Tarifa de telefonia e privatização
11/10/2013 14:16
Por Paulo Kliass - de Paris
Por Paulo Kliass - de Paris
Durante a fase de ouro das reformas estruturais nos países em desenvolvimento, os pressupostos do chamado “Consenso de Washington” orientavam a grande maioria das políticas públicas pelo mundo afora. A América Latina foi, em especial, um palco privilegiado para o estabelecimento de medidas orientadas a favorecer a acumulação privada de capital, em detrimento de um conjunto de atividades econômicas e sociais que ainda eram desenvolvidas pelos Estados na região.
Um dos pilares mais importantes desse cardápio do neoliberalismo era a privatização das empresas estatais, processo que conheceu diferentes formas de implementação. A intenção básica era reduzir a presença do Estado na economia, seja por meio da venda direta do patrimônio das empresas públicas ao setor privado, seja por meio da ampliação do espaço do capital privado nesses setores, seja pela abertura da participação acionária ao setor privado nas empresas estatais, seja por meio da concessão de novos espaços da atividade para as empresas privadas. Em suma, todo processo de privatização significa o aumento da presença do privado e o esmagamento da presença do público.
A elaboração mais refinada dos argumentos ficou sob responsabilidade das instituições multilaterais (FMI, Banco Mundial e outros), de centros de pesquisa da ortodoxia econômica e dos institutos ligados ao financismo. A privatização era imposta como uma verdadeira panacéia para todos os males de que as sociedades padeciam. Tudo se explicava pela ineficiência do setor público e de seu suposto gigantismo. Para fazer valer as leis sacrossantas do mercado, era fundamental que o Estado fosse reduzido à sua dimensão mínima, apenas para assegurar os serviços básicos que não pudessem ser delegados à iniciativa privada.
Privatização das telecomunicações: propaganda enganosa
Os diferentes setores de infra-estrutura foram um prato cheio para o processo de privatização. Lá no início – entre as décadas de 1930 e 70, telecomunicações, energia, transportes, saneamento básico e outras áreas foram constituídas como serviços geridos pelas administrações públicas exatamente pelas características inerentes a esse tipo de atividade. No entanto, uma vez passada a fase inicial de investimento pesado, o capital passou a identificar nas mesmas um “locus” espetacular para realização de sua própria acumulação e reprodução.
O caso das telecomunicações brasileiras foi exemplar. As empresas estatais foram todas vendidas ao capital privado a preços muito abaixo de seu valor patrimonial e com o suporte de uma engenharia financeira de baixíssimo custo para os novos proprietários. Esse processo envolveu a sub-avaliação dos lances iniciais das empresas leiloadas, a possibilidade de utilização das chamadas “moedas podres” da dívida federal como forma de pagamento, a participação de fundos de pensão de empresas estatais como suporte financeiro, ente tantos outros artifícios em prol da lógica privada.
Os argumentos mais “convincentes” asseguravam que a venda seria essencial para atenuar o impacto da pesada dívida pública e que o governo ficaria, assim, mais livre para investir nas áreas prioritárias. Além disso, dada a suposta ineficiência pública considerada inquestionável, a simples transferência das empresas para o setor privado provocaria – como um simples toque de mágica – elevação de eficiência e redução de custos. As conseqüências chegariam pela redução de tarifas e pelos ganhos em qualidade de serviços para os usuários. Em suma, seria o melhor dos mundos para todos.
Benesses para empresas e custos para os usuários
No entanto, a realidade pós privatização de nossas telecomunicações foi sendo construída de maneira bem diferente. A suposta prevalência das regras de mercado e de concorrência terminou não vindo pela simples e óbvia razão de que o setor não comporta essa conformação de empresas pulverizadas. Trata-se de uma estrutura altamente concentrada, organizada sob a forma de oligopólios que preferem o acerto entre si a promover disputas que possam resultar autofágicas. Além disso, o desenho das agências reguladoras permite que as políticas públicas sejam implementadas de acordo com os interesses das empresas prestadoras dos serviços, e não dos usuários e nem da sociedade em geral.
Muitos argumentam também que a universalização do acesso ao telefone tetia ocorrido graças à privatização. Na verdade, utiliza-se aqui de um capcioso instrumento de retórica. É inegável o grande avanço de inclusão que foi proporcionado pelo acesso generalizado que a população passou a ter à rede de comunicações (via telefone celular e internet) depois da década de 1990. Esse é um fenômeno global, que atinge as populações de baixa renda na grande maioria dos países, por todos os continentes. O salto tecnológico alcançado pelas inovações da área de telecomunicações, combinada com conquistas da informática, não podem ser consideradas como fruto da melhor gestão privada das empresas.
Fosse o nosso sistema ainda de natureza pública, com toda a certeza os telefones celulares estariam tanto ou mais difundidos pelo Brasil afora, como atualmente. A título de comparação, basta ver o desempenho excepcional alcançado pela Petrobrás em sua área específica de atuação. O fato de ela ter escapado à sanha privatizante – e permanecer até hoje como empresa estatal – não a impediu de auferir ganhos de eficiência e produtividade na pesquisa, prospecção, refino e outras atividades do setor energético. Ao contrário, nossa sexagenária detém conhecimento e capacidade tecnológica de ponta em todas as etapas do processo petrolífero.
Assim, ao fazermos um balanço breve do ocorrido ao longo desses 15 anos de telefonia privatizada, os resultados não se revelam positivos, se a ótica for os usuários e sociedade brasileira de forma geral. O sistema foi vendido a preço de banana e a dívida pública explodiu durante essa década e meia. Assim, o esforço de transferir a propriedade desse verdadeiro filé mignon de nossa administração pública para os conglomerados privados não apresentou os resultados esperados em temos da ótica fiscal. O efeito concorrência foi praticamente nulo, em razão dos poucos agentes operando pelo lado da oferta. As tarifas estavam indexadas, logo de início, à evolução de um índice de preços (IGP-M) que subiu muito mais do que a inflação medida pelo INPC. Assim,, houve uma brutal transferência de renda dos usuários para as empresas já administradas pelo capital privado.
No quesito qualidade de serviços, a impunidade tem sido a regra, juntamente com o desrespeito aos contratos e aos direitos básicos dos consumidores. A ANATEL não consegue impor nenhuma autoridade efetiva sobre as empresas e as mesmas são sistematicamente as primeiras colocadas no campeonato de número de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor. Disputam as medalhas com as instituições financeiras privadas. Estão aí como prova desse descaso também o sucateamento da rede de telefones públicos, as sistemáticas e recorrentes falhas na oferta de sinal, as ilegalidades cometidas na emissão de faturas irregulares, a propaganda enganosa, as dificuldades na execução da portabilidade, entre outros escândalos.
Tarifa no Brasil é a mais cara do mundo
E para premiar a lista de más notícias, eis que surge agora o Relatório 2013 da União Internacional de Telecomunicações (UIT), a agência das Nações Unidas que se encarrega do assunto. O documento consolida um conjunto amplo de informações a respeito do sistema de telecomunicações em todo o planeta, com significativas tabelas de comparação país a país, com dados de 2012. O órgão divulga um índice que procura avaliar o desempenho de cada país em termos de uso e capacidade em tecnologias de informação e comunicação. Na composição desse indicador entram apenas elementos de acesso à rede e equipamentos, mas não há nada relativo a preços de produtos ou serviços. Nesse quesito, o Brasil ocupa a 62ª posição, dentre 193 países avaliados. Um dos itens que mais contribui para essa posição é a variável “número de telefones celulares por 100 habitantes”, pois aqui apresentamos 125 no quesito, ou seja, possuímos a média de 1,25 aparelhos por habitante. E aqui estamos na posição número 45, inclusive à frente de países como Estados Unidos, Canadá, França e Japão.
Outra estatística preocupante refere-se aos preços praticados nas faturas dos telefones fixos de uso residencial. A tarifa média cobrada pelas operadoras no Brasil localiza-se dentre as mais caras do globo. Ocupamos a posição de número 179, atrás apenas de países com perfil de Suíça, Canadá, Noruega, Luxemburgo e semelhantes. Algo deve estar destoante nessa companhia de países com nível de renda per capita muito mais elevada do que o vigente em nossa sociedade.
Porém, a informação que mais evidencia a crueldade com que a população brasileira é tratada nas telecomunicações pode ser sintetizada na tarifa cobrada junto aos usuários de telefonia celular. Nesse caso, ocupamos a última posição da longa lista de países afiliados à UIT, que vai do Afeganistão ao Zimbabwe pela ordem alfabética. Em nosso País, o preço da ligação de telefonia celular – expresso em dólares – é mais elevado do que o praticado, por exemplo, nos Estados Unidos, Japão, Austrália e todos os paises da União Européia. Um verdadeiro contra-senso, principalmente se levarmos o poder aquisitivo do salário mínimo vigente em nossas terras, comparado com os países desenvolvidos.
Tarifa elevada, serviço de qualidade sofrível e extensões imensas de nosso território sem cobertura de sinal. Essa é a realidade da telefonia pós privatização.
Enquanto isso, pelo lado das empresas, todo tipo de benesses concedidas pelos sucessivos governos, desde o momento dos leilões de venda ao capital privado.
Mudanças na Lei Geral das Telecomunicações (lei nº 9.472/97) com o intuito de permitir a operação de telefonia e celular por um mesmo conglomerado. Estímulos ainda maiores à concentração e centralização das mega-empresas do setor, com concordância e autorização da parte do órgão regulador do sistema (ANATEL) e do órgão teoricamente encarregado da “defesa da concorrência” (CADE).
Em resumo, continua valendo por aqui a velha máxima da imagem criada pelo economista Edmar Bacha: infelizmente, também nesse quesito, ainda somos uma Belíndia. Preços e lucros de Primeiro Mundo, ao passo que a qualidade ainda é de Terceiro Mundo.
Paulo Kliass Doutor em economia pela Universidade de Paris 10 (Nanterre) e integrante da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, do governo federal
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Fonte: Correio do Brasil
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