Como na ditadura de 64, Temer censura mídia que
apoiou o seu golpe
Dayane
Santos
A decisão do juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho,
da 21ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, atendendo ao
pedido do Palácio do Planalto, proibiu os veículos de divulgarem o conteúdo
encontrado no celular de Marcela Temer,
sob pena de multa de R$ 50 mil, aumentou o debate sobre a atual situação do
Brasil: um Estado de exceção na democracia.
“Não houve isso, você sabe que não houve”, respondeu
Michel Temer (PMDB) a jornalistas, nesta segunda-feira (13), quando questionado
se a ação se tratava de uma censura.
Na reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada
no último dia 10, tratou de um processo público, ou seja, que não estava sob
segredo de Justiça, movido pelo governo em nome de Marcela Temer contra um
hacker que obteve os dados de seu celular e extorquiu dinheiro dela sob a
ameaça de pôr o nome do seu marido na lama com as informações que obteve. O
pedido foi formulado e assinado pelo subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa
Civil, Gustavo do Vale Rocha.
O governo recorreu à Justiça alegando que o conteúdo
no celular de Marcela Temer deveria ter o sigilo garantido e o pedido foi
acatado pelo juiz. No entanto, o processo continua público e qualquer um pode
ter acesso ao seu conteúdo.
Na decisão, o juiz determina que a Folha e O Globo,
que posteriormente repercutiu o assunto, “se abstenha de dar publicidade a
quaisquer dados e informações obtidas no aparelho celular” de Marcela Temer.
Para a coordenadora-geral do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, a decisão evidencia um
processo que ela chama de “judicialização da censura” no país.
“As ações do Judiciário neste último período, em que
há uma judicialização da censura, são comuns. É uma censura politizada porque
concorre de forma célere, haja vista a rapidez com que isso ocorreu. E só
ocorreu para proteger o presidente da República”, enfatiza Renata, apontando
que a investigação começou no fim do ano passado, com uma ação direta do
ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para tentar evitar que esse assunto
viesse à tona.
Renata, que também é jornalista e integra o Centro de
Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, lembra outros casos de censura
como do blogueiro Marcelo Auler, do Paraná.
“Recentemente, Auler também sofreu censura prévia,
sendo proibido pela Justiça de dar qualquer notícia sobre a Lava-Jato. Isso é
gravíssimo”, denuncia.
Para ela, “o que se busca obstruir é o exercício do
jornalismo de levar informação para as pessoas. Essa censura está sendo
praticada de forma politizada e seletiva”.
No entanto, a jornalista destaca que a grande mídia,
que agora reclama por democracia, acusava de censuradores aqueles que
reivindicavam a democratização dos meios.
“A mídia acusava os governos Lula e Dilma e os
movimentos que lutam pela democratização dos meios, de tentar promover a
censura. No entanto, nunca os governos Lula e Dilma entraram na Justiça para
impedir previamente a veiculação de qualquer notícia. Nunca restringiram a
circulação de jornalista no Palácio do Planalto, medida que Temer tomou na
semana passada, ou promoveram uma intervenção na EBC”, destacou.
E conclui: “Tudo isso demonstra que o debate sobre a
regulação dos meios de comunicação não tem nenhuma relação com censura. Quem
pratica censura é este governo”.
Lalo:
Repetição do passado
Para Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo, jornalista e
professor de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade
de São Paulo (USP), conduta semelhante só havia ocorrido no país durante a
ditadura militar.
“É curioso que estejamos vivendo a repetição de fatos
já vividos na história recente do país. Quando foi implantada a ditadura
militar, os grandes jornais, inclusive estes que agora estão sendo censurados,
apoiaram o golpe. Logo em seguida, passaram a ser vítimas do golpe na medida em
que se implantou a censura prévia à imprensa brasileira. A história parece que
se repete. Com outro cenário político, mas com fatos muito semelhantes.
Apoiaram o golpe contra a presidenta Dilma e, agora,
começam a ser vítimas dos golpistas, salienta Lalo.
Para ele, a justificativa de censura por se tratar de
um suposto caso de foro íntimo não se sustenta. “É censura porque impede
antecipadamente a publicação de uma notícia que é de interesse público, já que
envolve o presidente da República. Trata-se de um ato de censura que não
tínhamos desde o final da ditadura militar”, argumenta o professor.
Lalo assevera ainda que essa conduta já vinha sendo
adotada pelo Judiciário. “As interpretações jurídicas dadas em vários momentos
pelos promotores e juízes da Lava-Jato e pelo próprio Tribunal Regional Federal
de 4º Região, que aceitou decisões do juiz de primeira instância de Curitiba
que afrontavam a Constituição, vinha consolidando o Estado de exceção. E agora
chegou à imprensa”, frisa.
Assim como Renata Mielli, ele aponta a seletividade e
politização do Judiciário resgatando o caso da divulgação dos áudios de
conversas telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta
Dilma.
“Neste caso, porém, não foi promovido pela mídia, mas
um vazamento de interceptações telefônicas ilegais pelo próprio Judiciário.
Houve interceptações telefônicas não autorizadas, portanto ilegais, que foram
publicizadas pelo juiz”, destaca.
E segue: “Agora, sobre o processo de Marcela Temer, se
trata de um processo na Justiça que é público e pode ser consultado por
qualquer pessoa”.
Fenaj
A presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj),
Maria José Braga, também endossa a posição do professor da USP. Para ela, não
há dúvida de que houve uma censura judicial.
“Houve uma iniciativa de censura por parte do Palácio
do Planalto que foi feita pela assessoria jurídica do Palácio, com a
concordância do juiz que concedeu o pedido, determinando a retirada do
conteúdo”, declara Maria José.
Ela justifica: “A partir do momento que o Palácio do
Planalto é utilizado, temos uma iniciativa de governo para retirada de conteúdo
jornalístico, portanto há uma iniciativa de governo de censura”.
Para a sindicalista, é uma ação preocupante, já que as
publicações tinham caráter estritamente jornalístico. “Não se pode falar em
invasão de privacidade, principalmente porque a notícia se tratava de um crime
que já havia sido apurado e o criminoso já havia sido punido.”
O hacker, Silvonei José de Jesus Souza, foi condenado
em tempo recorde (entre o cometimento do crime e a condenação passaram-se
apenas seis meses) a cinco anos e dez meses de prisão pelos crimes de
estelionato e extorsão. O crime foi cometido em abril do ano passado. O
julgamento em primeira instância foi concluído em outubro. O hacker está preso
em São Paulo.
Maria José concorda que o
Judiciário tem sido recorrente em censurar os jornalistas e os veículos de
comunicação, mas frisa que essa prática tem um viés político e seletivo.
“Isso de fato caracteriza uma distorção da função do
Poder Judiciário, que tem que avaliar os casos que há abusos, invasão de
privacidade e crime contra a honra. Mas tem que fazer uma distinção clara do
que é de interesse público, jornalístico e ataque à pessoa”, diz.
Sobre o caso de Marcela Temer, ela destaca que se
trata de um caso de interesse público, “tanto é que foi criada uma força tarefa
na polícia do Estado de São Paulo para que houvesse uma ação rápida e que os
responsáveis fossem punidos”.
www.vermelho.org.br 15/02
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