Marco Weissheimer
“As
pessoas perderam o seu voto e agora começaram a perder seus direitos. Com isso,
o governo e a política começam a se tornar irrelevantes, abrindo caminhos para
aventureiros, o preconceito e a intolerância. O aumento do nível de
desigualdade torna a população mais refratária à democracia", disse a
presidente deposta Dilma Rousseff, na aula inaugural do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para um
público de mais de mil alunos e professores que lotaram por completo o salão de
atos da UFRGS; no evento, ela voltou a alertar sobre o risco de uma fase 2 do
golpe; “Lula vem sofrendo uma sistemática tentativa de destruição que tem
resultado no seu crescimento nas pesquisas. Eles ainda não têm candidato. Se não
encontrarem um, tentarão evitar a realização de eleições em 2018 ou
inviabilizar a candidatura Lula"
A crise política brasileira vem sendo
marcada por vários paradoxos e contrastes. Um dos mais marcantes é o fato de
que, enquanto Michel Temer evita as ruas e as aparições públicas por causa dos
protestos que enfrenta.
Dilma Rousseff, eleita em 2014 com mais
de 54 milhões de votos e afastada da presidência por um processo de impeachment
comandado pelo hoje preso Eduardo Cunha (PMDB-RJ), segue reunindo multidões por
onde passa.
Cerca de 48 horas depois de participar
de um ato, junto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que reuniu mais
de 12 mil pessoas em Rio Grande, Dilma Rousseff proferiu a aula pública do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul para um público de mais de mil alunos e professores que lotaram
por completo o salão de atos da UFRGS.
Dando continuidade à jornada de debates
de que vem participando no Brasil e no Exterior, Dilma falou sobre o golpe que
sofreu, sobre o presente e, principalmente, sobre o futuro.
“O presente nós perdemos. Não podemos
perder o futuro”, resumiu ao final de sua fala, apontando aquele que entende
ser o principal desafio do presente: “Temos hoje uma tarefa central que é
ampliar os espaços democráticos do país. Precisamos debater com a sociedade,
falando a verdade. Na ditadura, a gente tem que lutar para mentir e isso não é
fácil. Na democracia, é preciso falar a verdade e nós precisamos falar a
verdade sobre o golpe, seus agentes e suas reais intenções”.
Dilma Rousseff foi recepcionada pela
diretora do IFCH, Claudia Wassermann, pela vice-diretora, Maria Izabel Noll, e
pelo ex-reitor da UFRGS e ex-professor de Dilma, Helgio Trindade.
Claudia Wassermann lembrou o compromisso
do Instituto e da Universidade com a defesa da democracia e do espaço crítico e
apresentou a presidenta eleita como um exemplo de caráter e de luta. “Estamos
recebendo aqui a última presidenta eleita pelo voto popular. A UFRGS não
poderia se eximir de recebê-la neste salão de atos”, disse Helgio Trindade.
Recebida aos gritos de “Dilma guerreira,
mulher brasileira”, a convidada especial proferiu a aula inaugural do IFCH que
teve como tema “Os desafios da democracia no Brasil”.
A palestrante não dourou a pílula. “O
leão não é manso” foi a última frase da aula inaugural. No percurso de sua
fala, Dilma Rousseff tratou de conectar as reais motivações do golpe
parlamentar que sofreu, os seus protagonistas, sua agenda política e os
desafios que a situação presente coloca para o futuro imediato. Como vem
fazendo em suas intervenções públicas, ela enfatizou o caráter estratégico da
defesa da democracia e o preço que estamos pagando hoje por escolhas feitas no
período da redemocratização:
“Sempre que tivemos mais democracia nós
ganhamos. Quando não temos democracia, nós perdemos. Por isso, precisamos
ampliar os espaços de participação. Na passagem da ditadura para a democracia,
nós tivemos uma transição por cima, que não julgou os torturadores e ocasionou
graves danos com repercussões no presente. Quando o deputado Bolsonaro votou a
favor do meu impeachment, ele votou também a favor da tortura e do torturador
que me aterrorizou. Em um país democrático, isso não aconteceria. Nós
precisamos de um acordo por baixo no Brasil e só tem um jeito disso acontecer:
eleições diretas para presidente da República”, defendeu.
Dilma advertiu para os riscos que a
democracia brasileira corre no presente. “As pessoas perderam o seu voto e
agora começaram a perder seus direitos. Com isso, o governo e a política
começam a se tornar irrelevantes, abrindo caminhos para aventureiros, o
preconceito e a intolerância. O aumento do nível de desigualdade torna a
população mais refratária à democracia. Isso está acontecendo no mundo inteiro.
O que está em crise é o sistema político que sustenta essa desigualdade. Com o
atual sistema político, o Brasil é ingovernável. Esse sistema é marcado por uma
fragmentação partidária. Nós não temos 25 programas distintos para o Brasil,
mas temos 25 partidos representados no Congresso. Com exceção de alguns poucos
que tem um programa, o restante vive para negociar cargos, emendas e benesses”,
resumiu.
A presidenta eleita também defendeu o
direito de Lula se candidatar em 2018 e alertou para as tentativas de evitar
que isso ocorra.
“Lula vem sofrendo uma sistemática tentativa
de destruição que tem resultado no seu crescimento nas pesquisas. Eles ainda
não têm candidato. Se não encontrarem um, tentarão evitar a realização de
eleições em 2018 ou inviabilizar a candidatura Lula. Se a candidatura de Lula
for inviabilizada, porque ele pode ganhar a eleição, teremos algo que é
antípoda da democracia.
Ela também criticou o papel que a mídia
vem desempenhando neste processo, em especial a Rede Globo de Televisão que
apontou como “um dos grandes líderes do processo do golpe”.
“Não podemos aceitar que a mídia vire
tribunal, fazendo condenações sem respeitar o direito de defesa e o devido
processo legal”.
“A mídia é um setor como qualquer outro
que também é afetado pela oligopolização. Para barrar isso, precisamos de uma
democratização econômica da comunicação ou, para usar uma expressão do mercado,
promover a livre concorrência neste setor. Mas as empresas de mídia não gostam
da livre concorrência. Também não podemos aceitar que a mídia vire tribunal,
fazendo condenações sem respeitar o direito de defesa e o devido processo
legal”.
Dilma Rousseff chamou a atenção também
para os riscos que o Brasil corre com o desmonte da rede de proteção social e
com as propostas de Reforma da Previdência e Trabalhista.
“Com o desmonte da rede de proteção
social, o Brasil cairá na maior miséria. A proposta de Reforma Trabalhista, com
uma profunda desregulamentação do mercado de trabalho e o fim da CLT representa
um retrocesso inominável. É algo amoral”.
Ela também criticou a medida que congela
os investimentos em saúde e educação por vinte anos, definindo-a como um “crime
contra o futuro do país”, e defendeu que a principal reforma que o Brasil
precisa não é a da Previdência, mas sim a Tributária:
“O Brasil paga muito imposto sim, mas
quem paga é a classe média e os trabalhadores. Ganhos de capital não pagam
imposto no país. O Brasil, junto com a Estônia, é o único país que não tributa
dividendos, porque isso, supostamente, afastaria investidores. De onde podemos
concluir que o Brasil e a Estônia são os únicos países que não afastam os
investidores”, ironizou.
Para Dilma, o pato amarelo da FIESP
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) é um símbolo dessa recusa dos
mais ricos em pagar impostos.
“Toda crise implica um conflito
distributivo. Nós propusemos a retomada da CPMF com um índice de 0,38% sobre as
transações financeiras. Eles não quiseram, porque a CPMF permite indicar onde
está a fraude fiscal. Por isso eles demonizaram a CPMF e a mídia conseguiu
fazer com que as pessoas fossem contra os seus próprios interesses”.
Dilma falou ainda sobre a gramática
misógina do golpe, que foi marcada por uma série de agressões dirigidas
diretamente contra ela. Essa gramática, assinalou, opera com certas dualidades
entre homens e mulheres. “A mulher é dura, enquanto o homem é forte. A mulher é
instável emocionalmente, enquanto o homem é sensível. A mulher é obsessiva e
compulsiva com o trabalho, enquanto o homem é um empreendedor, e assim por
diante. Essa gramática esteve presente em todo o discurso golpista”.
Mas a razão profunda do impeachment e do
golpe, destacou, é a tentativa de enquadrar o Brasil no neoliberalismo, retomar
e aprofundar o processo que foi interrompido com a primeira eleição de Lula.
Essa tentativa de enquadramento, acrescentou, enfrenta hoje alguns dilemas e
contradições.
“Se o governo ilegítimo entregar o
pacote das reformas para a mídia e o mercado, ele deixa de ter serventia. Se
não entregar, ele perderá sua legitimidade diante desses setores”.
Uma das expressões das contradições que
atravessam o campo do golpismo, observou, é o crescimento da candidatura de
Bolsonaro. “Acho que vamos ter um conflito entre a extrema-direita e a
direita”, assinalou, lembrando os resultados da última pesquisa de intenção de
voto.
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