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Justiça

"Jacobinos" da Lava Jato provam do próprio "terror"

por André Barrocal — publicado 08/09/2017 00h45, última modificação 08/09/2017 06h52
Casos Miller-Friboi e Moro-Duran colocam carrascos na posição de alvo, como na Revolução Francesa
Marcelo Camargo / ABr e Lula Marques / AGPT
Janot e Moro
Janot e Moro: e agora?


Um ex-procurador de Justiça da Operação Lava Jato, Marcelo Miller, é suspeito de ter tramado com a JBS-Friboi um jeito de induzir o presidente Michel Temer se incriminar, e agora tem de se explicar. O juiz Sérgio Moro, estrela da operação, tem um padrinho de casamento acusado de comercializar vantagens para delatores lá na 13a Vara Federal de Curitiba, e também tem de se explicar.
No Congresso, símbolo maior da presa nas caçadas de Miller e Moro, a classe política, há quem considere os episódios pedagógicos.
“Estamos vendo acontecer aqui o que aconteceu com os jacobinos dos comitês de salvação pública da Revolução Francesa: os algozes – juízes, procuradores – viraram vítimas”, diz o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “É para a sociedade ver que o problema do Brasil é um pouco mais complexo, não é só da política, dos políticos.”
Os jacobinos eram os radicais da Revolução Francesa (1789), mais ligados às massas. Comandaram a segunda fase do movimento, a do “Terror”, em que a guilhotina trabalhou sem descanso. Criaram os Comitês de Salvação Pública para defender a Revolução e depois membros dos comitês acabaram sem a cabeça, caso de Danton. Quando terminou a fase do Terror, o máximo líder jacobino também perdeu a dele, Robespierre.
Miller deve depor nesta sexta-feira 8 na Procuradoria-Geral da República (PGR), onde trabalhou por anos até ser exonerado em abril. Terá de esclarecer suspeitas sobre si surgidas das confidências trocadas pelos criminosos delatores da JBS Joesley Batista e Ricardo Saud em uma gravação conhecida nos últimos dias.
Na gravação, há indícios de que Miller sabia do plano da dupla friboiana de escapar da cadeia grampeando figurões da República – caso de Temer naquela conversa na calada da noite no Palácio do Jaburu em 7 de março – para entregar a cabeça deles à PGR em troca de um acordo generoso de delação. Não só sabia, como teria sido uma espécie de co-autor do plano.
Ao anunciar a existência da gravação, o procurador-geral, Rodrigo Janot, comentou que poderia ter havido crime de improbidade por parte de Miller. Ex-amigo e hoje desafeto de Janot, o ex-ministro da Justiça Eugenio Aragão explicou em entrevista recente a CartaCapital qual seria o pepino.
“As conversas dão conta de um acerto entre o então procurador Marcelo Miller e os investigados antes da ida de Joesley Batista ao Palácio do Jaburu. Parece claro um método e um objetivo: o empresário agiria para colocar palavras na boca de Michel Temer. Ou seja, o Joesley atuou, sem autorização judicial, como uma longa mão do Ministério Público.”
“Longa manus do presidente Michel Temer” foi como Janot descreveu o homem da mala, Rodrigo Rocha Loures, em um dos pedidos de prisão do maleiro apresentados à Justiça.
Na conversa com Saud, Joesley expôs sua intenção de ser um “longa manus” do PGR. “Nós vai acabar virando amigo desse Ministério Público, cê vai ver. Nós vai virar amigo desse Janot, nós vai virar funcionário desse Janot.”
O que torna a situação de Miller complicada não é a gravação friboiana isoladamente, mas uma sequência de fatos que o levou à condição de “longa manus” da JBS.
Miller pediu demissão da Procuradoria em 23 de fevereiro. Saiu de férias em março e encontrou Joesley. Foi em março que ocorreu a conversa das confidências entre Joesley e Saud (dia 17). Miller foi exonerado de fato em 5 de abril e seis dias depois ia à Procuradoria para uma reunião na qualidade de um dos advogados da Friboi, a fim de negociar um acordo de leniência.
Na PGR, um subprocurador-geral tem impressão parecida com a de Aragão sobre o papel duvidoso de Miller na delação da Friboi.
“Fiquei com a impressão de que ele cavou as delações, elas não foram voluntárias. Isso é que torna o acordo de delação nulo, e não a apregoada omissão do Joesley e do Ricardo em contar todos os crimes. Afinal, não levaram a gravação no último dia de prazo? Não vajo omissão deles.”
E o caso de Moro, o Robespierre tupiniquim? Viu-se enrolado em uma trama pouco noticiada até agora, uma história publicada inicialmente na Folha de S. Paulo.
Um ex-advogado da empreiteira Odebrecht, Rodrigo Tacla Duran, acusa um padrinho de casamento do juiz, Carlos Zucolotto Junior, de comercializar delações na 13a Vara Federal de Curitiba. Zucolotto não priva apenas da intimidade de Moro enquanto amigo. Foi sócio da mulher do magistrado, Rosangela, em uma banca de advogados.
Um documento da Receita Federal mostra que o escritório de Duran contratou serviços do escritório de Zucolotto e Rosangela. Esse elo, revelado pela revista Veja, poderia levar ao questionamento da imparcialidade de Moro para julgar casos a envolver Duran e, quem sabe, a Odebrecht, cliente de Duran entre 2011 e 2016.
Logo após a acusação de Duran, Moro divulgou uma nota em que diz, entre outras coisas, que a Folha não deveria dar crédito ao relato de um foragido (Duran está na Espanha, onde tem cidadania).
Diante da resposta do juiz, um famoso criminalista atuante em Brasília, defensor de encrencados na Lava Jato, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, divulgou um texto a mostrar como o algoz Moro poderia ser vítima do próprio jacobinismo.
“O juiz diz que não se deve dar valor à palavra de um ‘acusado’. Opa, isto é rigorosamente o que ele faz ao longo de toda a operação!”, diz.
“O fato de o juiz ter entrado em contato diretamente com o advogado Zucolatto, seu padrinho de casamento, para enviar uma resposta à Folha, ou seja combinar uma resposta para a jornalista, seria interpretado como obstrução de justiça, com prisão preventiva decretada com certeza”, prossegue.
“Ou seja, embora exista a hipótese de os fatos serem falsos o que nos resta perguntar é como eles seriam usados pela República do Paraná? Se o tal Deuslagnol não usaria a imprensa e a rede social para expor estes fortes "indícios" que se entrelaçam na visão punitiva. Devemos continuar dando a eles a presunção de inocência, mesmo sabendo que eles agiriam de outra forma.”
Agiriam com guilhotina.