A "construção interrompida" e o País distante de Celso Furtado
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Com visões diferentes sobre obra do economista e pensador, seminário mostra preocupação comum sobre a falta de um projeto nacional
Por Vitor Nuzzi
Da Rede Brasil Atual
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Logo de início, o professor Ricardo Bielschowsky cita questionamentos feitos por Celso Furtado no documentário O Longo Amanhecer, de 2006: "Eu me pergunto: quem manda neste país? Por que se conservam essas taxas de juros de fantasia, que sangram o país, deixando pequena margem para o crescimento? É difícil dirigir um país como este". Era o começo de um seminário, na Universidade de São Paulo (USP), que discutiu o legado do economista e ex-ministro do Planejamento, considerado um dos principais pensadores do Brasil.
Mesmo no cenário difícil como o atual, Bielschowsky, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse tentar "manter o otimismo histórico" de Celso Furtado em sua esperança de transformar o país – dentro de certos parâmetros. "Ele não era um socialista, digamos assim, não jogava as fichas em ruptura do capitalismo. Era um adepto da social-democracia clássica, progressista", define.
O seminário, realizado na terça-feira (17), fechava um ciclo de leituras de um grupo de pesquisa (Pensamento e Político no Brasil) formado por estudantes e professores e coordenado por André Singer e Bernardo Ricupero. Na mesa, Singer explica que a análise de Formação Econômica do Brasil, clássico escrito por Furtado em 1958, vinha a partir de "uma leitura de cientistas políticos, não de economistas".
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Já a mesa do debate tinha três economistas (Bielschowsky, Luiz Carlos Bresser-Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, e Plínio de Arruda Sampaio Jr., da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp) e uma cientista política (Vera Alves Cepêda, da Universidade Federal de São Carlos). Visões diferentes e uma preocupação em comum: a falta de um projeto nacional.
"Vamos desistir ou vamos batalhar sobre os erros e consertar?", pergunta o professor da UFRJ, também falando de Celso Furtado. "Será que ainda há condições políticas para avançar em um projeto dessa natureza?"
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Ele cita uma série de itens que precisam ser discutidos em um debate sobre o desenvolvimento: estabilidade econômica, salários e produtividade, formalização do trabalho, acesso a bens e serviços públicos, impostos progressivos, cobertura universal, previdência pública e solidária. "Não existe país no mundo que consiga fazer sua sustentação a longo prazo que não passe por uma reindustrialização radical", afirma Bielschowsky, para quem houve avanço nos governos recentes, mas "não se fez uma reforma tributária que desfizesse a péssima distribuição de renda".
Há muitos "temas em disputa" entre conservadores e progressistas, como reforma tributária, políticas sociais, reforma da Previdência, política macroeconômica, modelos de desenvolvimento, democracia, reforma política. "A lista é enorme, e o balanço não está nos parecendo muito favorável", afirma o professor da UFRJ, falando do campo progressista.
Para Plínio, da Unicamp, Celso Furtado é um autor muito homenageado no Brasil, mas pouco estudado. "O Brasil de Furtado é o que luta para se consolidar em uma democracia minimamente autônoma", observa, chamando a atenção para os "dilemas" da formação do país. Para superar desigualdades, é preciso pensar na base material de uma economia nacional.
Furtado, lembra, identificou a relação entre subdesenvolvimento e a formação da nação. Hoje, acrescenta o professor, "estamos assistindo o desmonte da nação". Ele acredita que, para que haja efetivamente avanços, o Brasil precisa de rupturas, mudanças estruturais.
Estado soberano
"Felizmente, o Furtado morreu em 2004 para não ver o que está acontecendo hoje", comenta Vera, autora, em 1998, da dissertação de mestrado Raízes do Pensamento Político de Celso Furtado, na USP. A professora, que também destaca a presença do subdesenvolvimento na formação brasileira, comenta a importância, para o economista, de se estabelecer condições para um Estado "social, autônomo, soberano, livre, com capacidade de prover o seu próprio futuro, capaz de produzir uma nova economia para além das regras do mercado, de fazer reformas estruturais".
Para ela, de certa forma Celso Furtado pôs a política à frente da economia, "embora seu método de trabalho venha da dimensão econômica". E ressalta a importância da democracia: "Se acumula melhor em regimes fechados, se distribui melhor em regimes abertos".
Ao apresentar Furtado como "mestre e amigo", Bresser-Pereira disse que o economista estava "muito decepcionado com o Brasil" no final da vida. Segundo ele, o país experimentou algum crescimento no período 1950/1980, com crescimento anual per capita de 4,5%, caindo para 1%, em média, a partir dos anos 1990, com o predomínio do liberalismo econômico.
Lula e Dilma, diz Bresser-Pereira, fizeram "esforços políticos para tentar recuperar o desenvolvimentismo", mas esbarraram em uma falta de capacidade de elaborar uma política econômica que garantisse taxa de juros razoável, além de manter o câmbio muito valorizado. "Não podemos ficar na mão dos economistas liberais", afirma, citando ainda a presença crescente do chamado rentismo: "O rentista não é sócio do crescimento. É sócio da espoliação".
Bielschowsky repete o termo "reindustrialização radical" como fator-chave para o país, mas admite problemas. "Eu não sei onde está o Estado que vai fazer isso, onde está a burguesia industrial que vai fazer isso." Ele e Plínio Jr. voltam a falar do subdesenvolvimento como característica brasileira – a "primazia da desigualdade", diz o professor da Unicamp, tem raízes estruturais. "Assim como abacateiro não dá jabuticaba, economia de subdesenvolvimento não dá Estado de bem-estar social."
Uma pessoa da plateia pergunta sobre a Emenda Constitucional 95, que limita gastos públicos durante 20 anos. "Inviabiliza qualquer possibilidade de vida civilizada no Brasil, inviabiliza o Brasil", responde Plínio. "O Brasil vai ferver, e nós vamos para uma polarização brutal da luta de classes", acrescentando, prevendo "tempos turbulentos pela frente".
Bresser-Pereira considera a emenda "um escândalo, uma coisa sem pé nem cabeça", mas acredita que algo ainda pode mudar. "Logo no começo do próximo governo vai surgir o problema, e eles vão ter de fazer alguma coisa", afirma, antes de observar que "o capitalismo hoje não é mais de empresários, mas de rentistas".
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