A
falsa saída do Príncipe falido
Tarso Genro
Nos estudos que realizou
sobre a obra de Maquiavel, Gramsci identificou no partido político moderno a
“consciência que opera a necessidade histórica, como protagonista de um drama
histórico real e efetivo”. Ele é um organismo, não um “herói pessoal”. Não
depreciou, porém, da figura do líder, do dirigente, “uma força que não pode ser
destruída”, na qual o organismo vivo do partido encontra - às vezes- uma
expressão “mítica”. Assim, para Gramsci – por diferentes motivos e através das
formas diversas destes “organismos” – Lênin, De Gaulle, Churchill, Getúlio,
Perón encarnariam - como figuras míticas – a expressão política do “Príncipe”
moderno (o organismo): os condutores de massas que foram, no seu tempo
histórico, extraídos das tragédias e brilhos dos turbilhões sociais.
Por este raciocínio não é
difícil concluir porque o grande movimento liberal-rentista, centrou sua força
destruidora na figura de Lula que, com seus governos, alterou modestamente a hierarquia
das desigualdades no país e através da força normativa e política do Estado,
distribuiu renda e colocou na mesa da democracia, os que não tinham voz nem
vez. Nas grandes negociações políticas de Estado, que geram políticas públicas
de coesão social e dignidade mínima, apareceram as classes populares com a sua
presença incômoda.
Mas o ódio despertado foi tão grande e o
movimento foi tão esfuziantemente celebrado, pelos moralistas bem intencionados
e pelos que se escondem no moralismo para se corromperem mais tranquilamente,
que o processo fugiu dos objetivos previstos pela elite dirigente.
Na verdade, a inércia da
burocracia do Estado, tornada força política sem controle, substituiu o
“Príncipe” moderno e capturou a classe média que forma suas ideias sobre o
mundo no Jornal Nacional. Os partidos fragmentados, as lideranças sem projetos,
os militantes sem causa unitária era tudo que o país precisava para morrer por
mais cinquenta anos.
Lembrei-me do Príncipe, de
Maquiavel, por dois motivos, Primeiro, porque os nossos “Príncipes” modernos,
os partidos, foram substituídos por Promotores, Juízes, Policiais, que
incensados ou combatidos – conforme o caso – pelo oligopólio da mídia que
comanda, compõem a pauta política da nação. Prendem e arrebentam, justa ou
injustamente, mas preenchem a crise do Estado com a revelação de mediocridades
fascistas que se sucedem e logo são substituídos – como celebridades – pelo
próximo corrupto ou pelo próximo delator.
Segundo, lembrei-me do
“Príncipe”, porque o “príncipe dos sociólogos” (FHC), abandonou o seu antigo
feudo e se lançou na campanha das diretas, esvaziando a seriedade unitária da
proposta.
Todos sabemos que o que ele
quer, efetivamente – ao lançar a isca da soberania popular – é fazer uma
transição do golpismo corrupto e corruptor, que ele promoveu, para uma tutoria
menos indecente do Estado, tentando blindar, no crepúsculo, a sua biografia de
enganos.
A proposta de FHC, na
verdade, visa promover um acordo do golpismo político, que lhe cooptou, com os
que promovem as reformas liberais, e assim formar qualquer governo que cumpra
esta tarefa. O que ele menos quer é a realização de eleições diretas e
soberania popular.
O grande problema desta
grande estratégia, na conjuntura atual,
é que sequer existem interlocutores legitimados para acordarem, seja um
novo contrato social, seja um pacto político de transição para um futuro, ainda
que incerto, porém mais democrático. E quando não existem interlocutores
legitimados que representem forças organizadas e operem protagonismos “reais e
efetivos”, os aventureiros tomam conta dos “dramas
históricos”. E os protagonistas, de quem nos falava Gramsci, não se tornam nem
farsantes nem apenas trágicos. São os medíocres que não aguentam o primeiro
tranco do mercado.
* Tarso Genro foi
prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul, ministro da Justiça,
ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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