domingo, 14 de janeiro de 2018

Elefantes e mosquitos

Elefantes e mosquitos

Numa das primeiras conversas que teve com Samora Machel, o líder da independência de Moçambique, Leonel Brizola perguntou-lhe quantos eram os moçambicanos. Machel, em resposta, deu-lhe o número oficial que p governo recém-instalado tinha recebido do governo colonial português. E acrescentou: fora os elefantes.
-Elefantes?
– Eu chamo de elefantes porque vivem ocultos na floresta, só se nota que existem quando saem de lá e fazem alguma destruição.
Ontem, a polícia de choque fez uma incursão na floresta. Aliás, nem isso, apenas um bosque, porque a Mangueira está longe de ser a favela mais precária do Rio. Motivos não haverá de faltar e, se faltarem, arranja-se um. O tráfico está mesmo por lá e não vai sair, como não saiu mesmo das favelas ocupadas. E não saiu, também, dos salões e das “baladas” da zona sul.
O resultado foram quatro mortos, um PM baleado em estado grave e uma mulher grávida surrada por policiais, que afastavam, a jatos de spray de pimenta, os que tentavam protegê-la e até mesmo a equipe de O Dia que registrou a agressão covarde.
Nenhum deles tem nome, claro. Como os elefantes de Machel, vivem na selva da pobreza e o que seria uma tragédia gigantesca em outras partes da cidade são só mais um evento, onde as notícias que tomam destaque são o fechamento da visitação do zoológico e o cancelamento do show de Alcione na escola de samba do morro.
A grávida agredida na Mangueira não tem o charme da “treta” entre Oprah Winfrey e Catarine Deneuve, nem mesmo para os que estamos preocupados com a defesa dos direitos da mulher.
Os nossos “elefantes” nem mesmo nome têm nos jornais. São “os mortos”, “o suspeito”, “a grávida”. Nem mesmo elefantes são. São mosquitos, incômodos, indesejáveis, a serem combatidos com jatos de repelente de pimenta, banalizados e transformados em rotina nas ações policiais.
Como os mosquitos, transmitem a doença do crime e da violência e, como aos mosquitos, é preciso espantar a todos para o mais longe possível, ainda que sejam poucos os infectados e vetores de alguma mazela. Spray em todos, por precaução.
É inútil, claro. A “guerra ao crime” que matou várias vezes mais que no Vietnam, na Síria e até no Iraque, só se alimenta e se replica neste pântano.
Na água parada da exclusão, proliferam. Mas justificam o crescimento de um exército de “mata-mosquitos”, que já chega a meio milhão de policiais, aos quais se deve somar mais de 100 mil guardas municipais e 450 mil vigilantes privados.  Um pouco mais, aqui e ali, logo serão mais do que os dois milhões de professores, em todos os níveis, existentes no país.
Some o arsenal necessário para armar este exército, os “fumacês” blindados e a logística para manter toda essa gente e você terá noção do saco sem fundo que se tornou a segurança pública no Brasil, na qual quanto mais se põe, menos se tem.
Como em todo processo de loucura, afunda-se cada cada vez mais na insanidade.
Ela dá prestígio político e dá dinheiro para corporações que – palavras do Ministro da Justiça – acabam por virar sócias do crime.

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