terça-feira, 25 de abril de 2017

Terrified in Brazil

24/04/2017 14:03 - Copyleft

Terrified in Brazil

Nove trabalhadores rurais foram assassinados em Colniza (MT), em 20 de abril, numa comemoração macabra do massacre de Eldorado dos Carajás de 20 anos atrás


Marco Piva*
Reprodução
Talvez assim, escrito em inglês, o pedido de atenção seja ouvido em outras partes do mundo porque aqui, internamente, está difícil. Nove trabalhadores rurais foram assassinados na Gleba Taquaruçu do Norte, distrito do município de Colniza, estado do Mato Grosso, no dia 20 de abril. Parece ter sido uma espécie de comemoração macabra do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, ocorrida há 20 anos. Desde o início deste ano já são 19 mortes no campo. Todas as vítimas são trabalhadores rurais. Nenhum dono de terra.
 
Segundo as primeiras investigações policiais, o crime foi praticado por capangas a mando de um grupo de fazendeiros insatisfeitos com a luta pela reforma agrária naquela região. Ou, como preferem dizer seus defensores nas redes sociais, “que negócio é esse de bandido invadir terra dos outros, bala neles”, “agora (os mortos) conseguiram a terra que queriam” e por aí vai.
 
Só mesmo um pedido de socorro mundial para entender a cabeça de gente assim, que despreza o humilde e endeusa o forte; que desconhece que o prato da sua comida do dia a dia vem exatamente dos pequenos agricultores e não do mal chamado agronegócio que nem agroindústria é porque a exportação é feita totalmente in natura.
 
Os nove trabalhadores rurais foram mortos a facadas e tiros num ritual digno daquelas séries da Netflix ambientadas na época dos vikings. Então, fica a pergunta: o que esse crime tem a ver com a situação que vivemos no Brasil desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff? Tudo, mas tudo mesmo. Por alguns motivos.
 
O primeiro: quando se derruba a mandatária máxima da República, eleita democraticamente pela maioria do povo, é quebrada a espinha dorsal da institucionalidade e isto abre espaço para uma espécie de “território livre”. Todos sabem que a motivação para o impedimento foi duvidosa juridicamente e exercida como ato de vingança política, como disse Michel Temer transcrevendo diálogo que teve com Eduardo Cunha dois dias antes da abertura do processo na Câmara dos Deputados. A partir dessa ruptura institucional, as estruturas do Estado entram em guerra aberta por espaços de poder não importando muito os resultados desse confronto para o país e, em especial, para a população.
 
Em nome da moral, setores do Judiciário aprofundam feridas que dificilmente serão curadas a curto prazo por conta de um diagnóstico seletivo e de uma operação cirúrgica ainda pior. Apenas um dado: em três anos de Lava Jato foram demitidas 600 mil pessoas. Se multiplicamos esse número por cinco, o que corresponde à cadeia produtiva, chegamos à astronômica cifra de três milhões de pessoas sem trabalho, ou seja, quase 25% da atual taxa de desemprego. Enquanto os delatores aliviam suas penas, as empresas quebram e o caminho fica aberto para uma nova ocupação colonial em setores estratégicos como gás, petróleo, infra-estrutura e mineração.
 
Do ponto de vista do Legislativo, a reprodução do pior que existe é sem limite. Atiçadas por uma vitória golpista, as forças mais retrógradas impõem uma pauta que combina benefícios imediatos como cargos e aprovação de emendas com um descompromisso total com o futuro do país. Perdem a compostura e de maneira açodada investem contra tudo aquilo que podem ser considerados pequenos avanços civilizatórios. Dançam uma música tocada pelos interesses de setores que desprezam qualquer possibilidade de uma nação mais justa e solidária.
 
Ao se render ao discurso dominante de recuperação da economia a qualquer custo, o Legislativo não se limita a retirar direitos sociais. Busca mais do que isso. Quer impedir o prosseguimento de um projeto de país que, bem ou mal, apenas esboçava seus primeiros passos. A pauta de “reformas” imposta aos brasileiros por um executivo e um legislativo subservientes não passa de um modelo que já mostrou sua ineficácia histórica. É um neoliberalismo atrasado, descontextualizado e ideologicamente fraco porque seu objetivo é apenas derrotar para sempre o PT e as esquerdas.
 
Por fim, no conjunto da sociedade civil é visível a predominância de uma narrativa cada vez mais conservadora que se alimenta de crimes bárbaros como esse de Mato Grosso. Projetos como “Escola sem partido”, que é tão ideológico quanto a ideologia que diz querer combater, são apenas sinais do total descontrole com que a despolitização generalizada se expressa para, em seguida, se configurar em “propostas de poder”, o que inclui aventureiros de toda espécie. Na esteira dos retrocessos sociais vem a suspensão da demarcação dos territórios indígenas e quilombolas, o aumento da criminalidade urbana e da violência policial, a ocupação cada vez maior de espaço nos meios de comunicação das correntes neopentecostais e as manifestações explícitas de racismo, homofobia e de agressão contra as mulheres.
 
O senso comum com viés moralista e reacionário é estampado e reproduzido por uma imprensa prisioneira de seus interesses comerciais imediatos, especialmente quando a tecnologia coloca em risco seu futuro. Por isso, quanto mais verbas publicitárias recebe do governo federal, mais entusiasticamente defende as reformas anti-povo, amparada em conceitos editoriais duvidosos no que diz respeito ao acompanhamento dos casos de corrupção, por exemplo. Apenas em um ano de governo Temer, os principais grupos de comunicação tiveram um incremento entre 300% a 700% de inserções publicitárias, enquanto as mídias alternativas foram praticamente excluídas do mapa de veiculação, com a exceção de sites e blogs alinhados com a nova orientação de Brasília.
 
Vivemos tempos difíceis. Os movimentos sociais e populares, os partidos de esquerda e os grupos de matizes progressistas estão em uma luta de resistência que, por vezes, parece anunciar o fim da linha. É nessa hora que a história pode servir para um profundo processo de autocrítica com o objetivo de entender os motivos que levaram o Brasil a esse estado de divisão e, em seguida, de avanço das forças mais reacionárias. Este é um capítulo necessário para que se formule uma estratégia que recomponha a correlação de forças e permita, a médio prazo, a retomada da iniciativa política a partir de uma perspectiva histórica mais duradoura e de acordo com os interesses do Brasil e dos brasileiros.





 
* Marco Piva é jornalista.


Créditos da foto: Reprodução

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