acredito
na capacidade dos brasileiros para se mobilizarem
(Entrevista com Frei Betto)
Carlos Miguélez Monroy*
·
O senhor disse num artigo que é hora de as autoridades
brasileiras “deixarem a torre de marfim, largarem os binóculos centrados nas
eleições de 2014 e pisarem na realidade…” Por que acha que os políticos estão
nessa torre que mencionou?
Porque eles continuam sem dar atenção
aos problemas mais graves do país: saúde, educação, saneamento e transporte
público. Além disso, o Brasil necessita urgente de uma reforma política. É
preciso proibir o financiamento de campanhas eleitorais por empresas e bancos,
e extirpar do nosso sistema político resquícios da ditadura militar
(1964-1985), como o fato de um estado com 1 milhão de habitantes ter o mesmo
número de senadores (3), que um outro com 40 milhões de habitantes.
·
A população se rebela contra um governo “de esquerda”.
Todo mundo trai suas ideias com o poder?
O governo do PT só pode ser considerado
de “esquerda” se comparado ao reacionarismo das forças políticas que lhe fazem
oposição. De fato, trata-se de um governo social-popular desenvolvimentista,
mãe dos pobres e pai dos ricos.
Nem todos traem suas ideias
progressistas ao chegar ao poder. Exemplo disso são Mandela, Evo Morales,
Chávez, Fidel, Rafael Correa, Allende e tantos outros. Mas, no Brasil, o PT
trocou um projeto de país por um projeto de poder. Manter-se no poder, ainda
que com alianças espúrias e concessões contrárias aos próprios princípios
originários do PT, passou a ser mais importante do que implementar uma política
de transformação de nossas estruturas sociais. Em 10 anos de governo, o PT não
promoveu nenhuma reforma estrutural, em especial a mais importante e prometida
em seus documentos fundadores – a reforma agrária.
·
Sua visão do Brasil é tão diferente do discurso
oficial e do discurso de muitos brasileiros otimistas pela macroeconomia, pelo
desenvolvimento do país e pela luta contra a pobreza…
Minha visão é diferente porque encaro a
realidade pela ótica dos oprimidos, e não dos opressores. De fato, o Brasil
conheceu grandes avanços em 10 anos de governo do PT: o desemprego praticamente
inexiste; houve redução da miséria, da qual 40 milhões de pessoas foram salvas;
expansão do crédito; acesso mais fácil aos produtos de primeira necessidade;
importação de médicos estrangeiros para áreas populares; valorização do salário
mínimo e controle da inflação. Tudo isso trouxe evidentes melhoras à vida do
povo brasileiro.
Porém, segundo o IPEA, órgão do governo
federal, a diferença entre os mais ricos e os mais pobres é de 175 vezes! (dado
de novembro 2013). Ainda há 16 milhões de pessoas na miséria. Os serviços de
saúde e o sistema público de educação estão sucateados, são de baixa qualidade.
O transporte público é ineficiente. O governo continua injetando demasiado
dinheiro no mercado financeiro, favorecendo a ciranda especulativa. O
agronegócio desmata a Amazônia e as mineradoras poluem os rios sem que o
governo tome medidas eficazes de proteção ambiental e às populações indígenas
(há cerca de 800 mil indígenas no Brasil).
·
Quais seriam as razões de fundo para os problemas
graves que assinalava antes?
A falta de um modelo alternativo ao
neoliberalismo e ao modelo capitalista desenvolvimentista-consumista. Por outro
lado, o governo é refém das classes dominantes e, embora seja resultado dos
movimentos sociais, tem pouco diálogo com suas lideranças.
·
O senhor trabalhou no programa Fome Zero do governo de
Lula. Como avalia esse programa e seu trabalho ali? Por que o deixou?
Deixei porque o Fome Zero tinha caráter
emancipatório e o governo decidiu erradicá-lo para implantar o Bolsa Família,
que tem caráter compensatório. Família que ingressava no Fome Zero estaria em
condições de gerar a própria renda em dois ou três anos. As famílias do Bolsa
Família perpetuam sua dependência ao governo federal, sem porta de saída. Por
outro lado, o Fome Zero era administrado pelos Comitês Gestores, integrados por
lideranças populares do município beneficiado. O Bolsa Família é administrado
pelos prefeitos, que o transformam em moeda eleitoral…Tudo isso descrevo em meu
livro “Calendário do Poder” (editora Rocco).
·
O senhor acha que a realização da Copa do Mundo
ajudará o desenvolvimento do Brasil? Acha compatível o dispêndio de milhões de
reais com a melhora da vida das pessoas? Os despejos são efeitos colaterais
necessários para esse desenvolvimento, como dizem algumas pessoas?
Nunca imaginei que o governo brasileiro
se tornasse tão subserviente aos interesses pecuniários da Fifa. Os estádios
para a Copa estão sendo construídos precariamente (vide os constantes
desabamentos e mortes de operários); as obras são superfaturadas (previstas
inicialmente em 22 bilhões de reais, já atingem o valor de 30 bilhões de
reais); a lei seca nos estádios foi revogada por pressão das cervejarias
aliadas à Fifa; os ingressos são muito caros e, devido à crise financeira na
Europa, o número de torcedores estrangeiros na Copa deve ser muito menor do que
o previsto. Assim, não duvido que ocorram manifestações populares durante a
Copa, como aconteceu durante a Copa das Confederações, em junho de 2013.
·
Como o senhor avalia a maneira que os meios de
comunicação falam sobre o Brasil?
Os grandes meios miram o Brasil com
preconceito, como se os índices da Bolsa de Valores e do PIB traduzissem a nossa
realidade. E julgam que somos apenas o país do futebol, do carnaval e das
mulatas. Mas isso é culpa do nosso governo, que não incentiva o turismo
ecológico, cultural e científico. Mesmo o brasileiro rico prefere levar os
filhos à Disneylândia que à Amazônia… Nossas favelas são pintadas e não
saneadas.
·
Existem propostas de reduzir a idade penal dos
criminosos no Brasil. O senhor acha que é uma medida efetiva para reduzir a
criminalidade? Que outras medidas ajudariam a reduzir a criminalidade nas ruas
do Brasil?
Em nenhum país do mundo – vide os EUA –
a redução da maioridade penal ou pena de morte significou redução da
criminalidade. Esta se reduz com educação básica de qualidade, creches para
crianças de 0 a 6 anos, tempo integral na escola etc.
·
O senhor encontra diferenças entre a política de Lula
e a de Dilma Rousseff?
Lula dialogava mais com os movimentos
sociais e promoveu mais assentamentos e desapropriações de terras para efeito
de reforma agrária do que Dilma. Mas na política econômica não há diferenças.
·
Que razões o senhor tem para ser otimista quanto ao
futuro do Brasil?
Tenho um princípio: Guardar o pessimismo
para dias melhores… Acredito na capacidade de mobilização do povo brasileiro,
sobretudo dos mais jovens, e espero que nas eleições de 2014 possamos mudar o
perfil conservador do Congresso Nacional e reeleger Dilma presidente, pois é
melhor ela do que qualquer outro candidato com possibilidade.
E sei que, se o papa é argentino, Deus é brasileiro!
*Jornalista
espanhol
Nenhum comentário:
Postar um comentário