'Fatos alternativos' é a 'despalavra' de 2017
Termo estimula substituição de argumentos factuais por afirmações não comprovadas para manipular debate público, diz júri; iniciativa quer chamar atenção para palavras que ferem dignidade humana ou democracia
A expressão "fatos alternativos" (alternative fakten) foi considerada a "despalavra do ano" de 2017 na Alemanha. A expressão indica a tentativa de substituir argumentos factuais por afirmações que não podem ser comprovadas, influenciando assim o debate público, segundo explicou o júri responsável pela escolha, em Darmstadt.
A "despalavra do ano" é escolhida desde 1991 na Alemanha. A intenção do júri é "desenvolver a sensibilidade para o idioma e chamar a atenção para formulações sem nexo ou desumanas no linguajar público e incentivar a reflexão crítica na linguagem cotidiana."
"Fatos alternativos" teria sido usada pela primeira vez por Kellyanne Conway, assessora do presidente americano. Na ocasião, ela se referiu ao debate sobre o número de presentes na posse de Donald Trump, em janeiro do ano passado. Conway afirmou então que a participação popular quebrara o recorde histórico de adesão em posses presidenciais.
A linguista Nina Janich, porta-voz do júri, formado por seis pessoas, disse que, desde então, "a expressão se tornou sinônimo e símbolo para uma das tendências mais preocupantes de uso público da língua, especialmente nas redes sociais".
Outra expressão criticada pelos linguistas foi shuttle-service ou "serviço de transporte" como termo difamatório para o engajamento de equipes de organizações não governamentais que resgatam refugiados em alto-mar.
picture-alliance/APA/picturedesk/G. Hochmuth
"Alternative Fakten" se tornou símbolo de mau uso da língua, especialmente nas redes sociais
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A descrição foi usada pelo porta-voz da bancada nacional conservadora alemã, Stephan Mayer, do partido bávaro CSU. Nesse caso, o júri também enxergou um exemplo para a criação de uma tendência de uso público na língua, "empurrando as fronteiras do dizível para uma direção misantrópica, polêmica e cínica".
A palavra genderwahn, ou "delírio de gênero", também foi listada e foi usada, segundo o júri, por "círculos conservadores e populistas de direita" para inflamar os ânimos contra a justiça de gênero.
A ação teve participação de 1.300 cidadãos, que enviaram 684 sugestões diferentes para o júri, por e-mail ou por carta. Outras 3.500 contribuições contendo sugestões chegaram pelas redes sociais.
"Fatos alternativos" foi enviada 65 vezes, enquanto o termo babycaust ("babycausto") teve 122 votos. O colegiado tem liberdade de decidir pela "despalavra" independentemente do número de envios.
"Babycausto" foi sugerido pela médica Kristina Hänel, de Giessen, condenada em novembro a uma multa de 6 mil euros por publicidade ilegal a favor do aborto e que foi xingada com a palavra numa página criada na internet com o mesmo nome. O site compara a interrupção aos crimes cometidos no Holocausto.
Mudança de discurso preocupa
A "despalavra do ano" é votada anualmente desde 1991, quando foi escolhido o termo ausländerfrei ("livre de estrangeiros"). A "despalavra" de 2016 foi traidor do povo.
Para observadores, as "despalavras" dos últimos anos refletem uma mudança de discurso que causa preocupação. Em 2014, o termo escolhido foi "imprensa da mentira". Em 2015, o termo Gutmensch ("gente boazinha"), usado nos meios populistas para ironizar a solidariedade com refugiados.
Houve vários comentários sobre a votação no Twitter que mostram a divisão social. O programa satírico heute show, do canal ZDF, escreveu que as "despalavras" dos últimos anos "podem ser lidas como o programa partidário da AfD [partido populista de direita alemão]".
Já outros usuários polemizaram postando a hashtag #alternativeFakten junto a fotos da chanceler alemã, Angela Merkel, durante seu juramento de posse, ou caricaturas sarcásticas de refugiados menores de idade.
Já a palavra alemã de 2017 foi definida há algumas semanas pela Sociedade da Língua Alemã (GfdS9): Jamaika-Aus (fim da Jamaica). Outro concurso escolheu como "frase do ano" a justificativa do Partido Liberal-Democrata (FDP) para deixar as negociações para a formação de um governo na Alemanha: "É melhor não governar do que governar de forma errada".
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