quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O caminho da convulsão social

Política

Artigo

O caminho da convulsão social

por Eugênio José Guilherme de Aragão — publicado 10/01/2018 00h16, última modificação 09/01/2018 12h49
Sem uma saída negociada, será este o desfecho da situação criada pelo golpe
Andrei Leonardo Pacher/Xinhua/Zumapress/Fotoarena
Lula
Prefeito de Porto Alegre pede Exército para julgamento de Lula
A inocência política subiu no telhado. Em 2017, o golpe parlamentar-judicial-midiático manifestou-se com toda sua perversidade: venda do País, manobras para inviabilizar a responsabilização de atores políticos, extinção de direitos e desvio sistemático de recursos públicos para a compra de bancadas inteiras para aprovação de sórdidos projetos de lei e para bloqueio do recebimento de denúncias criminais contra o traidor Michel Temer.
Para piorar o quadro de deterioração da estatalidade, o Judiciário perdeu a vergonha de escancarar sua seletividade política. Condenou Lula sem provas, calcado em meras suposições partidariamente inspiradas e anunciou aos quatro ventos que a apelação teria rito processual sumaríssimo para reexame da sentença condenatória, já qualificada pelo presidente do tribunal como “irretocável”, mesmo sem tê-la lido. Procuradores tagarelas tornaram pública sua expectativa de ver Lula preso.
O desespero dos que promoveram o golpe em 2016 é indisfarçável. Passa-se o tempo e a cada dia ficam mais claras as imorais intenções dos que apearam Dilma Rousseff da Presidência. Com o desmascaramento dos golpistas, a tendência do eleitorado de votar maciçamente em Lula nas eleições presidenciais vindouras cresce de pesquisa em pesquisa. E a direita, travestida de centro que não é, não consegue apresentar um único nome minimamente viável e aceitável para o establishment para fazer o contraponto ao preferido perseguido.
Impeachment
Os “representantes do povo” festejam o impeachment (Foto: Andressa Anholete/AFP)

É nesse cenário que se descortina 2018. A pressa de tornar Lula inelegível é enorme. O tribunal que apreciará sua apelação da sentença do juiz partidário marcou o julgamento para dia 24 de janeiro. Diante da elevada probabilidade de se querer, no TRF, confirmar a condenação, a sociedade se mobiliza. Porto Alegre vai virar o primeiro palco de enfrentamento do golpe, num ambiente claramente hostil.
O ano político será intenso. De um lado, forças democráticas tentarão consolidar seu avanço sobre o eleitorado, incluindo muitos que foram iludidos com a propaganda de ódio contra os governos populares e, hoje, conscientes do engodo de que foram vítimas, se juntam aos que nunca aceitaram o golpe. Do lado oposto, os protagonistas do fraudulento impeachment tentarão criar fatos consumados e, na agenda imediata do entreguismo, estão o desmonte da Previdência Social, a privatização da Eletrobras e a incorporação agressiva da Embraer à Boeing.
Com o reajuste do salário mínimo abaixo do índice previsto no Orçamento da União, abre-se nova frente contra os direitos dos trabalhadores. No entanto, em 2018 a massa assalariada vai conhecer a prática dos estragos sobre seus direitos, com demissões dos celetistas estáveis, para serem trocados por contratados temporários, sem direito a férias, sem 13° salário, sem licença de gravidez, sem FGTS, sem aviso prévio, sem seguro-desemprego e com precarização previdenciária.
Perceberá que não terá escolha: ou se submete ao novo regime desprovido de direitos ou ficará desempregada. Trata-se da formalização do subemprego, a se espalhar rapidamente no mercado, sem amparo sindical.
A indecente campanha publicitária governamental, prevista a custar dezenas de milhões de reais para os contribuintes, vai tentar convencer que tudo ficou melhor e que o desmonte da Previdência favorecerá os trabalhadores. Jogará com a mentirosa culpabilização dos servidores públicos, apontados como os causadores do suposto déficit insustentável da seguridade social. Chamá-los-á de privilegiados, mas não mexerá um dedo nos privilégios de juízes, promotores, delegados, auditores e advogados públicos.
Ao se aumentar a massa dos que pretendem votar em Lula, o roteiro dos golpistas tende a nos aproximar criticamente da convulsão social. Mesmo com a mídia trabalhando diuturnamente para iludir a chamada “opinião pública”, será inevitável sentir-se na própria pele o colapso da qualidade de vida de milhões de brasileiros. E isso será água no moinho da candidatura democrática.
A resposta dos golpistas à disseminação da insatisfação e ao crescimento do eleitorado pró-Lula vai ser policial e judicial, com maior criminalização de movimentos sociais e inviabilização completa da candidatura de Lula. Haverá ataques maciços a seu partido, o PT. A resposta do abismo é mais abismo, até o limite do sustentável pela repressão. Abyssus abyssum invocat.
Mas sempre é bom lembrar duas coisas: uma, como já dizia Lafayette, pode-se fazer muitas coisas com baionetas, menos sentar-se em cima delas; outra, a história é um processo contínuo e sua marcha é inexorável; quanto mais se reprime, mais a resposta será dura. Se não hoje, amanhã ou depois. Por isso, a saída negociada ainda é a que oferece menos riscos e pode desembocar num cenário de transição mais suave. Lula é essa saída. Fechá-la é abrir espaço para o descontrole do processo político, que vitimizará, em primeiro lugar, os repressores e seus instigadores.
O ano de 2018 será inegavelmente um divisor de águas. Ou se conseguirá seguir na restituição da democracia pelo voto livre ou se aprofundará o esgarçamento do tecido institucional, com a tentação de se usarem vias alternativas para desalojar do poder quem dele vem se servindo contra os interesses da maioria das brasileiras e dos brasileiros.
A segunda opção não pode ser descartada se as instituições continuarem a ignorar a vontade política da Nação. E, desta vez, não será a mídia que logrará engambelar as massas para impedir sua marcha pela devolução da dignidade ao Brasil.

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