26/06/2017 14:41 - Copyleft
Tânia M. S OliveiraTemer, Aécio, Moro e a miséria da política
A pesquisa Datafolha divulgada no último sábado (24) mostra a descrença e desconfiança com a política e os políticos. Maior obviedade é impossível!
“A história nos permite sermos responsáveis não por tudo, mas por alguma coisa.”
(Snyder, Timothy: Sobre a Tirania)
A contemporaneidade no Brasil tem velocidade Twitter: o que é pra ser já foi. O ritmo frenético com que as coisas acontecem assume o formato da aparência de normalidade que o governo que ninguém mais reconhece tenta fazer valer para aprovar suas reformas no Congresso. A popularidade de Temer é a menor de um presidente em exercício nos últimos 28 anos, segundo a pesquisa Datafolha divulgada no sábado (24). A par disso, da iminência de abertura de uma ação penal contra o presidente, e dos vexames nas viagens internacionais, não há tolhimento das práticas do governo que se adornou do poder, mas ao oposto. O uso de chantagens com cargos públicos e ameaças a parlamentares para que votem os projetos são acirrados e divulgados na imprensa como algo legítimo e banal. Após a derrota do governo na votação da Reforma Trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado na terça (20), uma avalanche de exonerações e nomeações se seguiu na Esplanada dos Ministérios.
Paralelamente, o presidente do Conselho de Ética do Senado arquivou sumariamente a representação pedida pela Rede Sustentabilidade para investigar o senador Aécio Neves por “falta de provas”, e Gilmar Mendes virou o relator de um dos inquéritos contra o senador, apesar de, em meio às provas anexadas, haver uma gravação de conversa telefônica entre os dois, motivo bastante para uma suspeição processual. Respondi a quem me perguntou dos fatos que envolvem Aécio em comparação aos relativos ao senador cassado em 2012, Demóstenes Torres, que cotejado a esse, aquele seria um caso do juizado de pequenas causas.
Revistas divulgam a “possível sentença” do juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula, pelo famoso “Triplex do Guarujá”, cuja propriedade ficou cabalmente provada não ser dele. Mas quem precisa de provas para condenar no país em que o processo penal nada mais se tornou que a representação caricaturada de virtudes investigativas contra a corrupção e falsa justiça? Sentença publicada fora do Diário da Justiça e com antecedência parece algo de um Estado de direito? Em não sendo verdadeira, não mereceria uma negativa do magistrado imediata e uma reprimenda? Dependeria, claro, do interesse público e republicano do magistrado.
No grande paradoxo moral do momento, o coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal na operação Lava Jato, Deltan Dallagnol assume, após ser questionado por setores da imprensa, ter recebido 219 mil Reais por palestras no ano de 2016. Tenta responder tratando da destinação que dera ao dinheiro – supostamente para caridade e saúde – e descuidando que a legislação, desde a Constituição Federal até a resolução do CNMP sobre o tema, condena a prática de receber por palestras.
Na sexta-feira (23), a promotora Giovana Ortolano Guerreiro Garcia enquadrou como lesão corporal o caso do adolescente que teve a testa tatuada com a frase: ”eu sou ladrão e vacilão” em São Bernardo do Campo, descartando o crime de tortura apesar do vídeo que mostra a cena horrenda da violência praticada.
Tudo isso aconteceu em menos de sete dias.
E a mesma pesquisa Datafolha aqui citada mostra a descrença e desconfiança com a política e os políticos. Maior obviedade impossível!
É que as perguntas feitas com profundidade para buscar sentido nunca seriam as imediatas. As que devem nos acompanhar a todos, essas nunca estarão em uma planilha de pesquisa, tipo: a quem interessa destruir a política e convencer a população de que todos os políticos são corruptos e de que nenhum deles merece confiança? A quem interessa camuflar as diferenças? Que interesses movem os políticos que se apresentam como não políticos, como Dória, o prefeito de São Paulo, vedete dos novos tempos?
Li ontem, de uma só vez, o livro do Timothy Snyder, cujo título é “Sobre a Tirania - Vinte lições do século XX para o presente”, uma obra de 168 páginas, do tipo pequena e muito rica, que nasceu famosa quando, em choque pela eleição de Donald Trump, o professor de história da universidade de Yale postou um texto no Facebook que viralizou: “os americanos não são mais sábios que os europeus, que viram a democracia dar lugar ao fascismo, ao nazismo ou ao comunismo. Nossa única vantagem é ser capaz de aprender com a experiência deles”. Snyder transformou a postagem em um livro que os amantes de autoajuda (sem qualquer comparação de estilo e conteúdo) chamariam de “pílulas de sabedoria”, mostrando como novas formas de velhos autoritarismos sempre estiveram presentes nas sociedades em todo o mundo, esperando apenas o momento propício para se revelar; como a mídia pode ser maléfica e perversa, produzindo falsas notícias e a TV engendra o que ele chama de “transe coletivo em que caímos lentamente e todos os dias”.
E tudo que parece desconexo está, na verdade, interligado. “A maior parte do poder concedido ao autoritarismo é concedida voluntariamente”, diz Snyder em certo ponto. Alguns o fazem por ser cômodo e na crença de que nunca serão dele vítimas. Temer e Aécio supunham que dariam um golpe na democracia brasileira e as coisas se acomodariam ao ponto da normalidade, varrendo inimigos de classe do poder, sustentando-se nas hostes do mercado e da mídia. Gestaram o ovo da serpente, sem imaginar que poderiam se tornar peças descartáveis em algum momento, e que nele poderiam estar submetidos a regras de exceção.
Todas, absolutamente todas as barbáries da humanidade foram cometidas sob os alicerces do silêncio da maioria. Os motivos da mudez podiam variar entre a concordância, a conivência, o medo, a indiferença, a cumplicidade. As concessões feitas ao autoritarismo do sistema de justiça na operação Lava Jato são as mesmas daquelas de uma sociedade que fecha os olhos para as práticas policiais contra a população pobre e negra do país, ou aplaude justiceiros que espancam, matam, acorrentam ou tatuam a testa de adolescentes pela prática de delitos como furto ou roubo. A diferença é que na Lava Jato criminaliza-se a política, ou melhor, uma parte dela, uma forma de fazer política, um partido, seus membros e seu maior líder. Os demais são apenas exceções pra confirmar a regra.
Moro quer tatuar a testa de Lula, retirar-lhe não apenas a liberdade, mas subverter sua história, de forma a apagar tudo que foi feito, construído, edificado no país quando esteve à frente de sua administração. Em paralelo, a destruição dos direitos e conquistas dos últimos 13 anos faz parte do roteiro para reescrever a história recente do Brasil.
Os que se submetem, que por qualquer dos motivos que levam ao silêncio deixam de se manifestar contra o malabarismo jurídico criado para uma condenação de Lula sem provas estão, no fundo, condenados a ser eternamente vítimas de tiranos. Voltando a Snyder: “Renunciar à diferença entre o que se quer ouvir e o que de fato é verdadeiro é uma maneira de se submeter à tirania”.
* assessora jurídica da bancada do PT no Senado
(Snyder, Timothy: Sobre a Tirania)
A contemporaneidade no Brasil tem velocidade Twitter: o que é pra ser já foi. O ritmo frenético com que as coisas acontecem assume o formato da aparência de normalidade que o governo que ninguém mais reconhece tenta fazer valer para aprovar suas reformas no Congresso. A popularidade de Temer é a menor de um presidente em exercício nos últimos 28 anos, segundo a pesquisa Datafolha divulgada no sábado (24). A par disso, da iminência de abertura de uma ação penal contra o presidente, e dos vexames nas viagens internacionais, não há tolhimento das práticas do governo que se adornou do poder, mas ao oposto. O uso de chantagens com cargos públicos e ameaças a parlamentares para que votem os projetos são acirrados e divulgados na imprensa como algo legítimo e banal. Após a derrota do governo na votação da Reforma Trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado na terça (20), uma avalanche de exonerações e nomeações se seguiu na Esplanada dos Ministérios.
Paralelamente, o presidente do Conselho de Ética do Senado arquivou sumariamente a representação pedida pela Rede Sustentabilidade para investigar o senador Aécio Neves por “falta de provas”, e Gilmar Mendes virou o relator de um dos inquéritos contra o senador, apesar de, em meio às provas anexadas, haver uma gravação de conversa telefônica entre os dois, motivo bastante para uma suspeição processual. Respondi a quem me perguntou dos fatos que envolvem Aécio em comparação aos relativos ao senador cassado em 2012, Demóstenes Torres, que cotejado a esse, aquele seria um caso do juizado de pequenas causas.
Revistas divulgam a “possível sentença” do juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula, pelo famoso “Triplex do Guarujá”, cuja propriedade ficou cabalmente provada não ser dele. Mas quem precisa de provas para condenar no país em que o processo penal nada mais se tornou que a representação caricaturada de virtudes investigativas contra a corrupção e falsa justiça? Sentença publicada fora do Diário da Justiça e com antecedência parece algo de um Estado de direito? Em não sendo verdadeira, não mereceria uma negativa do magistrado imediata e uma reprimenda? Dependeria, claro, do interesse público e republicano do magistrado.
No grande paradoxo moral do momento, o coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal na operação Lava Jato, Deltan Dallagnol assume, após ser questionado por setores da imprensa, ter recebido 219 mil Reais por palestras no ano de 2016. Tenta responder tratando da destinação que dera ao dinheiro – supostamente para caridade e saúde – e descuidando que a legislação, desde a Constituição Federal até a resolução do CNMP sobre o tema, condena a prática de receber por palestras.
Na sexta-feira (23), a promotora Giovana Ortolano Guerreiro Garcia enquadrou como lesão corporal o caso do adolescente que teve a testa tatuada com a frase: ”eu sou ladrão e vacilão” em São Bernardo do Campo, descartando o crime de tortura apesar do vídeo que mostra a cena horrenda da violência praticada.
Tudo isso aconteceu em menos de sete dias.
E a mesma pesquisa Datafolha aqui citada mostra a descrença e desconfiança com a política e os políticos. Maior obviedade impossível!
É que as perguntas feitas com profundidade para buscar sentido nunca seriam as imediatas. As que devem nos acompanhar a todos, essas nunca estarão em uma planilha de pesquisa, tipo: a quem interessa destruir a política e convencer a população de que todos os políticos são corruptos e de que nenhum deles merece confiança? A quem interessa camuflar as diferenças? Que interesses movem os políticos que se apresentam como não políticos, como Dória, o prefeito de São Paulo, vedete dos novos tempos?
Li ontem, de uma só vez, o livro do Timothy Snyder, cujo título é “Sobre a Tirania - Vinte lições do século XX para o presente”, uma obra de 168 páginas, do tipo pequena e muito rica, que nasceu famosa quando, em choque pela eleição de Donald Trump, o professor de história da universidade de Yale postou um texto no Facebook que viralizou: “os americanos não são mais sábios que os europeus, que viram a democracia dar lugar ao fascismo, ao nazismo ou ao comunismo. Nossa única vantagem é ser capaz de aprender com a experiência deles”. Snyder transformou a postagem em um livro que os amantes de autoajuda (sem qualquer comparação de estilo e conteúdo) chamariam de “pílulas de sabedoria”, mostrando como novas formas de velhos autoritarismos sempre estiveram presentes nas sociedades em todo o mundo, esperando apenas o momento propício para se revelar; como a mídia pode ser maléfica e perversa, produzindo falsas notícias e a TV engendra o que ele chama de “transe coletivo em que caímos lentamente e todos os dias”.
E tudo que parece desconexo está, na verdade, interligado. “A maior parte do poder concedido ao autoritarismo é concedida voluntariamente”, diz Snyder em certo ponto. Alguns o fazem por ser cômodo e na crença de que nunca serão dele vítimas. Temer e Aécio supunham que dariam um golpe na democracia brasileira e as coisas se acomodariam ao ponto da normalidade, varrendo inimigos de classe do poder, sustentando-se nas hostes do mercado e da mídia. Gestaram o ovo da serpente, sem imaginar que poderiam se tornar peças descartáveis em algum momento, e que nele poderiam estar submetidos a regras de exceção.
Todas, absolutamente todas as barbáries da humanidade foram cometidas sob os alicerces do silêncio da maioria. Os motivos da mudez podiam variar entre a concordância, a conivência, o medo, a indiferença, a cumplicidade. As concessões feitas ao autoritarismo do sistema de justiça na operação Lava Jato são as mesmas daquelas de uma sociedade que fecha os olhos para as práticas policiais contra a população pobre e negra do país, ou aplaude justiceiros que espancam, matam, acorrentam ou tatuam a testa de adolescentes pela prática de delitos como furto ou roubo. A diferença é que na Lava Jato criminaliza-se a política, ou melhor, uma parte dela, uma forma de fazer política, um partido, seus membros e seu maior líder. Os demais são apenas exceções pra confirmar a regra.
Moro quer tatuar a testa de Lula, retirar-lhe não apenas a liberdade, mas subverter sua história, de forma a apagar tudo que foi feito, construído, edificado no país quando esteve à frente de sua administração. Em paralelo, a destruição dos direitos e conquistas dos últimos 13 anos faz parte do roteiro para reescrever a história recente do Brasil.
Os que se submetem, que por qualquer dos motivos que levam ao silêncio deixam de se manifestar contra o malabarismo jurídico criado para uma condenação de Lula sem provas estão, no fundo, condenados a ser eternamente vítimas de tiranos. Voltando a Snyder: “Renunciar à diferença entre o que se quer ouvir e o que de fato é verdadeiro é uma maneira de se submeter à tirania”.
* assessora jurídica da bancada do PT no Senado
Créditos da foto: SAULO CRUZ/FLICKR
Fonte: Carta Maior
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