terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O Brasil cai na follia

Política

Editorial

O Brasil cai na follia

por Mino Carta — publicado 12/02/2018 00h04, última modificação 09/02/2018 17h27
A palavra em italiano é a origem da nossa de um “ele” só, e significa loucura
Goethe
Retratado no campo romano, Goethe mostrou influência do carnaval de lá sobre o de cá
Goethe muito me ensinou a respeito do carnaval em Roma na segunda metade do século XVIII. Várias páginas de sua Viagem à Itália são dedicadas à descrição do evento na então capital do Estado Pontifício, que ocupava um vasto território do centro da península da costa tirrênica à adriática. A leitura do extraordinário viajante alemão me permitiu perceber a influência que aquele carnaval exerceu sobre o nosso. A começar pela palavra follia, que em italiano significa loucura, desvario, delírio. À sombra de São Pedro caía-se na follia.
Quando cheguei em São Paulo, dava-se no auge carnavalesco um desfile de automóveis pela Avenida São João de calçadas apinhadas, prevista a troca de efusões entre os passageiros dos veículos e pedestres ao ritmo do batuque. A manifestação chamava-se corso, e outras havia Brasil afora. Repetia-se a tradição romana do desfile das carroças pela via del Corso, destas os foliões atiravam para o povo nas calçadas confetti, inicialmente confeitos de amêndoas cristalizadas, mais tarde substituídos por imitações de giz.
O Brasil é o país do carnaval e do futebol, os circenses que a casa-grande se permitiu conceder aos moradores da senzala e dos mocambos para celebrizar mundialmente o País. Houve transformações de marca nativa, os confeitos hoje são de papel, o corso ganhou a participação de carros elétricos, ergueram-se sambódromos. E a follia expandiu-se como a doença de um povo cada vez mais incapaz de perceber sua desgraça.
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Nesta incapacidade, nesta tendência irrevogável de entregar-se à folia por razões menores, muitas vezes tolas, existe um nítido traço de loucura. O chamado da festa, sempre atendido mesmo longe do carnaval, para a maioria dos brasileiros talvez se deva ao impulso de afogar a melancolia atávica na alegria forçada. É um palpite generoso. De todo modo, transparecem o nosso primitivismo, o nosso atraso, a ignorância geral, que não é somente a do povão, como dizem os abastados.
Vejo gente na rua armada de pandeiros, tamborins e reco-recos, a ensaiar desde já a festa e um longo feriado, e sei que não fôssemos brasileiros as razões da invasão do asfalto seriam outras, e nem um pouco alegres. O Brasil é o único país do mundo onde a máfia está no poder e solidamente instalada. A criminalidade organizada amiúde, e em vários lugares, funciona como um poder paralelo. No Brasil do estado de exceção, a máfia encarna o próprio com a certeza de não precipitar, em quaisquer situações, a ira popular.
A folia carnavalesca é apenas um momento da follia que se aprofunda progressivamente em uma quadra da nossa história nunca dantes navegada. Comenta uma amiga, sábia brasileira moradora de Paris: os foliões dançam com a corda no pescoço. De fato, bem ao contrário do que a mídia nativa propala, a crise econômica está longe de arrefecer, o desemprego fermenta, os efeitos das reformas impostas pelos golpistas acentuam o sofrimento da população, a liquidação do País em proveito do capital estrangeiro prospera.
E tem mais, muito mais. O favorito das próximas eleições está na iminência de ser preso, condenado ao sabor de indícios e convicções por tribunais da Inquisição, enquanto o presidente ilegítimo, Michel Temer, consegue livrar-se na Câmara de duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República, por corrupção, obstrução da Justiça e formação de quadrilha, ao ser flagrado em fatais diálogos gravados por Joesley Batista, da J&F.
Além de Temer, outros oito políticos foram denunciados pelo então procurador Rodrigo Janot no caso da gangue do PMDB: o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima, Rodrigo Loures, ex-deputado e “homem da mala” dos 500 mil reais, Eliseu Padilha e Wellington Moreira Franco, atuais chefes da Casa Civil e da Secretaria-Geral da Presidência.
Apenas nessa denúncia, a quadrilha é acusada de saquear diversas empresas estatais e órgãos públicos, como Petrobras, Furnas, Caixa Econômica, Ministério da Integração Nacional e Câmara dos Deputados. O esquema teria movimentado ao menos 587 milhões de reais em propinas.
As provas da rapinagem estão mais do que expostas. No bunker de Geddel, em Salvador, a Polícia Federal encontrou uma quantia equivalente a 51 milhões de reais, em moeda nacional e estrangeira. Identificado como “Angorá” na planilha da Odebrecht, Moreira Franco foi citado 34 vezes em uma única delação, a de Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da empresa. Operava em perfeita sintonia com Padilha, também conhecido como “Primo”, “Fodão” e “Bicuíra” na lista da empreiteira.
Líder do governo no Senado e ex-ministro do Planejamento de Temer, Romero Jucá, aquele do “grande acordo nacional”, tornou-se recordista de inquéritos autorizados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, com base nas delações de executivos da Odebrecht. São cinco no total. O peemedebista divide a liderança do rankingcom Aécio Neves, ex-presidente do PSDB e senador por Minas Gerais.
O chanceler tucano Aloysio Nunes Ferreira também passou a ser investigado por receber 500 mil reais em caixa 2 da empreiteira. O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), por sua vez, responde a dois inquéritos abertos a partir das delações da Odebrecht e pode ser alvo de outro, baseado em depoimentos de executivos da J&F. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Eunício Oliveira, são conhecidos na planilha da Odebrecht como “Botafogo” e “Índio”, respectivamente.
Com o aval decisivo da (in)Justiça brasileira, a partir da Suprema Corte que haveria de ser a guardiã da lei, e da mídia nativa, como de hábito abjeta propagandista da criminalidade organizada, “A Máfia no Poder” cabe como título de um teorema amplamente demonstrado. Assistimos à obra-prima da dinastia lusitana de Avis, origem do Estado patrimonialista, conforme mestre Raymundo Faoro ensina, ou seja, deste Brasil, a merecer as feições finalmente assumidas. 
Percebo ser enfático, e isto não me agrada. Espero pela compreensão dos nossos leitores, no papel e no site, muitos sócios fiéis de CartaCapital. E este núcleo resistente, a leitores como Antonio Mattar, Williams Costa Cantanhede, Fernando de Paulo, Airton Brisolla, Érica Avida e Sebastião Meurer, que nesta edição abrem a seção de cartas, nos dirigimos e com eles estaremos até o derradeiro alento.

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