A crise
do PT
Aldo Fornazieri
A crise do PT é uma evidência que ganhou relevo a partir da entrevista
da senadora Marta Suplicy ao Estadão, asseverando que ou o partido “muda ou
acaba”. O presidente Lula já vinha emitindo juízos acerca da crise do partido
mesmo durante a campanha eleitoral. Afirmou que o PT se tornou um partido igual
aos outros, que se transformou num partido de gabinetes e que se corrompeu,
tornando-se “uma máquina de fazer dinheiro”. Em diagnósticos mais recentes,
Lula tem emitido a opinião de que o partido está burocratizado, de que está
distante dos movimentos sociais e da juventude e de que há uma excessiva
centralização. A existência da crise do PT, assim, não é uma invenção de
intelectuais, da imprensa ou do PIG. É uma realidade admitida pelo maior líder
do partido.
A redução da bancada federal petista, a estrondosa derrota do partido
em São Paulo, a redução da margem de votos na vitória de Dilma em 2014 são
resultados que devem ser debitados a dois grandes fatores: 1) aos erros do
governo na condução da política econômica no primeiro mandato; 2) à imagem
desgastada e de partido corrupto do PT, que carrega nos ombros os escândalos do
mensalão e da Petrobras, além de outros escândalos que ganharam repercussão na
opinião pública, com o empenho da grande mídia. Mas é preciso dizer que o
empenho da mídia em desgastar o partido e o governo não anula e não isenta o PT
e integrantes do governo da prática dos mal feitos. Também o fato de que no
caso do mensalão a corrupção foi praticada para financiar campanhas, como
admitiram ex-dirigentes, não torna a prática menos condenável. A imagem do PT
como partido corrupto e a disseminação do antipetismo em amplos setores sociais
são realidades que precisam ser enfrentadas se o partido quiser se reposicionar
de forma correta nas disputas futuras.
A burocratização e a oligarquização são tendências naturais dos
partidos, mesmo daqueles que nascem de bases populares e de massa, como é o
caso do PT. Robert Michels evidenciou essa tendência em seu clássico
“Sociologia dos Partidos Políticos” que completa, neste ano, o centenário de
sua publicação. Michels mostra que os partidos de massa no início se
caracterizam pela participação espontânea, pelo sentido coletivo e pelas
práticas democráticas internas. Na medida em que a organização se consolida, os
partidos se tornarem estruturas profissionais burocratizadas comandadas por
chefes oligarcas que fazem perdurar seu mando no tempo e se tornam quase que
inamovíveis. A militância vai se tornando cada vez mais uma massa de manobra,
perde sua relevância e as direções só mudam quando ocorre uma feroz luta de
novos chefes contra os velhos oligarcas. O PT não fugiu a essa “lei de bronze
da oligarquia”, descoberta por Michels.
A corrupção partidária se relaciona a causas mais complexas. Em
primeiro lugar há a questão clássica de que o poder corrompe. Ela se relaciona
à natureza humana: sendo os seres humanos ambiciosos e egoístas propendem mais
ao mal do que ao bem e só fazem o bem quando obrigados ou quando são portadores
de grande virtù, sacramentou Maquiavel. Admitindo-se que o PT cresceu e se
fortaleceu, na oposição, como partido da virtude, não só por defender a ética
na política, mas por ser o partido que lutava por direitos e se colocava nas
ruas ao lado dos movimentos sociais e dos mais necessitados, pode-se dizer que
o poder provocou uma corrupção de princípios no partido. Lideres petistas e
quadros intermediários, provenientes do movimento sindical, dos movimentos
sociais e da intelectualidade da classe média, ascenderam social e
economicamente com a ascensão do PT ao poder. Com o colapso da ideologia
socialista e com a ausência de uma ideologia republicana da virtude no partido,
houve um processo de acomodação às benesses de poder e de status social e econômico
de muitos petistas. Arrogância, exibicionismo, sinais exteriores de riqueza e
falta de humildade acompanharam essa acomodação. O cálculo pragmático dos
interesses de poder substituiu as considerações de princípios e as virtudes
necessárias para realizar as grandes transformações e construir a grandeza da
república.
O PT perdeu a vitalidade virtuosa
Com a perda da vitalidade virtuosa do partido, os grandes embates
congressuais e as mobilizações de rua em torno das reformas estruturantes, como
a taxação das grandes fortunas, a reforma tributária equitativa e a reforma
política, deixaram de existir. Daí à corrupção pecuniária e do Estado, seja
para financiar campanhas, seja para benefício pessoal, foi um desdobramento
natural da corrupção de princípios. Enfim, o poder enfraqueceu as antigas
virtudes partidárias e amoleceu a disposição para a luta, resultando o
afastamento das ruas, dos movimentos sociais e um bloqueio do debate interno.
Muita gente, com razão, se sentiu traída pelo partido. Se o PT não desfizer sua
imagem de partido corrupto estará realizando sua anti-história, seu
anti-destino, pois ele foi a principal promessa da história republicana do
Brasil de resgatar a justiça e conferir dignidade à política.
O PT pode mudar a ponto de retomar a trajetória de um partido virtuoso,
capaz de apontar os caminhos das grandes reformas e mudanças do Brasil? A
resposta a esta indagação é incerta. O poder, a perda da vitalidade virtuosa, a
existência de um dirigismo burocrático e pragmático que vai se sobrepondo à
antiga militância, são fatores que bloqueiam a mudança do partido. Nestes
termos, o PT tende a se firmar como um partido normal, com diferenças
circunstanciais em relação aos outros partidos. Com isso, o Brasil continuará
penando na trágica normalidade da desigualdade, dos carecimentos sociais e da
violência, por muito tempo. O PT ficará na história como o partido que promoveu
uma política social integradora, mas insuficiente para uma transformação
paradigmática do país.
Em que circunstâncias o PT poderia mudar? Infelizmente, não existem
correntes internas ao partido com força suficiente e com lucidez política e
programática capazes de liderar uma luta reformadora. As próprias correntes
mais à esquerda são um misto de perdição em devaneios ideológicos com o
pragmatismo necessário ao jogo dos interesses próprios.
Mesmo assim, restam algumas alternativas para o PT mudar. A primeira
consiste na possibilidade de Lula assumir um movimento, fundado num projeto, de
reforma e refundação do partido. Esse movimento, por um lado, deveria resgatar
princípios virtuosos antigos, que davam força a combatividade militante ao
partido e, por outro, precisaria construir um programa capaz de apontar o
caminho da grande transformação do Brasil orientada para a redução das
desigualdades, para a revolução científica e tecnológica e para o
reposicionamento do país no contexto global. O que há de positivo neste aspecto
é que Lula vem se mostrando inquieto com os descaminhos do partido. E só ele
teria força e liderança suficientes para provocar essa reviravolta.
A segunda alternativa consiste na possibilidade de o governo Dilma se
tornar um demiurgo capaz de construir um novo caminho, assentando não só as
bases, mas fincando os principais pilares das grandes transformações do Brasil.
Se o governo for capaz dessa façanha poderá exercer um poder de arrasto sobre o
PT, obrigando-o a uma reforma interna. A terceira alternativa consiste na
derrota eleitoral em 2018. Nesse caso, o saldo da experiência do partido em 16
anos de governo se revelaria negativo. O partido, provavelmente, passaria por
um período de conturbações internas, de intensas disputas e de tentativas de
mudança de rumos. E, por fim, poderá a administração Haddad alcançar estrondoso
sucesso a ponto de ressignificar a imagem e o programa do partido junto à sociedade?
Ainda não há elementos conclusivos para responder afirmativamente essa
indagação. Como se vê, a história é generosa em oferecer ocasiões para que as
grandes transformações ocorram. Mas ela é avarenta no que concerne ao
surgimento de líderes virtuosos e capazes de comandar corpos coletivos com
força suficiente para promover essas transformações.
Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de
Sociologia e Política.
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