Xadrez
do acordão da Lava Jato e da hipocrisia nacional
Luis Nassif
Conforme previsto, caminha-se para um
acordão em torno da Lava-Jato que lança a crise política em uma nova etapa com
desdobramentos imprevisíveis.
Movimento
1 – os ajustes na Lava Jato
Trata-se de um movimento radical do
Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot, que praticamente fecha a
linha de raciocínio que vimos desenvolvendo sobre sua estratégia política.
Peça
1 – monta-se o jogo de cena entre
Gilmar Neves e Janot. Janot chuta para o STF a denúncia do senador Aécio Neves.
Gilmar mata no peito e devolve para Janot que se enfurece e chuta de novo de
volta ao Supremo. Terminado o jogo para a plateia, Janot guarda a bola e não se
ouve mais falar nas denúncias contra Aécio. Nem contra Serra. Nem contra Temer.
Nem contra Geddel. Nem contra Padilha.
Peça
2 – duas megadelações entram na linha
de montagem da Lava-Jato: a de Marcelo Odebrecht e de Léo Pinheiro, da OAS.
Pelas informações que circulam, Marcelo só entregaria o caixa 2; Léo entregaria
as propinas de corrupção, em dinheiro vivo ou em pagamento em off-shores no
exterior.
Peça
3 – advogados de José Serra declaram
à colunista Mônica Bergamo estarem aliviados, porque a delação de Marcelo
Odebrecht só versaria sobre caixa 2. Ficam duas questões pairando no ar. Se
Caixa 2 é crime, qual a razão do alívio? E se ainda haveria a delação de Léo
Pinheiro, qual o motivo da celebração?
Peça
4 – em um dos Xadrez matamos a
primeira charada e antecipamos que a Câmara estava estudando uma saída, com a
assessoria luxuosa de Gilmar Mendes, visando anistiar o caixa 2 e criminalizar
apenas o que fosse considerado dinheiro de corrupção, para enriquecimento
pessoal.
Peça
5 – a segunda questão – de Léo
Pinheiro delatando corrupção - foi trabalhada em seguida, quando se monta o
jogo de cena, de Veja publicando uma
não-denúncia contra Dias Toffoli e, imediatamente, Janot acusando os advogados
da OAS de vazamento e interrompendo o acordo de delação, ao mesmo tempo em que
Gilmar investia contra a Lava-Jato, anunciando que o STF definiria as regras
das delações futuras. Há movimentos do lado da Lava-Jato, do lado da PGR, Gilmar
se acalma, diz apoiar a Lava-Jato. A chacoalhada, sutil como um caminhão de
abóboras que passa em um buraco, permitiu ajustar todas as peças.
Peça
6 – Avança-se na tal Lei da Anistia
do caixa 2 e o caso passa a ser analisado também pelo TSE (Tribunal Superior
Eleitoral), presidido por Gilmar.
Peça
7 – Ontem Janot abriu mão das
sutilezas, dos rapapés, das manobras florentinas, dos disfarces para sustentar
a presunção de isenção e rasgou a fantasia, nomeando o subprocurador Bonifácio
de Andrada para o lugar de Ela Wieko, na vice-Procuradoria Geral. Não se trata
apenas de um procurador conservador, mas de alguém unha e carne com Aécio Neves
e com Gilmar Mendes. Janot sempre foi próximo a Aécio, inclusive através do
ex-PGR Aristides Junqueira, com quem trabalhou e que é primo de Aécio. Com
Bonifácio, estreita ainda mais os laços.
Fecho – tudo indica que se resolve o imbróglio da Lava-Jato
da seguinte maneira:
·
Avança-se na nova
Lei da Anistia, com controle de Gilmar através do TSE.
·
Bonifácio de
Andrada faz o meio-campo de Janot com Gilmar e Aécio, ajudando na blindagem e
evitando qualquer surpresa, que poderia acontecer com Ela na vice-PGR.
·
Monta-se um
acordo com a Lava-Jato prorrogando por um ano seus trabalhos e definindo um
pacto tácito de, tanto ela quanto a PGR, continuar focando exclusivamente em
Lula e no PT, exigência que em nada irá descontentar os membros da
força-tarefa.
·
Agora há um cabo
de guerra entre a Lava-Jato e Léo Pinheiro. Léo já informou que não aceitaria
delatar apenas o PT. Janot interrompeu as negociações sobre a delação afim de
que Léo e seus advogados “mudassem a estratégia”. Sérgio Moro prendeu-o
novamente, invadiram de novo sua casa, no movimento conhecido de tortura
psicológica até que aceite os termos propostos por Janot e a Lava-Jato.
Movimento
2 – o teatro burlesco no Palácio
Aí se entra em um terreno delicado.
A política move-se no terreno cediço da
hipocrisia. Fazem parte das normas tácitas da democracia representativa os
acordos espúrios, os interesses de grupo disfarçados em interesses gerais, a
presunção de isenção da Justiça.
Mas o jogo político exige a dramaturgia,
a hipocrisia dourada. E como criar um enredo minimamente legitimador com um
suspeitíssimo Geddel Vieira Lima, e sua postura de açougueiro suado disparando
imprecações? Ou de Eliseu Padilha, e seu ar melífluo de o-que-vier-eu-traço? Ou
de José Serra e as demonstrações diárias da mais rotunda ignorância de
diplomacia e um deslumbramento tão juvenil com John Kerry que só faltou beijo
na boca? Ou de Temer e suas mesquinharias, pequenas vinganças, incapaz de
entender a dimensão do cargo e do poder que lhe conferiram?
O “Fora Temer” não se deve apenas à
situação econômica precária, mas ao profundo sentimento de que o país foi
entregue a usurpadores. Mesmo com toda a velha mídia encenando, não se
conseguiu conferir nenhum verniz a esses personagens burlescos.
Ressuscitou-se até esse anacronismo da
“primeira dama”, tentando recriar o mito do casal 20, de Kennedy-Jacqueline,
Jango-Tereza e filhos, peças do repertório dos anos 50. Ontem, o Estadão lançou a emocionante
questão: vote no melhor “look” da primeira dama que, aparentemente, vestiu
quatro “looks” durante o dia. Um gaiato votou no “tomara que caia Temer”.
Movimento
3 – a PGR rasga a fantasia
E como fica, agora, com o próprio Janot
abrindo mão da cautela e expondo seu jogo?
Janot foi um dos artífices centrais do
golpe. Teve papel central para entregar o país aos projetos e negócios de
Michel Temer, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Moreira Franco e
José Serra, entre outros. Sacrificou-se apenas Eduardo Cunha no altar da
hipocrisia.
Sua intenção evidente é liquidar com
Lula e com o PT. Mas, para fora e especialmente para dentro – para sua tropa –
tem que apresentar argumentos legitimadores da sua posição, como se o golpe
fosse mera decorrência de procedimentos jurídicos adotados de forma
impessoal. Era visível o alívio dos
procuradores nas redes sociais, quando Janot decidiu encaminhar uma denúncia
contra Aécio Neves. Porque não tem corporação que consiga manter a disciplina e
o espírito de corpo se não houver elementos legitimadores da sua atuação, o
orgulho da sua atuação.
Ontem, em suas escaramuças retóricas,
Gilmar escancarou a estratégia. Mesmo contando com toda a estrutura da PGR,
Janot avançou minimamente nas denúncias contra políticos.
Para todos os efeitos, há delações
contra Temer, Padilha, Geddel, Jucá, Moreira, Aécio e Serra. E, para todos os
efeitos, o grupo está cada vez mais à vontade exercitando as armas do poder. Dá
para entender porque o temível Janot não infunde um pingo de medo neles?
Com a nomeação de Bonifácio de Andrada
abrem-se definitivamente as cortinas do espetáculo e o MPF entra no palco onde
se encena o espetáculo da hipocrisia nacional.
Movimento
4 – as vozes da rua
O jogo torna-se sumamente interessante.
Os últimos episódios, a violência
policial, os sinais cada vez mais evidentes de se tentar fechar o regime,
despertaram um lado influente da opinião pública, que jamais se moveria em
defesa de Dilma, mas começa a acordar em defesa da democracia.
A “teoria do choque” exigia, na ponta,
um governante com carisma, um varão de Plutarco, um moralista compulsivo, que
trouxesse o ingrediente final a consolidar um projeto fascista. O enredo não
previa o espetáculo dantesco da votação na Câmara, a pequena dimensão de Michel
Temer, a resistência épica de Dilma Rousseff – que, de mais fraca governante da
história, tornou-se um símbolo de dignidade da mulher na queda -, a massacrante
diferença de nível entre José Eduardo Cardoso e Miguel Reali Jr. e Janaina
Pascoal.
O grito de “Fora Temer” torna-se cada
vez mais nacional.
A violência das PMs de São Paulo e
outros estados mereceu apenas a reação do MPF, através da PFDC (Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão). A intenção implícita de Janot é o
esvaziamento dos bolsões de direitos humanos da PGR.
O baixo nível de corrupção no MPF
deve-se a um sentimento de missão que está sendo jogado fora pelo jogo
político. Sem as bandeiras legitimadoras, será cada vez mais cada qual por si,
com os mais oportunistas procurando exercitar a dose de poder que o MPF
conquistou com o golpe. Em médio prazo, Janot vai promover o desmonte da tropa,
não se tenha dúvida.
Qual o desfecho? Aumento da violência em
uma ponta, aumento da indignação na outra. O país institucional encontrará uma
saída para essa escalada de violência, ou nos conformaremos em ser uma Argentina
de Macri e uma Venezuela de Maduro?
Na mídia e em alguns altos postos do
Estado, não se fica a dever quase nada à Venezuela. E, em uma época que se tem
os olhos do mundo sobre o Brasil.
www.brasil247.com.br 9/9/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário