sábado, 21 de janeiro de 2017

Paraty é o Triângulo das Bermudas da política brasileira?

Paraty é o Triângulo das Bermudas da política brasileira?



Nesses momentos de tragédias que abrem possibilidades de inesperadas mudanças no cenário político (Quem perderá? Quem ganhará?) é sempre interessante ver as reações reflexas da grande mídia pega de surpresa. Ela parece sempre ter uma “narrativa reflexa”, pronta, que se manifesta como um ato falho: descrever um mundo onde os eventos são sempre aleatórios, fora de contextos, desconectados e sempre sujeitos a “trapaças da sorte”. A morte do Ministro do STF Teori Zavascki no acidente aéreo em Paraty rapidamente foi enquadrada em uma narrativa protocolar como se a grande mídia já tivesse o resultado antes mesmo das investigações: foi tudo uma fatalidade! Não importa a existência de estranhas anomalias, depoimentos contraditórios, sincronismos e o oportuno timing dos acontecimentos. Será que a grande mídia quer impor à sociedade uma “narrativa reflexa” para criar um fato consumado? Criar uma atmosfera de pressão política nas investigações oficiais que ora se iniciam? Ou será que, desde o desaparecimento de Ulysses Guimarães em 1992, a região de Paraty se transformou numa espécie de Triângulo das Bermudas brasileiro onde impasses políticos são resolvidos de forma drástica?

Diariamente 100 mil voos comerciais partem pelo mundo. Segundo pesquisa feita pela revista Newsweek, o transporte aéreo registra média de 0,01 morte a cada 100 milhões de milhas viajadas e os aviões estão cada vez menos vulneráveis a tempo ruim – de 20% na década de 1950 para 8% atuais de acidentes provocados por condições meteorológicas. A cada milhão de decolagens, registram-se 0,9 acidentes fatais – clique aqui.

Mas quis a “trapaça da sorte” (expressão usada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso no sua mensagem de pesar) vitimar o ministro Teori Zavascki quando estava prestes a homologar 77 depoimentos de delação premiada de executivos da Odebrecht – o ministro tinha autorizado para a próxima semana as oitivas de confirmação das delações e na sua última entrevista Teori avisou que iria trabalhar durante o recesso do STF “em face da excepcionalidade”, nas palavras dele.

Essa “excepcionalidade” refere-se à verdadeira bomba-relógio dos nomes envolvidos na delação, começando com o atual desinterino Michel Temer (citado 43 vezes na Lava-Jato), passando pelo presidente do Senado Renan Calheiros e chegando ao ministro das Relações Exteriores José Serra, além de deputados e senadores.

Em política não há coincidências (e nem mesmo “trapaças da sorte”), mas sincronismos. As mentes mais cartesianas e conformistas tendem a rotular a hipótese dos sincronismos de “teorias da conspiração”, assim como  diligentemente os especialistas aéreos chamados às pressas pela grande mídia já se adiantaram em dizer, diante de elegantes infográficos – pelo menos mais bem desenhados do que os PowerPoints do Dellagnol .

E por que não há “coincidências”?  Porque em política sempre alguém vai perder e muitos outros ganharão tempo, vantagem ou mesmo a vitória definitiva e alguma questão que sempre está próxima de um evento “trágico”. “Timing” e “oportunismo” são as noções centrais em eventos sincrônicos, capazes de criar uma constelação de “coincidências significativas” que vão muito além das “trapaças da sorte”.


Eventos trágicos como nesse acidente aéreo abrem de imediato uma guerra de narrativas. Mas, principalmente, põem à tona “atos falhos” da grande mídia: sempre quando ela é pega de surpresa mobiliza o que podemos chamar de “narrativa reflexa” ou protocolar. Um verdadeiro mecanismos de defesa para defender a realidade que os telejornais querem sempre construir para os telespectadores: um mundo onde os eventos estão fora de contexto, desconectados, aleatórios e sujeitos às “trapaças da sorte”. Onde os fatos ou são obras dos misteriosos desígnios de Deus, ou de alguma maldição gregoriana – “o anos de 2016 não acabou...”, lamentam apresentadores TV.

Grande mídia pega de surpresa


A narrativa reflexa midiática começou com a descrição de que o avião envolvido no acidente era de “pequeno porte”. Nas primeiras horas, esse foi o termo para designar o modelo do avião, algo assim como um “teco-teco” bimotor. Associado com o cenário de chuva e suposta visibilidade zero, começava a construção rápida da narrativa de uma fatalidade.

Claro que mais tarde a grande mídia corrigiu essa informação inicial ao mostrar através de infográficos que não era um avião pequeno. Na verdade, um Beechcraft C90GT King Air, semelhante a um avião executivo, exceto pela motorização, com voice recorder – gravador de voz. Mas a percepção de um avião frágil diante das condições meteorológicas ficou na construção da narrativa da fatalidade.

 Além disso, outros dois elementos marcaram essa narrativa reflexa, quase um ato falho, da grande mídia: contradições sobre as condições meteorológicas de Paraty no momento do acidente e a imediata especulação sobre um novo nome para o lugar da relatoria da Lava Jato no STF.


O conveniente cenário meteorológico


Os primeiros repórteres em Paraty ao vivo falavam que no momento do acidente não chovia forte e com visibilidade. Algumas horas depois, as testemunhas selecionadas começaram a descrever um cenário de muita chuva e visibilidade zero.

E nas simulações e infográficos dos telejornais, tome animações com nuvens, raios muita água caindo. E a ênfase constante na ausência de torre de controle na pista de Paraty (comum nas pistas de pouso do Litoral Norte) e na dependência exclusiva de contato visual para a aproximação dos aviões – fato cotidiano para os pilotos experientes naquela região.

Algumas testemunhas escolhidas eram pilotos de embarcações turísticas próximas ao local do acidente, muitos deles levando turistas a passeios naquele momento. Como assim? Muitas chuva, visibilidade zero e turistas querendo conhecer a baia de Paraty? Estranhamente, nas edições posteriores das falas desses pilotos foram cortados trechos nos quais falam de “clientes” ou “turistas” nos barco com eles no momento do acidente. Por que? Para eliminar a informação contraditória na construção de um cenário de rigorosas condições meteorológicas?

Apesar das investigações estarem apenas começando, a grande mídia parece ter o resultado final: foi tudo “trapaça da sorte” – o homem errado, no lugar errado e na hora errada. 


“Fumaça branca” e “Vejam bem o que vão dizer ao País!”


Mesmo que um pescador tenha declarado que um dos motores soltava uma “fumaça branca” (Jornal Nacional, 20/01). Seu testemunho ficou simplesmente solto no meio de uma simulação do percurso do avião fatídico com o indefectível Globocop, sempre enfatizando as nuvens e a pouca visibilidade.

E ainda, dado momento, o repórter se gabando de ter ajudado outro avião que, naquele instante, se aproximava da pista de Paraty e não tinha visibilidade suficiente – muito conveniente para a pauta da Globo, rápida no gatilho para impor o seu diagnóstico reflexo junto a opinião pública como fato consumado e pressionar as investigações .

Como se a Grande Mídia dissesse: “vejam bem o que vocês vão dizer!”. Mesmo que seja para tirar do contexto e reverter o sentido da afirmação filho de Teori Zavaski, o advogado Francisco Zavascki. Depois de, em maio de 2016, ter postado no Facebook denúncia de supostas ameaças ao pai e à família (“se algo acontecer à minha família, vocês já sabem onde procurar...”), em tom irônico Francisco disse logo após o anúncio da morte do pai que “seria muito ruim para o País ter um ministro do Supremo assassinado”.

Como sempre retirando do contexto, o JN transformou essa afirmação amargamente irônica em uma fala críptica, como se alertasse à Aeronáutica, Ministério Público e Polícia Federal: “vejam bem o que vão descobrir e dizer ao País!”. Mais um argumento para sustentar a sua narrativa reflexa cuja conclusão só pode ser essa: só nos resta nos resignarmos diante dos misteriosos desígnios de Deus.


Carmen Lúcia rise again


Mal confirmada da morte do ministro do Supremo e muito antes dos corpos serem retirados da fuselagem submersa do avião, rapidamente apresentadores e comentaristas começaram a especular sobre quem seria designado para substituir o sensível cargo de relator da Lava-Jato no Supremo e colocar as mãos nas delações da Odebrecht guardadas na sala-cofre do terceiro andar do tribunal.

A imagem é muito conspiratória, mas parecia que todos estavam apenas aguardando algum sinal para rapidamente entrar em cena e fazer, ansiosos, suas apostas e comentários. Algo parecido com aqueles os obituários prontos nas gavetas de redações sobre personalidades que notoriamente estão próximas do fim.

De imediato, a reportagem da Globo colou na ministra Carmen Lúcia chegando a Brasília, enquanto a comentarista de política da Globo News Chris Lobo declara em tom messiânico: “o século XXI é o século do Judiciário...”. Depois de rifar o Ministro da Justiça Alexandre de Moraes e o desinterino Temer na crise do terror tocado pelo TCC nas prisões do País, as apostas da Globo vão agora para a presidenta do Supremo. Personagem sempre presente nas telas da Globo nesse ano, desde o massacre do presídio em Manaus.

Anomalias e “coincidências significativas”


(a) A mensagem subliminar involuntária no prefixo do barco da Marinha


De todas as embarcações em torno da fuselagem do avião parcialmente submersa, uma foi destacada, com longos e demorados planos em todos os telejornais: uma embarcação cinza da Marinha  com um sugestivo prefixo em letras maiúsculas e minúsculas: GptPNSE-04.

O “pt” destacado em caixa baixa começou a alimentar versões anti-petistas nas redes sociais de que o “mecânico do avião era Lula” ou o que é pior: Dilma mandou matar Teori Zavascki!

Involuntariamente, o prefixo da embarcação lembra a suspeita mensagem subliminar do Jornal da Globo durante a crise do suposto “Apagão Aéreo” após o acidente com o avião da TAM em São Paulo em 2006. No selo do telejornal que anunciava a suíte de reportagens, via-se um letreiro de aeroporto de partidas e chegadas cuja animação mostrava a combinação de letras “PT”, antes de formar as palavras “Vítimas do Apagão Aéreo”.


(b) O estranho interesse pela ficha técnica do avião


Duas semanas antes do fatídico acidente, a ficha técnica do avião Beeechcraft teve um estranho pico de visualizações: repentinamente no dia 03/01 pulou para 1.885 acessos, voltando nos dias posteriores a zero até o dia do acidente.

Pessoas repentinamente interessadas na compra da aeronave? Estranho para um aparelho transferido para o empresário Carlos Alberto em outubro de 2016.

Foram informações do jornalista Chico Malfitani repassadas pelo engenheiro da Politécnica USP Leonardo Manzione. Pode não significar nada, mas dentro de um contexto no qual o filho de Teori Zavascki alertava sobre ameaças contra o pai transformasse em anomalia que deveria ser levada em contada numa investigação - clique aqui.


(c) O Triângulo das Bermudas da Política brasileira?


O acidente aéreo e a morte do ministro Teori Zavascki ocorreu na mesma região onde em 12 de outubro de 1992 o helicóptero que levava o deputado Ulysses Guimarães a caminho de Angra dos Reis caiu sem deixar sobreviventes. Estavam a bordo, além do ex-senador Severo Gomes, sua mulher e o piloto.

Distantes 24 anos no tempo, os dois episódios guardam uma série de estranhos sincronismos.

Ambas personalidades vinham de um processo de impeachment e, naquele momento, eram peças-chave nos destinos políticos do País.

Ulysses seria o próximo presidente com a queda de Collor, enquanto Zavascki tinha nas suas mãos as fortemente guardadas 77 delações que podem mudar drasticamente o futuro político para 2018.

Assim como Zavascki, durante o processo do impeachment de Collor, Ulysses recebeu estranhas sugestões  e ameaças de morte. Primeiro, em um destempero verbal do intempestivo Collor: “pela idade e pelas doenças aquele velho senil já deveria estar morto!”.

A outra foi insólita: no dia 27 de setembro, um grupo de apoiadores a Collor se reuniu em frente à Casa da Dinda para fazer uma “pajelança”, em defesa do mandato do presidente – haviam boatos de que aquele local havia se transformado em um centro de macumba, com rituais de magia negra.

Collor autorizou que dez manifestantes entrassem. A coordenadora do grupo, uma senhora, chamou a atenção dos repórteres ao gritar repetidas vezes “Ulysses vai morrer! Já era para ter morrido e não deu certo!”.

Vinte quatro anos depois, novamente ameaças de morte a outra peça-chave política e a morte posterior.

Além disso, esses dois episódios distantes no tempo têm como pano de fundo crises carcerárias. Lá em 1992 o Massacre do Carandiru (2 de outubro de 1992) e aqui a série de mortes e decapitações em penitenciárias do Norte do País – no momento do acidente em Paraty, a Polícia Militar preparava-se para invadir o presídio de Alcaçuz, RN.

No Massacre do Carandiru em 1992, para muitos analistas, nascia o facção de crime organizado PCC, organização agora por trás da nacionalização da crise penitenciária.

Será que esses sincronismos apontam para um modus operandi na política brasileira que ainda as pessoas não se deram conta desde a redemocratização após a ditadura militar? Ou então a região de Paraty transformou-se num Triângulo das Bermudas brasileiro onde impasses políticos são drasticamente resolvidos?

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