“Mantivemos o consenso, mas esvaziamos o debate”, diz Boaventura sobre os 15 anos do FSM
MATHEUS CHAPARINI
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos é provavelmente o principal nome desta edição do Fórum Social. Na tarde desta terça-feira, o auditório Araújo Vianna ficou praticamente lotado para a atividade “Globalização, desigualdade e a crise civilizatória”, da qual participou. Os aplausos da plateia, por vezes, chegavam a interromper a fala do sociólogo. Ele defendeu uma autoanálise e autocrítica destes 15 anos e criticou a falta de posicionamento em relação a temas globais, como fator de esvaziamento do Fórum Social Mundial.
Após se desculpar por um pequeno atraso, justificado pela homenagem na Câmaara Municipal, onde foi agraciado com o título de Cidadão de Porto Alegre, Boaventura abriu sua fala defendendo que esta edição seja utilizada para um balanço dos 15 anos do Fórum Social Mundial.
“Nós não vamos longe se deixarmos esse balanço para alguma atividade autogestionada específica. Nossa responsabilidade é tratar esse tema em todos espaços públicos deste fórum.”
Boaventura recordou o momento que se vivia à época da realização do primeiro fórum, em 2001. Momento em que o mundo se via dividido entre dois modelos de globalização: um hegemônico e outro dos povos e movimentos, representados, respectivamente, por Davos e Porto Alegre. A provocação à análise foi o questionamento: o que passou nestes 15 anos que não conseguimos fazer com que esse modelo de globalização emergisse?
Os debates e discussões permitiram criar ligações entre movimentos sociais de diversas partes do mundo, mas, segundo Boaventura, não se conseguiu criar conexões entre os diferentes tipos de movimentos. “Em qualquer luta hoje ao redor do mundo nós podemos ver a presença do capitalismo, do racismo e do sexismo. Nós não soubemos como articular essas lutas.”
FALTA DE POSICIONAMENTO AFASTA MOVIMENTOS SOCIAIS
O sociólogo defendeu que ao longo dos anos vem surgindo a ideia de que é importante um posicionamento político do fórum em relação a temas “mais ou menos consensuais, como a reforma das Nações Unidas e a Guerra do Iraque.”
“Qual a tragédia disso? Mantivemos o consenso, mas esvaziamos o fórum”, avaliou.
Sociólogo defendeu uma autoanálise e autocrítica do evento
Boaventura citou um encontro recente que reuniu mais de mil delegados do Movimento Sem Terra e questionou: por que não estão aqui hoje?
“Porque se fazem falas, mas depois não se toma nenhuma posição em relação aos camponeses que estão sendo massacrados, à homologação das terras indígenas e quilombolas, ao veto presidencial da pluralidade das línguas, proposta por Cristovan Buarque.” E arrematou: “Não se toma posição sobre nada, então por que estamos aqui?”
GOVERNOS PROGRESSISTAS NA AMÉRICA LATINA: “PENSAMOS QUE TÍNHAMOS UM AMIGO NO PODER”
Entre 2001 e 2003 começa uma onda de governos progressistas, com a eleição dos presidentes Lula, no Brasil, Evo Morales, na Bolívia e Hugo Chávez, na Venezuela.
“Quando estes governos se elegeram, nós pensamos que tínhamos um amigo no poder, então descansamos, desanimamos. O único movimento no Brasil que não desistiu foi o MST.”
Boaventura se disse solidário ao governo e à democracia no Brasil, “contra o golpe parlamentar que neste momento está em curso.”
Ele defendeu uma vigilância dos movimentos sociais em relação aos governos progressistas, para que estes, de fato, adotem posturas progressistas. “Não temos dúvidas de que lado estamos, o que queremos é que o nosso lado esteja do nosso lado.”
Um dos momentos em que foi ovacionado com mais força pelo público foi quando criticou a decisão da presidente Dilma Rousseff em nomear para o MInistério da Agricultura a senadora da bancada ruralista Kátia Abreu. “Isso não se faz”, comentou Boaventura, já meio abafado por gritos aplausos.
“FORAM MUITAS DERROTAS, MAS TAMBÉM NÃO SE PERDEU TUDO”
Boaventura de Sousa Santos avaliou que, em 2001, se pensava, e ele mesmo escreveu a respeito, que a rua era o único território que não estava sob domínio do capital financeiro. Ele cita os movimentos de ocupações de espaços públicos e as marchas que tomaram o Brasil em 2013 como iniciativas de crítica às instituições que, em muitos casos, deram certo, mas ponderou:
“Há uma coisa que a gente se distraiu: é que a esquerda não tem o monopólio das ruas. E a direita aprende melhor com os nossos erros dos que nós próprios. A rua hoje é de direita também. Tem provocadores preparados para liquidar as propostas de esquerda que possam surgir na rua.”
Boaventura avaliou que a situação hoje é bem mais complicada do que era em 2001 e concluiu sua fala afirmando que temos que aprender com a história.
“Se não aprendermos, não haverá mais 15 anos de Fórum Social e isso nós não podemos aceitar que ocorra. Muito obrigado.”
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