Publicado
maio 31, 2014
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http://luizmullerpt.wordpress.com/2014/05/31/o-novo-papel-do-joaquim-barbosa/
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A saída de Joaquim Barbosa do STF representa um
alívio para a Justiça do país e é uma boa notícia para os fundamentos da
democracia brasileira. Abre a oportunidade para a recuperação de noções básicas
do sistema republicano, como a separação entre poderes, e o respeito pelos
direitos humanos – arranhados de forma sistemática no tratamento dispensado aos
réus da Ação Penal 470, inclusive quando eles cumpriam pena de
prisão.
Ao aposentar-se, Joaquim Barbosa ficará longe dos
grandes constrangimentos que aguardam “o maior julgamento do século,” o que pode
ser util na preservaçãdo do próprio mito.
Para começar, prevê-se, para breve, a absolvição
dos principais réus do mensalão PSDB-MG, que sequer foram julgados – em primeira
instância – num tribunal de Minas Gerais. Um deles, que embolsou R$ 300 000 do
esquema de Marcos Valério – soma jamais registrada na conta de um dirigente do
PT — pode até sair candidato ao governo de Estado.
Joaquim deixa o Supremo depois de uma decisão que
se transformou em escândalo jurídico. Num gesto que teve como consequencia real
manter um regime de perseguição permanente aos condenados da AP 470, revogou uma
jurisprudência de quinze anos, que permitia a milhares de réus condenados ao
regime semi-aberto a trabalhar fora da prisão — situação que cedo ou tarde iria
incluir José Dirceu, hoje um entre tantos outros condenados. Mesmo Carlos Ayres
Britto, o principal aliado que Joaquim já fez no STF, fez questão de criticar a
decisão. Levada para plenário, essa medida é vista como uma provável derrota de
Joaquim para seus pares que, longe de expressar qualquer maquinação política de
adversários, apenas reflete o desmonte de sua liderança no
STF.
Em outro movimento na mesma direção, o Supremo
acaba de modificar as regras para os próximos julgamentos de políticos. Ao
contrário do que se fez na AP 470 – e só ali — eles não serão julgados pelo
plenário, mas por turmas em separado do STF. Não haverá câmaras de TV. E, claro:
sempre que não se tratar de um réu com direito a foro privilegiado, a lei será
cumprida e a ninguém será negado o direito de um julgamento em primeira
instância, seguido de pelo menos um novo recurso em caso de condenação. É o
desmembramento, aquele recurso negado apenas aos réus da AP 470 e que teria
impedido, por exemplo, malabarismos jurídicos como a Teoria do Domínio do Fato,
com a qual o Procurador Geral da Republica tentou sustentar uma denúncia sem
provas consistentes contra os principais réus.
Hoje retratado como uma autoridade inflexível,
incapaz de qualquer gesto inadequado para defender interesses próprios – imagino
quantas vezes sua capa negra será exibida nos próximos dias, num previsível
efeito dramático – Joaquim chegou ao STF pelo caminho comum da maioria dos
mortais. Fez campanha.
Quando duas aguerridas parlamentares da esquerda
do PT – Luciana Genro e Heloísa Helena – ameaçaram subir à tribuna do Congresso
para denunciar um caso de agressão de Joaquim a sua ex-mulher, ocorrido muitos
anos antes da indicação, quando o casal discutia a separação, o presidente do
partido José Genoíno (condenado a seis anos na AP 470) correu em defesa do
candidato ao Supremo. Argumentou que a indicação representava um avanço
importante na vitória contra o preconceito racial e convenceu as duas
parlamentares. (Dez anos depois desse gesto, favorável a um cidadão que sequer
conhecia, Joaquim formou sucessivas juntas médicas para examinar o cardiopata
Genoíno. Uma delas autorizou a suspensão da prisão domiciliar obtida na
Justiça).
O diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato
(condenado a 12 anos na AP 470) foi procurado para dar apoio, pedindo a Gilberto
Carvalho que falasse de seu nome junto a Lula. José Dirceu (condenado a 10 anos
e dez meses, reduzidos para sete contra a vontade de Joaquim), também recebeu
pedido de apoio. Dezenas – um deputado petista diz que eram centenas – de cartas
de movimentos contra o racismo foram enviadas ao gabinete de Lula, em defesa de
Joaquim. Assim seu nome atropelou outro juristas negros – inclusive um membro do
Tribunal Superior do Trabalho, Carlos Alberto Reis de Paula – que tinha apoio de
Nelson Jobim para ficar com a vaga.
Quando a nomeação enfim saiu, Lula resolveu
convidar Joaquim para acompanha-lo numa viagem presidencial a África. O novo
ministro recusou. Não queria ser uma peça de marketing, explicou, numa
entrevista a Roberto dÁvila. Era uma referência desrespeitosa, já que a África
foi, efetivamente, um elemento importante da diplomacia brasileira a partir do
governo Lula, que ali abriu embaixadas e estabeleceu novas relações comerciais e
diplomáticas.
De qualquer modo, se era marketing convidar um
ministro negro para ir a África, por que não recusar a mesma assinatura da mesma
autoridade que o indicou para o Supremo?
À frente da AP 470, Joaquim Barbosa jamais se
colocou na posição equilibrada que se espera de um juiz. Não pesou os dois
lados, não comparou argumentos.
Através do inquérito 2474, manteve em sigilo
fatos novos que poderiam embaralhar o trabalho da acusação e que sequer chegaram
ao conhecimento do plenário do STF – como se fosse correto selecionar elementos
de realidade que interessam a denúncia, e desprezar aqueles que poderiam,
legitimamente, beneficiar os réus. Assumiu o papel de inquisidor, capaz de
tentar destruir, pela via do judiciário, aquilo que os adversários do governo se
mostravam incapazes de obter pelas urnas.
Ao verificar que o ministro era capaz de se
voltar em fúria absoluta contra as forças políticas que lhe deram sustentação
para chegasse a mais alta corte do país, os adversários da véspera esqueceram
por um minuto as desconfianças iniciais, as críticas ao sistema de cotas e todas
políticas compensatórias baseadas em raça.
Passaram a dizer, como repete Eliane Cantanhede
na Folha hoje, que Joaquim rebelou-se contra o papel de “negro dócil e
agradecido.” Rebelião contra quem mesmo? Contra o que? A favor de
quem?
Já vimos e logo veremos.
Basta prestar atenção nos sorrisos e fotografias
da campanha presidencial.
Escrito por: Paulo Moreira
Leite
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