unidos no
golpe de 1964
Apenas cinco meses após o golpe
que depôs o presidente João Goulart, a tradicional revista norte-americana
Fortune publicava uma longa reportagem narrando a parceria entre o então
embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, e os empresários paulistas que articularam
a conspiração. Enquanto setores civis e militares se armavam e ensaiavam a
rebelião, lideranças golpistas foram pessoalmente à embaixada perguntar qual
seria a posição de Washington caso fosse deflagrada uma guerra civil no Brasil.
“Cauteloso e diplomático, Gordon deixou a impressão de que, se os paulistas
conseguissem segurar [o comando da guerra civil] por 48 horas, obteriam o apoio
e o reconhecimento dos Estados Unidos”, escreveu a publicação.
Essa é a apenas uma das
revelações do artigo publicado por Philip Siekman na edição da Fortune de
setembro de 1964, intitulado “When Executives Turned Revolutionaries” (Quando
executivos viraram revolucionários), que completava no subtítulo: "Uma
história ainda não contada: como os empresários de São Paulo conspiraram para
derrubar o governo infectado de comunistas do Brasil". [clique aqui para
ler o texto, em inglês] A revista dá voz aos empresários
"bandeirantes" para mostrar como os executivos se articularam para
financiar a conspiração armada que depôs Jango. Embora voltada ao público
norte-americano, a reportagem repercutiu no país, acirrou rivalidades entre os
golpistas paulistas e cariocas e foi usada como panfleto para incentivar a
vinda de investimentos estrangeiros para o país.
Entre os fatos mais reveladores
do texto de Siekman, a revista procurou destacar o papel central que o Ipês
(Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e seus líderes desempenharam na
conspiração. Primeiro, arrecadando fundos dos principais industriais paulistas
e cariocas: “No total, cerca de 400 empresas contribuíram para a instituição; e
o fluxo de caixa anual não passava dos US$ 500 mil”. E, mais tarde, ao decidir
adotar métodos mais diretos: “Células de vigilância começaram a se equipar com
armas leves, instalar fábricas clandestinas de granadas de mão, e escolher um
local para levar a cabo operações de guerrilha na guerra civil que consideravam
inevitável e iminente”. O Ipês foi fundado em 1961 "oficialmente"
para defender a livre iniciativa e a economia de mercado; a entidade uniu
acadêmicos conservadores, empresários e militares para desestabilizar o governo
Jango.
A partir de um ponto de vista do
empresariado paulista, Fortune traça o panorama do cenário político, econômico
e social do Brasil, concluindo que, sem a intervenção, a situação só poderia
ter levado o país ao caos. “De repente e quase milagrosamente”, diz Fortune,
eles haviam salvado a nação, interpreta a publicação. Se antes a revista só
imaginava duas possíveis saídas para o Brasil — um “Estado totalitarista
dominado por comunistas” ou uma “guerra civil sangrenta e complexa” —, os
“Paulistas” teriam forjado a terceira via: uma revolta que durou dois dias, pôs
Jango no exílio e seus simpatizantes na cadeia. É por isso que, de acordo com a
revista, o levante deveria ser merecidamente chamado de “a Revolta dos
Paulistas”.
A revista Fortune foi fundada em
1930, meses após o crash da bolsa de NY, pelo editor Henry Luce — o mesmo que
criou as icônicas Life e TIME. Pioneira ao especializar-se em finanças e
negócios, a publicação existe até hoje e faz parte de um dos maiores
conglomerados de mídia do mundo.
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