico independente, soberano e com capacidade de cooperar com
vários países do mundo nas áreas como indústria de tratores, de caminhões, de
medicamentos. Num único artigo é impossível esgotar o tema. Mas, pelo menos é
possível despertar a necessidade de que sejam superados os preconceitos
daqueles que tentam construir uma imagem do Irã como um país obscurantista, o
que lhes impede examinar efetivamente, objetivamente, o que este país tem
alcançado para o seu povo e para os povos com os quais colabora na região. E
que isto somente foi possível mediante uma atitude de rebelião contra os
critérios e programas enganosos do neoliberalismo e do neocolonialismo e também
mediante o envolvimento do seu povo num novo projeto, razão pela qual, milhões
de iranianos ocuparam hoje as principais praças de Teerã, surpreendendo a mídia
ocidental, incapaz de explicar todo esse fenômeno transformador ao seu povo.
Razão pela qual recorre sistematicamente à censura ou à mentira. Essas sim,
práticas medievais, obscurantistas.
Fonte: Carta Maior, 14 de fevereiro de 2013
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