Freixo: Temo a ascensão de Bolsonaro porque ele cresce no ódio que cultiva; a esquerda não pode mais fugir do debate sobre segurança pública
04 de agosto de 2017 às 20h01
Da Redação
O deputado estadual Marcelo Freixo é uma das mais importantes lideranças da esquerda brasileira, hoje.
Testado em eleições: teve 18% dos votos no primeiro turno concorrendo a prefeito do Rio em 2016 e no segundo turno obteve mais de 40%.
Há alguns dias, ele recebeu a repórter Luiza Sansão em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para falar sobre a conjuntura política.
Freixo discorda enfaticamente da condenação de Lula mas diz que a Lava Jato tem feito um trabalho importante ao desmontar a quadrilha do PMDB que tem forte influência no Rio de Janeiro.
Ele teme a ascensão de Jair Bolsonaro porque o discurso do deputado federal do PSC vai ao encontro do desencanto dos eleitores brasileiros com a política, alimentado pelo caos social em metrópoles como o Rio de Janeiro.
Por isso, no momento em que o Exército patrulha as ruas do Rio, Freixo entende que está na hora da esquerda mergulhar de cabeça no debate sobre a segurança pública.
Leia a íntegra da entrevista:
Luiza: O que você pensa sobre a condenação do Lula?
Freixo: Achei abusiva. Você não pode analisar esse quadro todo da relação da Justiça com a política hoje no Brasil, que é muito complexo, a partir de casos isolados. Tem um todo, tem um conjunto.
Então é evidente que, quando você olha pra Lava Jato e olha pro Rio de Janeiro, e vê, por exemplo, toda a quadrilha do Cabral sendo presa, não tem como não dizer que isso é bom. Quem imaginava, alguns anos atrás, ver o Cabral preso?
Não que eu comemore prisão de ninguém, eu não acho que prisão é solução. Pra mim é até um tema muito caro. Mas a gente tem uma quadrilha muito poderosa desbaratada, então é claro que tem que ser elogiado.
O que você não pode é, em nome do sucesso e da importância disso, abrir mão de procedimentos decisivos para o Estado Democrático de Direito.
Direito de defesa, produção de prova, não aceitar vazamento seletivo de informação, enfim, coisas que conviveram na Lava Jato. Então, isso foi muito direcionado.
Dizer que toda a Lava Jato foi pra pegar um partido, acho que isso não se sustenta mais. Agora, que houve um conjunto de equívocos graves que foram direcionados, sim.
E aí, nesse sentido, nesse contexto maior de análise da Lava Jato, é muito difícil imaginar que a condenação do Lula não tenha um atendimento a um quadro eleitoral.
Não dá pra imaginar que o Temer vai continuar presidente. Não dá pra imaginar que o Aécio vai continuar senador e o Lula não é candidato, porque tem uma condenação.
E aí eu não estou fazendo uma defesa do Lula, não. Tenho críticas políticas muito profundas ao Lula.
Ele acabou de dar uma entrevista super irritado comigo, no [programa “Na Sala do Zé”, do José] Trajano, irritado com o PSOL.
Luiza: Teve a posição da Luciana Genro…
Freixo: É, mas eu posso aqui falar da posição de pessoas do PT que o Lula não vai ter como defender. Acho ruim, acho que os partidos têm posicionamentos diferentes.
Todo partido que convive com a democracia possibilita olhares diferente para um mesmo processo.
A Luciana é muito minha amiga, tenho um respeito muito grande pela militância da Luciana, mas a gente divergiu em vários pontos.
Luiza: Nesse ponto, por exemplo.
Freixo: Divergimos. Na relação do impeachment, outros pontos.
Temos divergências, o que não faz com que estejamos em campos diferentes. Muito pelo contrário, conversei com a Luciana ontem, inclusive.
O PSOL fez uma nota condenando divergindo da condenação do Lula, então acho que é correto o PSOL fazer.
A gente é crítico, se o Lula for candidato, nós não estaremos na campanha do Lula, nós teremos candidato próprio.
Luiza: E vocês já têm candidato próprio?
Freixo: Não, isso está sendo debatido. Não vamos apoiar o Lula, não estaremos em uma aliança com o PT de Lula.
Não achamos que o que a esquerda precisa neste momento seja o lulismo. Mas eu tenho um respeito pela história do Lula, um respeito pela história do PT, acho que tem um lugar na história que é muito importante.
Tenho críticas à condução da esquerda feita por esse setor nos últimos anos, acho que cometeu erros muito graves. Agora, isso não pode fazer com que eu olhe pra Lava Jato de forma míope.
Nem achando que tudo da Lava Jato não serve porque atrapalha a candidatura do Lula e nem achando também que a inviabilidade da candidatura do Lula é algo natural, porque não é.
Luiza: Então você acredita que de fato não existem elementos para a condenação.
Freixo: Não existem. Nesse caso do triplex, e eu não estou aqui dizendo que ele tem ou que ele não tem, mas não tem prova, não tem materialidade.
Você conversa com qualquer jurista que não tenha necessariamente a defesa de um segmento ideológico, não tem materialidade alguma.
E tem que ter, não interessa que é o Lula, poderia ser qualquer outro. Mas não tem materialidade, então é grave.
Luiza: Opor-se a uma condenação sem provas não é o mesmo que apoiá-lo politicamente.
Freixo: Não, não é, e temos que deixar isso muito claro.
Luiza: Em duas décadas, a esquerda brasileira não construiu outra liderança. Que perspectivas você vê nesse sentido?
Freixo: Acho que aqui no Rio de Janeiro a gente conseguiu ter vitórias importantes pela esquerda.
Conseguimos, em 2012, chegar em segundo lugar, com 28% dos votos, enfrentando Eduardo Paes, e inclusive parte da esquerda estava no governo dele, equivocadamente no nosso entendimento, e hoje o estado e a cidade não deixam dúvidas de que era um equívoco aquela aliança com o PMDB, já naquela época.
Nós chegamos ao segundo turno na eleição do ano passado, derrotando o PMDB do Rio de Janeiro, sem dinheiro, sem tempo de televisão.
Então acho que aqui no Rio a gente consegue um espaço da esquerda que vem crescendo. Espero que continue crescendo.
(Foto Facebook ‘Se a Cidade Fosse Nossa’)
Luiza: Mas, nacionalmente, você acredita que falta alguém para chamar um protagonismo na esquerda?
Freixo: Acho que nacionalmente é uma outra coisa. Em alguns lugares você tem esse protagonismo acontecendo na esquerda.
Agora, nacionalmente, a gente não sabe o que vai acontecer com o Lula ainda, eu acho que ele deve ser candidato, que ele tem direito a ser, independentemente do que vai acontecer na eleição, mas ninguém sabe se ele será candidato.
Agora, acho que o grande debate que a esquerda tem que fazer, e alguns petistas não gostam quando eu falo isso…
Eu nunca fui um antipetista, fui o primeiro a apoiar a Dilma no segundo turno contra o Aécio, ela me ligou, inclusive. Não fiz parte do governo da Dilma, não quis fazer, gravei programa de televisão porque eu achava importante derrotar o Aécio, ainda bem que a história me deu razão.
E fui crítico ao governo da Dilma, não achei um bom governo. Achei que errou na condução econômica, errou muito nas políticas sociais, errou muito e profundamente.
E [apesar disso] eu estava no primeiro palanque contra o golpe. Essa coerência, acho que é muito importante para a organização da esquerda.
É muito difícil imaginar o que será da esquerda daqui a algum tempo, mas vai haver um pós-Lula.
Se vai ser agora, daqui a quatro anos, daqui a oito, não sei. Espero que o Lula dispute essa eleição porque é um direito que ele tem.
Mas vai haver um pós-Lula e esse pós-Lula vai precisar se organizar em outra esfera, que não necessariamente um grande nome.
Talvez um caminho diferente, de um grande trabalho de base que eu acho que tem que começar agora, mesmo com o Lula ainda.
Com muito respeito ao Lula. Essa minha fala é uma fala carregada de muito respeito ao Lula, eu tenho de fato um grande respeito por ele. Independente das divergências, que não são poucas.
Mas tem que começar agora um trabalho de base. Qual é o projeto nacional da esquerda? É eleger o Lula? Isso não é um projeto nacional, é um projeto eleitoral.
Qual é o nacional? O que a esquerda hoje pensa sobre temas essenciais?
Nenhum de nós hoje é capaz de dizer isso. Isso precisa ser feito através de uma experiência, que a gente tem claro que pensar numa experiência do Rio de Janeiro é diferente de uma experiência nacional, mas a gente viveu aqui o “Se a cidade fosse nossa”, que é um método muito importante.
Por que a gente consegue chegar ao segundo turno [em 2016] sem dinheiro, sem tempo de televisão, sem nada? Porque a gente teve militância na rua e porque a gente teve um programa feito a partir das bases sociais.
No segundo turno, de cada dez votos que nós tivemos, cinco foram da zona norte e três da zona oeste. Há muitos anos a esquerda não entrava na zona oeste como a gente entrou.
Foi suficiente para ganhar a eleição? Não, não foi. Porque enfrentamos uma outra direita, uma outra máquina, com que a gente não sabia muito como agir. Que é um desafio pra gente conversar em breve.
Agora, a gente fez um programa e um enorme trabalho de base. A gente abordou os temas da cultura, da educação, da saúde, da juventude, da violência, e nas bases, nos lugares, ouvindo as pessoas.
Foi uma esquerda que ouviu, que falou menos do que ouviu.
Era uma plataforma onde as pessoas entravam e o programa que nós defendemos foi o que nasceu desses lugares. Isso era uma nova forma de fazer política, para a própria esquerda.
E acho que a gente precisa tentar isso nacionalmente. É claro que é mais difícil. Mas tem um desejo disso. Eu sinto esse desejo por aí.
E acho que, mesmo com o Lula, a gente precisa cumprir esse papel, que é um papel que acho que cabe ao PSOL neste momento.
E aí não é uma candidatura antipetista, que seria uma bobagem, e nem uma candidatura satélite do PT, mas uma candidatura que aponte uma outra capacidade de organização da esquerda, que não vai, por exemplo, continuar acreditando num determinado pacto com determinados setores da economia ou setores da própria política.
Não dá mais pra imaginar que essa combinação vai ter futuro. Já deu errado.
(Foto Tânia Rêgo, Fotos Públicas)
Luiza: Em meio a essa fragilidade da esquerda, o ultraconservadorismo cresce. Como você está vendo a possível candidatura do Bolsonaro para a presidência em 2018?
Freixo: Estou preocupado. Estou muito preocupado.
Porque ele se alimenta do medo e do senso comum.
Ele produz o medo, se alimenta desse medo. Se alimenta de ódio, de intolerância, que existem. É assustador.
Eu acabei de brigar com o Ministério Público [do Rio de Janeiro] — uma briga que não fecha portas porque eu tenho muito diálogo com o Ministério Público —, porque eles vão fazer um evento sobre “bandidolatria”, na sede do MP, com abertura da Procuradoria Geral.
Me reúno com ele [procurador-geral José Eduardo Ciotola Gussem] sistematicamente e falei pessoalmente com ele: ‘o que deu em vocês?’.
Eu estou pegando esse exemplo porque acho que é um exemplo importante, e estou falando de quem eu respeito, tenho muito respeito pelo Ministério Público.
Aí a fala do procurador-geral era de que tem que ouvir todo mundo. Eu nunca vou discordar de que tem que ouvir todo mundo, só que fascismo é outra história.
Alguém hoje concordaria que a gente tem que ouvir ou entender melhor o Holocausto em nome da democracia, das opiniões? Não, né? Por que que no Centro de Berlim tem o Museu do Holocausto?
Isso é muito importante naquela cidade, o Museu do Holocausto no centro, uma das coisas mais maravilhosas que eu já vi. Aquilo não está dando voz a todo mundo? Está. Então a gente precisa entender o que é enfrentar o fascismo. Não é a mesma coisa de opiniões diferentes numa democracia.
Tem um setor fascista da República brasileira que nunca esteve tão organizado desde o integralismo. Não estou nem contando a ditadura, mas organizado enquanto um projeto de poder, enquanto partido, enquanto candidatura, ou seja, por dentro da democracia. Não estou falando de período de exceção.
Talvez desde o integralismo a gente não tenha um grupo fascista, com métodos fascistas, com inteligência, com capacidade de comunicação, com liderança, como agora.
É uma ameaça à democracia. A gente tem que dar conta disso.
Luiza: E o papel da direita no crescimento desse ultraconservadorismo?
Freixo: Acho que a direita tem que ser responsabilizada sobre isso. Eu converso sobre isso bastante com o pessoal do PSDB aqui.
Nós vamos continuar com as nossas divergências, mas tem um debate que tem que unificar, minimamente, uma agenda da esquerda e da direita brasileiras, que é o enfrentamento ao fascismo.
Não vamos pensar só que a esquerda perde com o crescimento do fascismo, não é possível que vocês tenham tanto descompromisso com a democracia. E vários deputados da direita concordam comigo.
O enfrentamento ao fascismo não é papel só da esquerda. É papel de qualquer um que se preocupe com a democracia.
E eu quero crer que a preocupação com a democracia não é só da esquerda. Ou não pode ser só da esquerda. O mesmo com os direitos humanos.
Você aceitar que tem uma candidatura viável que trata índios e quilombolas dessa maneira é uma ameaça histórica. Tem que ser enfrentada com toda a força. Por todos os setores.
Eu quero discutir com o Ministério Público como é que a gente enfrenta isso, quero discutir com os movimentos sociais.
Eu quero vencê-los na eleição, como venci aqui no Rio de Janeiro. Mas quero discutir algo maior, qual é o princípio da democracia que a gente vai construir aqui. Até pra ter a disputa ideológica.
Luiza: O governo Temer está conseguindo empurrar goela abaixo da população reformas que basicamente destroem direitos históricos dos trabalhadores e, apesar de afetarem diretamente uma parcela tão imensa da população, não está havendo uma mobilização à altura contra a perda de direitos.
Freixo: Exatamente. Primeiro que eu acho que o Brasil contra o Temer tem menos unidade quando se debate reformas.
Tem muita gente que é a favor do ‘fora, Temer’ e que não necessariamente é contra todas as reformas. Nós temos clareza disso.
Pra mim, o ‘fora, Temer’ tinha que estar colado desde o início na necessidade de derrotar as reformas.
E não acho que a reforma da Previdência, que teve tanta visibilidade, seja pior. A reforma trabalhista é uma tragédia.
Luiza: Por que a população brasileira não está se levantando contra as reformas trabalhista e previdenciária com a mesma intensidade com que ecoa o “Fora Temer” nas redes e nas ruas?
Freixo: Aí mora uma fragilidade grande e estrutural da esquerda. Não é que a gente não esteja trabalhando…
Eu organizei aquele ato aqui, junto com outros setores, e a gente colocou cem mil pessoas em Copacabana, a gente chamou o Caetano, que era o ‘fora, Temer’, ‘diretas já’ e contra as reformas [trabalhista e previdenciária]. Ali a gente sentou com o PT, com o PCdoB, com todo mundo.
A gente conseguiu fazer depois em Salvador, Bahia, São Paulo. Mas não vira um movimento de massa. A gente fez no Rio de Janeiro um abaixo-assinado, e aí faz fila pra assinar. Faz fila. Mas se você organiza um ato, não tem massa. E eles jogam com isso, eles estão jogando com isso.
Por isso que a gente fez o show, chama os artistas e cem mil [pessoas]. Fui na casa do Caetano chamá-lo pra cantar, falei com a Paula Lavigne, a gente fez o 342 [site], que também criou uma pressão, deputados responderam, e isso foi resultado daquele grupo [do ato na praia de Copacabana].
Parado, a gente não está.
Quando a gente viu que não dava pra fazer um show por semana, um movimento de massa, então faz um movimento de massa e vamos para as redes. A única maneira de você derrotar as reformas é derrubando o Temer com ‘diretas já’. Aí tem um setor que erra, quando fala o ‘fora Temer’ sem o ‘diretas já’. E não são poucos que estão fazendo isso. Acho que é o ‘fora Temer’ com ‘diretas já’ que pode deter as reformas.
Luiza: A bancada federal do Rio é muito ativa nas questões nacionais, os parlamentares do Rio foram protagonistas no processo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, mas hoje a maioria parece não ter dimensão do tamanho do buraco em que se encontra o estado. Existe uma dificuldade do Rio de pensar a si mesmo?
Freixo: A bancada do Rio é muito heterogênea. São 43 deputados federais. Tem uma parte enorme deles que é base de sustentação do próprio Temer. E é uma base muito frágil, a dos deputados daqui. Muito frágil. Um comando muito forte do PMDB. O problema do Rio de Janeiro é que não tem governo.
O Pezão é um ex-governador em exercício. Ele não tem mais governo, os secretários, se bobear, não se conhecem, não se articulam, não tem política pública.
O Pezão tenta cumprir o seu mandato até o fim, talvez para não ser preso. Então é uma tragédia no Rio de Janeiro, os servidores, a segurança pública, a saúde.
Não há Estado, não há política pública. Então o Governo Federal também se vê muito confortável de não atender, de não ser cobrado, porque não tem governo.
A fragilidade política no Rio de Janeiro é imensa. É o resultado da crise: ter Cabral preso significa ter Pezão governador e, na verdade, quem está presa é a população do Rio de Janeiro.
Luiza: Como é que o Pezão sai do governo?
A gente tem que ter qualidade na fiscalização. Não adianta ocupar o parlamento só pra fazer discurso, tem que ocupá-lo para cumprir a principal função dele, que é a fiscalização.
É um papel importante de que a esquerda não pode abrir mão.
Quando eu era deputado sozinho, antes da eleição, antes da bancada, eu entrei com um pedido de anulação da chapa.
Porque a minha equipe descobriu que a chapa Pezão e [Francisco] Dornelles concedia aditivo financeiro em um contrato para uma empresa e, uma ou duas semanas depois, a empresa entrava como doadora de campanha deles. Isso em um ano de eleição, que era uma reeleição.
Aí a gente pegou um, dois, três, quatro e falou ‘opa, tá estranho’. Era uma lista gigantesca. Era um método.
Aí nós fizemos a listagem, pegamos as empresas, entrei com uma ação de anulação da chapa, ganhei de três a dois.
Eu nem esperava ganhar, mas era muito contundente, não tem como, dois mais dois não dá pra ser cinco.
Aí os caras caçaram a chapa, o Pezão recorreu e perdeu o recurso. E aí recorreu ao TSE e está na mão do Ricardo Lewandowski. Isso tem um ano.
Ele pode julgar a qualquer momento e aí, enfim. O TSE não caça o Pezão porque não quer. A denúncia está lá.
Independentemente disso, entrei com o impeachment, e aí o Picciani [presidente da Alerj] sentou em cima. Anulou monocraticamente.
Aí entrei com recurso contra o impeachment e foi a julgamento no Tribunal de Contas, mas já sem tribunal porque os caras foram presos [seis dos sete conselheiros foram afastados depois de serem acusados de corrupção: José Gomes Graciosa, Marco Antônio Barbosa de Alencar, José Maurício de Lima Nolasco, Aloysio Neves Guedes, Domingos Inácio Brazão e Jonas Lopes de Carvalho Júnior].
Os conselheiros reservas rejeitaram as contas do Pezão. Aí eu entrei com um novo pedido, a bancada entrou com um novo pedido de impeachment, e eles não colocam em pauta. Enfim.
O movimento de julho das ruas do Rio, acho que caiu muito, porque os servidores, que são a mola pulsante desse movimento, estão muito fragilizados, em situação de penúria, triste de ver.
Houve muita repressão, grades em torno da Alerj, Caveirão aqui na porta.
Luiza: As igrejas evangélicas penetraram em espaços nos quais a esquerda não conseguiu entrar ainda, como as favelas, apesar da maneira como o discurso da esquerda contempla as pessoas que vivem nesses territórios. A vitória do Crivella no Rio evidencia isso, inclusive. Como você vê o crescimento da Igreja Universal nas favelas do Rio? O que a esquerda precisa para mudar esse cenário?
Freixo: A Igreja Universal também trabalha com utopia. Talvez mais do que a esquerda. É meio assustador você ouvir isso de mim, né? Mas a Igreja Universal trabalha com utopia. E tem mais eficiência na sua utopia do que boa parte da esquerda.
Foi isso que a gente entendeu na campanha. A gente enfrentou uma máquina muito poderosa, uma máquina presente no território de forma muito poderosa e um método político muito difícil de ser enfrentado.
Para te dar um exemplo, no primeiro dia do segundo turno, a gente estava carregado de energia, porque, imagina, nos três dias finais do primeiro turno a gente vira em cima do candidato de PMDB, ganha e vai pro segundo turno…
Primeiro dia do segundo turno, eu desço de casa por volta de 6h30, 7h da manhã, indo para a zona norte e zona oeste, e tem vários taxistas perto do meu prédio, porque tem um botequim ali onde eles tomam café, e eu sempre paro pra conversar com os taxistas ali.
Aí parei, imaginei que fosse ser uma festa, porque eu estava no segundo turno, e foi uma recepção fria. E eu achei estranho, porque eu os conheço pelo nome, moro ali há mais de três anos. E os funcionários do bar me dizem ‘ó, eles estão chateados com você’. Eu disse ‘chateado comigo? Eu acabei de ir pro segundo turno, chateados por quê?’.
Aí fui lá conversar com eles, perguntei o que aconteceu e eles ‘você não devia ter falado assim dos taxistas’. E eu perguntei ‘mas falado o quê? Não dei nenhuma entrevista sobre taxistas’.
Até achei que fosse algo relacionado à polêmica entre táxi e Uber, e eu não tinha falado sobre isso. Aí pegaram o telefone de um deles e tinha um áudio imitando a minha voz, mas era tosca, dizendo ‘taxista deve ter votado no Crivella, mas azar o deles, é tudo burro e..’.
Era um áudio, que circulou por todos os taxistas às 6h da manhã do primeiro dia do segundo turno. Todos os taxistas do Rio de Janeiro receberam aquele áudio, dizendo que era eu. Foi esse nível de campanha. E quando eu me deparei com aquilo, eu falei ‘não sei enfrentar isso’.
Como é que eu vou conversar com todos os taxistas para dizer ‘não sou eu’? Como é que é esse método?
Aí, na hora do almoço, eu estava em Bonsucesso, veio um senhor pra mim e falou ‘votei em você no primeiro turno, mas não vou votar no segundo’.
Eu perguntei ‘mas porque o senhor não vai votar em mim no segundo turno?’. ‘Porque o senhor não podia falar o que o senhor falou’.
Aí eu perguntei ‘ah, o senhor é taxista?’, ele falou ‘não, eu sou da igreja e o pessoal recebeu uma mensagem hoje dizendo que o senhor vai autorizar a troca de sexo de crianças’.
Isso no primeiro dia. Era uma rede de robôs funcionando.
Então tem, por um lado, um método político subterrâneo que a gente não sabia enfrentar. A gente estava acostumado com o bom debate. Não tinha sequer espaço pra esse debate.
E, por outro lado, uma presença, trabalhando com uma utopia maciça no local permanentemente que a esquerda não tem. Porque esse trabalho de base há muito tempo não vem acontecendo.
Então não adianta também o trabalho de base só no período da eleição, tem que ser um trabalho permanente.
Uma das pessoas que eu trouxe para trabalhar aqui comigo, na minha assessoria, é o pastor Henrique Vieira, que é um pastor evangélico jovem, negro, de esquerda e faz um trabalho maravilhoso.
Então ele e o Lúcio Sanfilippo, que é do candomblé, são os coordenadores da parte de religião e política do meu mandato.
E eles trabalham junto dos setores populares, através da religião, um debate sobre cidadania, cidade, direitos. É um avanço que a gente precisa fazer.
(Foto Marcela Boto – Cuca da UNE – Facebook Marcelo Freixo)
Luiza: Fazendo uma autocrítica, que erros você acredita ter cometido durante a campanha para a Prefeitura em 2016?
Freixo: Tem muita coisa. Acho que no primeiro turno a gente acertou mais do que errou. Tanto é que a gente foi pro segundo turno. No segundo turno, acho que a gente foi muito pego de surpresa. Não dimensionamos, não estudamos quem íamos enfrentar.
Pensamos ‘vamos enfrentar um setor conservador’, mas não tínhamos dimensão…
A gente não entendeu, por exemplo, que um em cada quatro cariocas é evangélico. Eles vivem um momento que ainda é muito anti-PT, muito antiesquerda, no momento da eleição. Não é agora, agora acho que a gente já conseguiria disputar mais.
Era um momento em que a gente tinha muito verde e amarelo, pato [da Fiesp], essas coisas estranhas ainda estavam nas ruas, isso ainda era muito forte.
Então a gente carregou um pouco a pecha dessa esquerda que estava sendo rejeitada por uma determinada opinião pública. E a gente não vai deixar de ser esquerda, então a gente pode se diferenciar em certas coisas, o que é justo, inclusive, mas a gente fez uma campanha de esquerda.
Agora, como é que a gente enfrenta esse outro cara assim? Como é que a gente dialoga com quem eles têm um trabalho de base de décadas e a gente defende sem estar lá?
A gente tem muito trabalho de base hoje no Rio de Janeiro, o PSOL avançou muito, tem muito comitê, muitos trabalhos de base, muitos setores de educadores. A gente avançou muito, mas é diferente de um trabalho de décadas, porque a gente enfrentou uma emissora, uma igreja e uma candidatura. A fusão disso é um negócio muito sério.
Luiza: Vi que tem uma mãe de vítima de violência aqui, no seu gabinete, atuando na sua equipe. Entre os familiares de vítimas, há aqueles que apoiam você, mas também há outros desacreditados, que não acreditam que um mandato de esquerda como o seu interfira realmente na realidade de violência que eles vivem em favelas, questão que você aborda frequentemente…
Freixo: A gente tem que entender a angústia. O primeiro passo é esse. Tem uma angústia e que tem razão de ser.
É muito difícil perder um filho. Eu sei porque minha mãe perdeu um. Eu tive um irmão assassinado. Então eu sei o que é isso dentro de casa.
Meu pai adoeceu e nunca se recuperou. Tem onze anos que meu irmão foi morto e a vida da família nunca é igual. Acaba. É muito violento.
Enterrar um filho é muito violento. É preciso entender isso. E não é toda mãe que transforma luto em luta. Isso não é simples.
E as que transformam não se resolvem da noite pro dia, no sentido de todas as suas angústias, incertezas, cansaços. Isso é permanente, é diário.
São mães que vão adoecendo. E o Estado é muito violento com elas. Então quando elas desacreditam e não têm paciência, elas têm total razão pra isso. Como que a gente lida com isso? Tem que ser um trabalho pedagógico de muita insistência, de muito cuidado, muito afeto, muita acolhida, muito carinho.
Eu acho que a gente consegue com muita gente. Com todo mundo, a gente não vai conseguir nunca. Mas consegue com muita gente. A gente consegue ter um trabalho permanente nas favelas.
Consegue ter um trabalho permanente nos presídios. É muito difícil. Eu presido a Comissão de Direitos Humanos há oito anos. Quando eu assumi, não tinha sequer memória na comissão. Não tinha nenhum estagiário. Eram três funcionários. Se você entrar na comissão hoje, tem uma equipe.
Tem pesquisadores, tem memória, tem relatórios, tem setores populares. Aqui hoje por exemplo tem a Gizele e a Monica, que são respeitadas. Você traz esse movimento para ser a comissão, e não para a comissão falar em nome dele. E isso é muito importante.
Mas, quanto mais a gente trabalha e se organiza, mais a gente tem demanda. Então isso é um ciclo também inesgotável. Como é que a gente trabalha a ansiedade? Porque a gente quer atender a tudo, a todo mundo. Aí você tem uma baita crise no sistema penitenciário.
Hoje, uma parte da minha equipe está visitando o Rafael Braga. Eu queria estar lá. Mas não dá, porque tem uma reunião aqui daqui a pouco com um grupo de policiais civis também. E quando você vai conversar com policiais, um setor da favela que tem na polícia um conflito permanente fala ‘você não devia estar conversando com a polícia’.
E aí tem um setor da polícia que fala ‘você protege bandido’. E como é que você lida com algo que está no cotidiano das pessoas? A cidade respira isso. A gente não tem que ter medo desse debate, porque a frase que eu mais ouvi na vida é que eu defendo bandido.
Tenho 30 anos de trabalho em presídio, ou seja, antes de ser deputado. Então eu entro em presídio e os presos me chamam pelo nome. Em todos os presídios do Rio de Janeiro.
Tem até uma brincadeira na minha equipe, porque eu falo a mesma frase há muitos anos, porque eu falo sempre que a luta é pedagógica. Há um processo pedagógico na luta, de entendimento, de saber por onde avança, e inclusive detectar os erros, detectar as limitações. O Rio de Janeiro tem uma característica muito específica, que é a de que o tecido social, quando rasga, rasga na violência.
Isso não é assim em toda cidade ou em toda área metropolitana. Porque a violência no Rio tem especificidades muito fortes. Desde o tipo de armamento, a lógica das facções, você não tem uma única facção, tem algumas mais vinculadas à polícia, outras menos vinculadas à polícia, tem uma rede de corrupção no Rio de Janeiro muito estruturada. Que é terrível e agora está sendo desmontada.
O nível de armamento que tem hoje nas favelas do Rio é uma coisa que eu, há tantos anos trabalhando com direitos humanos, nunca vi. É um armamento muito pesado. Então você tem uma lógica de guerra e, ao mesmo tempo, toda segurança pública que se apoia numa lógica de guerra mata e morre. E você não consegue construir outra alternativa.
A formação da polícia cada vez pior e o resultado desses últimos anos está em 2017, com 92 policiais mortos e uma média de três pessoas mortas por dia pela polícia. Esses números são…
Há muitos anos a gente não tem isso. E completamente, completamente, sem perspectiva.
E como você trabalha com direitos humanos nesse momento? Eu não tenho dúvida de que a grande pauta do Rio de Janeiro é a luta por direitos humanos. Só que é o momento mais difícil quando ela é a mais importante. Então a gente precisa ser pedagógico no sentido de reafirmá-la. A política de segurança tem que ser uma política de direitos humanos. Por isso estou recebendo a polícia aqui. Ao mesmo tempo, minha equipe está lá no Rafael Braga.
E a gente faz, há três anos, um trabalho na PM, de mecanismo de atendimento a familiares de vítimas. Porque você precisa disputar essa polícia. Fazer um enfrentamento dentro da polícia.
Dificílimo. Mas a gente precisa fazer.
Não é ficar indo para auditório de universidade pública pra ser aplaudido. Isso é ótimo, faz bem, é bacana. Mas isso a gente já faz há muito tempo.
Então eu quero avançar na polícia com uma política de direitos humanos, avançar no cárcere. Eu converso toda semana com a SEAP. A gente criou um mecanismo agora, eu acho que tem avanços.
Luiza: Uma parte da esquerda reproduz a lógica punitivista. Como você vê isso num momento de avanço tão forte do ultraconservadorismo?
Freixo: Acho perigoso. Existe impunidade no Brasil, mas o Brasil não é o país da impunidade, é onde mais cresce a população carcerária do planeta, já somos a quarta, talvez a terceira, se tivermos passado a Rússia.
É uma impunidade muito seletiva, e é aí que mora a impunidade, na seletividade do crescimento carcerário brasileiro. Não é no sistema carcerário a impunidade, é no crescimento e por onde ele cresce.
É a prisão da pobreza. Então você tem um momento de mudança, e aí é importante entender isso, a partir da década de 90, o modelo neoliberal chega no Brasil e pra todo o Estado mínimo, o [Loic] Wacquant fala isso de forma brilhante, pra todo Estado mínimo você tem que ter um Estado penal máximo.
A gente vive um Estado penal que consolida o Estado mínimo.
Então você tem uma redução do papel do Estado, ao mesmo tempo a hegemonia de um capital financeiro, que não é mais produtivo, e é isso que deveria gerar a compreensão de que não tem pacto possível com determinado setor dominante, porque é preciso mudar esse modelo, não dá pra continuar tendo a política de juros, não dá pra continuar tendo a política feita hoje pelo Banco Central, não dá pra ter uma política hoje do agronegócio, pra fingir que podemos ter avanços periféricos.
Há uma estrutura de um Estado mínimo que gera a privação de liberdade de uma grande massa de um exército de reservas que não têm mais viabilidade de existência. Então a criminalização da pobreza é o resultado mais imediato hoje deste modelo de cidade, de Estado, de desenvolvimento.
Essas coisas estão casadas. Isso gera a ideia que o [Zygmunt] Bauman vai chamar de supérfluos. Tem um setor que sobrou e tem que ser destituído de existência.
Então, quando a esquerda reproduz a lógica punitivista, ela não entende que está usando um método semelhante ao que há de mais eficiente na direita, sobre essa criminalização da pobreza, que é o efeito mais imediato do modelo que a gente está enfrentando, de um modelo que a gente precisa derrotar.
Acho que ainda vai ter mais gente presa. Tem gente que não foi presa ainda porque tem mandato. Todos os que foram presos não tinham mandato, se a gente parar pra pensar. Acho que tem gente aqui preocupada. Bastante.
Eu não tenho dúvidas de que aquela quadrilha é uma quadrilha que você não resolve prendendo. O que não quer dizer que alguns ali não tinham que estar presos, porque se não estiverem presos vão atrapalhar ou obstruir a Justiça. Não é uma posição punitivista, é apenas razoável. Não dá para imaginar que, diante disso, o Cabral pudesse estar morando na sua casa em Mangaratiba, com conforto.
Não é isso também que a gente está falando sobre o punitivismo. Mas trabalhar com inteligência, investigar, ver as relações que tem com a Fetranspor, a relação com outro setor empresarial. Porque isso é o problema, é o que houve de mais violento no Rio de Janeiro nos últimos anos. Tem uma quadrilha sendo desbaratada, que ainda tem muita coisa pra ser desbaratada, até porque um grupo continua no poder.
O Pezão, o PMDB, de maneira geral muito forte aqui dentro, por exemplo, é o mesmo grupo do Cabral. Eles não saíram do poder. Prendeu-se uma parte, enfrentou-se uma parte, desbaratou-se politicamente uma parte, mas eles estão aí.
Eu tenho pai e mãe aposentados que estão sem salário. Essa penúria em que o servidor está é resultado desse grupo.
Luiza: A situação do servidor, a crise na segurança, a crise generalizada. O que é pior nisso tudo?
Freixo: Quando eu olho pro meu pai e pra minha mãe, eles vão dizer que o pior é não ter salário. Se não fosse eu ajudar, meu pai hoje não compraria seus remédios. E morre. Vivem de aluguel, quem paga o aluguel sou eu. Não receberam o 13º. É muito grave. Os dois são aposentados do Estado. Assim como eles, temos muitos no Rio de Janeiro.
Se você perguntar pra eles, vão dizer que é o salário. Agora, quando você olha pro conjunto da sociedade, como eu estava dizendo antes, não tenha dúvida de que o que há de mais grave no Rio de Janeiro é a segurança pública.
É claro que a saúde, se você entrar no Hospital da Posse, que fica em Nova Iguaçu, você vai dizer pra mim “o pior é a saúde”. Mas o hospital é um caos por causa da violência, são dois baleados por dia. É também um caos pela saúde, mas a saúde é um caos do posto de saúde ao Hospital da Posse, as UPAs, tudo um caos.
Mas a violência é um negócio muito assustador e principalmente nos setores mais pobres. Quando você fala de violência, você está falando da zona norte e está falando da zona oeste, e aí tem que separar. E aí o Túnel Rebouças é um túnel do tempo, né?
É o único túnel urbano que leva você de um século a outro. A violência entre a zona norte e a zona oeste tem diferença, mas principalmente na zona norte é um negócio muito impressionante.
O nível de armamento que tem, a lógica das facções, o nível de fragilidade da polícia, o nível de violência policial, a formação, o caos que está no estado, um desmando completo, a ausência de projeto. Projeto social então, nem se fala.
No auge da economia não tinha, imagina agora. E não tem perspectiva, o que é mais assustador. Não tem perspectiva. Você tem uma ação do Judiciário, que prende metade do 7º Batalhão, de São Gonçalo, porque estava envolvido em corrupção e tinha tomado as bocas de fumo, numa operação feita há cerca de um mês.
Luiza: E quando alguém anuncia alguma medida diante da questão da segurança, a resposta vem em forma de mais militarização, como reforçar o patrulhamento no Rio com as Forças Armadas…
Freixo: Porque responde ao senso comum. Tem uma crise de violência que é brutal, e como é que se responde a isso? O que se faz diante da violência? Coloca o Estado armado. Coloca o Exército nas favelas. Qual foi o resultado do Exército na Maré? O que mudou na Maré?
Pega a Maré hoje, que não tem mais o Exército, pega o custo que foi, o que representou, qual foi o resultado. Então a gente já sabe que essas ações que pensam numa resposta imediata não têm o menor efeito.
(Foto Tomaz Silva, Agência Brasil)
Luiza: E qual seria o caminho?
Freixo: Tem coisas concretas. É preciso trabalhar a polícia. Não adianta a esquerda fugir disso. Porque a esquerda gosta de dizer ‘segurança pública não é só polícia, vamos discutir as questões sociais’.
Concordo plenamente. Também acho. Precisamos discutir política de emprego, de moradia, entender que as favelas são um espaço construído da cidade. Não pode ter 30% dos moradores do Rio de Janeiro nas favelas e não ter nenhuma política urbana, pública, de favela, clara.
Qual é a política de favela que você tem hoje no Rio? Do município, do Estado, da União. Nenhuma. Não tem.
Favela é um espaço de problema. Favela é um espaço para onde a gente continua mandando a polícia. Há séculos a gente faz a mesma coisa.
Concordo com as ações sociais, tem que ter política de geração de emprego, tem que pensar na economia e em setores que geram emprego para a juventude sendo estabelecidos como incentivo. Tem um debate econômico de desenvolvimento, de perspectivas, que a gente tem que começar já.
Então, bar e restaurante, e eu falei muito isso durante a campanha, é o setor da economia que mais gera emprego para a juventude. A gente não está debatendo aí a questão do incentivo fiscal? Onde é que a gente tem mais jovem desempregado? É nesse cinturão aqui?
Estimula espaços de bares e restaurantes pra gerar emprego pra jovens. Isso pode ter relação com uma política de cultura, de ocupação urbana…
Tem que ter planejamento, tem que ter política pública. Os setores têm que conversar.
Por mais que tenha que ter criatividade de um lado, olhar o que está acontecendo no mundo, por outro tem que ter coragem de enfrentar os grandes poderes que estão estabelecidos. Essa crise não vem só da incompetência.
Ela vem também da necessidade de atender a certos interesses. Não é só a incompetência que explica. Tem uma competência responsável por esse projeto de cidade, projeto de desenvolvimento, projeto de estado. E aí acho que a esquerda tem que ter proposta.
Eu estou dando algumas. Na campanha, você podia falar qualquer coisa a meu respeito ou a respeito do PSOL, mas a gente tinha proposta, tinha programa, dizia o que queria fazer. A gente estudou, visitou os lugares, abriu o debate em sociedade.
Não adianta dizer ‘a violência está enorme, as pessoas estão morrendo e a gente não tem o que fazer’. Então, para além do que é consenso na esquerda, que são todas as questões que geram emprego, ocupação social, o papel da escola, que a gente tem em acúmulo, o que a gente faz com a polícia?
A esquerda não tem proposta para a polícia. E não gosta de discutir segurança pública, não gosta de discutir sistema penitenciário.
Acha que isso é papo de quem é autoritário. A esquerda é muito atrasada em relação a isso. E nós não vamos avançar se não discutirmos isso.
Quando a gente for governo, a gente vai ter que ter polícia, né? Qual é a nossa polícia? Qual é a formação da polícia? Com qual policial a gente está conversando?
Luiza: E como você acredita que deva ser conduzido um debate sobre questões básicas da segurança pública, como desmilitarização e legalização das drogas?
Freixo: A desmilitarização é algo que todo policial que sabe o que significa defende. Se ele entender o que significa, ele defende. Não tem como. A não ser um determinado oficialato que não defenda isso.
Quando uma parte enorme da sociedade acha que desmilitarizar é tirar a arma do policial é porque a gente não tem luta pedagógica. E a gente é muito arrogante, a esquerda é muito arrogante.
Primeiro porque fala pra si mesma muitas vezes. Se contenta com isso. Produz um material que só a esquerda lê.
Eu sempre brinco com isso, o grau de eficácia dos textos está no tamanho dos textos, capacidade de síntese para dialogar com uma população maior. A gente não tem.
A gente produz coisas que a esquerda vai ver bem e muito pouca coisa para dialogar pra fora das nossas bolhas. E a gente vive uma crise hoje que não dá pra gente estar bem nas nossas bolhas, né?
As pessoas estão morrendo, as escolas não estão funcionando, não há um projeto político pedagógico, a juventude não tem perspectiva, temos um genocídio da juventude negra. Essas coisas estão diante de nós.
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