Conheça dez
histórias de corrupção durante a ditadura militar de 1964
Marcelo Freire
O UOL listou dez denúncias de corrupção,
tendo como fonte a série de quatro livros de Elio Gaspari sobre o período da
ditadura militar ("A Ditadura Envergonhada", "A Ditadura
Escancarada", "A Ditadura Derrotada" e "A Ditadura
Encurralada") e reportagens da época.
1
- Contrabando na Polícia do Exército
A partir de 1970, dentro da 1ª Companhia
do 2º Batalhão da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, sargentos, capitães e
cabos começaram a se relacionar com o contrabando carioca. O capitão Aílton
Guimarães Jorge, que já havia recebido a honra da Medalha do Pacificador pelo
combate à guerrilha, era um dos integrantes da quadrilha que comercializava
ilegalmente caixas de uísques, perfumes e roupas de luxo, inclusive roubando a
carga de outros contrabandistas. Os militares escoltavam e intermediavam
negócios dos contraventores. Foram presos pelo SNI (Serviço Nacional de
Informações) e torturados, mas acabaram inocentados porque os depoimentos foram
colhidos com uso de violência – direito de que os civis não dispunham em seus
processos na época. O capitão Guimarães, posteriormente, deixaria o Exército
para virar um dos principais nomes do jogo do bicho no Rio, ganhando fama
também no meio do samba carioca. Foi patrono da Vila Isabel e presidente da
Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba).
2
- A vida dupla do delegado Fleury
Um dos nomes mais conhecidos da
repressão, atuando na captura, na tortura e no assassinato de presos políticos,
o delegado paulista Sérgio Fernandes Paranhos Fleury foi acusado pelo
Ministério Público de associação ao tráfico de drogas e extermínios. Apontado
como líder do Esquadrão da Morte, um grupo paramilitar que cometia execuções,
Fleury também era ligado a criminosos comuns, segundo o MP, fornecendo serviço
de proteção ao traficante José Iglesias, o "Juca", na guerra de
quadrilhas paulistanas. No fim de 1968, ele teria metralhado o traficante rival
Domiciano Antunes Filho, o "Luciano",
com outro comparsa, e capturado, na companhia de outros policiais
associados ao crime, uma caderneta que detalhava as propinas pagas a detetives,
comissários e delegados pelos traficantes. O caso chegou a ser divulgado à
imprensa por um alcaguete, Odilon Marcheronide Queiróz ("Carioca"),
que acabou preso por Fleury e, posteriormente, desmentiu a história a jornais
de São Paulo. Carioca seria morto pelo investigador Adhemar Augusto de
Oliveira, segundo o próprio revelaria a um jornalista, tempos depois.
Os atos do delegado na repressão, no
entanto, lhe renderam uma Medalha do Pacificador e muita blindagem dentro do
Exército, que deixou de investigar as denúncias. Promotores do MP foram
alertados para interromper as investigações contra Fleury. De acordo com o
relato publicado em "A Ditadura Escancarada", o procurador-geral da
Justiça, Oscar Xavier de Freitas, avisou dois promotores em 1973: "Eu não
recebo solicitações, apenas ordens. (…) Esqueçam tudo, não se metam em mais
nada. Existem olheiros em toda parte, nos fiscalizando. Nossos telefones estão
censurados".
No fim daquele ano de 1973, o delegado
chegou a ter a prisão preventiva decretada pelo assassinato de um traficante,
mas o Código Penal foi reescrito para que réus primários com "bons
antecedentes" tivessem direito à liberdade durante a tramitação dos
recursos. Em uma conversa com Heitor Ferreira, secretário do presidente Ernesto
Geisel (1974-1979), o general Golbery do Couto e Silva – então ministro do
Gabinete Civil e um dos principais articuladores da ditadura militar –
classificou assim o delegado Fleury, quando pensava em afastá-lo: "Esse é
um bandido. Agora, prestou serviços e sabe muita coisa". Fleury morreu em
1979, quando ainda estava sob investigação da Justiça.
3
- Governadores biônicos e sob suspeita
Em 1970, uma avaliação feita pelo SNI
ajudou a determinar quais seriam os governadores do Estado indicados pelo
presidente Médici (1969-1974). No Paraná, Haroldo Leon Peres foi escolhido após
ser elogiado pela postura favorável ao regime; um ano depois, foi pego
extorquindo um empreiteiro em US$ 1 milhão e obrigado a renunciar. Segundo o
general João Baptista Figueiredo, chefe do SNI no governo Geisel, os agentes
teriam descoberto que Peres "era ladrão em Maringá" se o tivessem
investigado adequadamente. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães, em seu primeiro
mandato no Estado, foi acusado em 1972 de beneficiar a Magnesita, da qual seria
acionista, abatendo em 50% as dívidas da empresa.
4
- O caso Lutfalla
Outro governador envolvido em denúncias
foi o paulista Paulo Maluf. Dois anos antes de assumir o Estado, em 1979, ele
foi acusado de corrupção no caso conhecido como Lutfalla – empresa têxtil de
sua mulher, Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento)
quando estava em processo de falência. As denúncias envolviam também o ministro
do Planejamento Reis Velloso, que negou as irregularidades, e terminou sem
punições.
5
- As mordomias do regime
Em 1976, as Redações de jornal já tinham
maior liberdade, apesar de ainda estarem sob censura. O jornalista Ricardo
Kotscho publicou no "Estado de São Paulo" reportagens expondo as
mordomias de que ministros e servidores, financiados por dinheiro público,
dispunham em Brasília. Uma piscina térmica banhava a casa do ministro de Minas
e Energia, enquanto o ministro do Trabalho contava com 28 empregados. Na casa
do governador de Brasília, frascos de laquê e alimentos eram comprados em
quantidades desmedidas – 6.800 pãezinhos teriam sido adquiridos num mesmo dia.
Filmes proibidos pela censura, como o erótico "Emmanuelle", eram
permitidos na casa dos servidores que os requisitavam. Na época, os ministros
não viajavam em voos de carreira, e sim em jatos da Força Aérea.
Antes disso, no governo Médici já se
observavam outras regalias: o ministro do Exército, cuja pasta ficava em
Brasília, tinha uma casa de veraneio na serra fluminense, com direito a
mordomo. Os generais de exército (quatro estrelas) possuíam dois carros, três
empregados e casa decorada; os generais de brigada (duas estrelas) que iam para
Brasília contavam com US$ 27 mil para comprar mobília. Cabos e sargentos
prestavam serviços domésticos às autoridades, e o Planalto também pagou
transporte e hospedagem a aspirantes para um churrasco na capital federal.
6
- Delfim e a Camargo Corrêa
Delfim Netto – ministro da Fazenda
durante os governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici, embaixador brasileiro
na França no governo Geisel e ministro da Agricultura (depois Planejamento) no
governo Figueiredo – sofreu algumas acusações de corrupção. Na primeira delas,
em 1974, foi acusado pelo próprio Figueiredo (ainda chefe do SNI), em conversas
reservadas com Geisel e Heitor Ferreira. Delfim teria beneficiado a empreiteira
Camargo Corrêa a ganhar a concorrência da construção da hidrelétrica de Água
Vermelha (MG). Anos depois, como embaixador, foi acusado pelo francês Jacques
de la Broissia de ter prejudicado seu banco, o Crédit Commercial de France, que
teria se recusado a fornecer US$ 60 milhões para a construção da usina
hidrelétrica de Tucuruí, obra também executada pela Camargo Corrêa. Em citação
reproduzida pela "Folha de S.Paulo" em 2006, Delfim falou sobre as
denúncias, que foram publicadas nos livros de Elio Gaspari: "Ele [Gaspari]
retrata o conjunto de intrigas armado dentro do staff de Geisel pelo temor que
o general tinha de que eu fosse eleito governador de São Paulo", afirmou o
ex-ministro.
Outro lado: Em relação às denúncias que
envolvem seu nome nesse texto, o ex-ministro Delfim Netto respondeu ao UOL:
"Trata-se de velhas intrigas que sempre foram esclarecidas. Nunca tive
participação nos eventos relatados".
7
- As comissões da General Electric
Durante um processo no Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) em 1976, o presidente da General Electric
no Brasil, Gerald Thomas Smilley, admitiu que a empresa pagou comissão a alguns
funcionários no país para vender locomotivas à estatal Rede Ferroviária
Federal, segundo noticiou a "Folha de S.Paulo" na época. Em 1969, a
Junta Militar que sucedeu Costa e Silva e precedeu Médici havia aprovado um
decreto-lei que destinava "fundos especiais" para a compra de 180
locomotivas da GE. Na época, um dos diretores da empresa no Brasil na época era
Alcio Costa e Silva, irmão do ex-presidente, morto naquele mesmo ano de 1969.
Na investigação de 1976, o Cade apurava a formação de um cartel de
multinacionais no Brasil e o pagamento de subornos e comissões a autoridades
para a obtenção de contratos.
8
- Newton Cruz, caso Capemi e o dossiê Baumgarten
O jornalista Alexandre von Baumgarten,
colaborador do SNI, foi assassinado em 1982, pouco depois de publicar um dossiê
acusando o general Newton Cruz de planejar sua morte – segundo o ex-delegado do
Dops Cláudio Guerra, em declaração de 2012, a ordem partiu do próprio SNI. A
morte do jornalista teria ligação com seu conhecimento sobre as denúncias
envolvendo Cruz e outros agentes do Serviço no escândalo da Agropecuária
Capemi, empresa dirigida por militares, contratada para comercializar a madeira
da região do futuro lago de Tucuruí. Pelo menos US$ 10 milhões teriam sido
desviados para beneficiar agentes do SNI no início da década de 1980. O general
foi inocentado pela morte do jornalista.
9
- Caso Coroa-Brastel
Delfim Netto sofreria uma terceira
acusação direta de corrupção, dessa vez como ministro do Planejamento, ao lado
de Ernane Galvêas, ministro da Fazenda, durante o governo Figueiredo. Segundo a
acusação apresentada em 1985 pelo procurador-geral da República José Paulo
Sepúlveda Pertence, os dois teriam desviado irregularmente recursos públicos
por meio de um empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário Assis Paim,
dono do grupo Coroa-Brastel, em 1981. Galvêas foi absolvido em 1994, e a
acusação contra Delfim – que disse na época que a denúncia era de
"iniciativa política" – não chegou a ser examinada.
10
- Grupo Delfin
Denúncia feita pela "Folha de
S.Paulo" de dezembro de 1982 apontou que o Grupo Delfin, empresa privada
de crédito imobiliário, foi beneficiado pelo governo por meio do Banco Nacional
da Habitação ao obter Cr$ 70 bilhões para abater parte dos Cr$ 82 bilhões
devidos ao banco. Segundo a reportagem, o valor total dos terrenos usados para
a quitação era de apenas Cr$ 9 bilhões. Assustados com a notícia, clientes do
grupo retiraram seus fundos, o que levou a empresa à falência pouco depois. A
denúncia envolveu os nomes dos ministros Mário Andreazza (Interior), Delfim
Netto (Planejamento) e Ernane Galvêas (Fazenda), que chegaram a ser acusados
judicialmente por causa do acordo.
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