Ana Fonseca, a quem devemos o Bolsa Família
A morte de Ana Fonseca privou o país de uma de suas intelectuais mais importantes e decisivas. Ela foi o principal cérebro por trás do Bolsa-Família, programa social cujos méritos gigantescos não é preciso louvar aqui. Se hoje milhões de brasileiros podem desfrutar de um dos mais bem sucedidos programas de bem-estar social de nossa época, imitado e copiado em dezenas de países, os louros políticos devem ser atribuídos a Lula. O principal mérito intelectual de um trabalho que ajudou a tirar o país do mapa da fome da ONU é de Ana Fonseca, cearense de Fortaleza, com uma vida acadêmica forjada na Unicamp, falecida neste domingo.
Nos primeiros meses do governo Lula, Ana Fonseca enfrentou e venceu uma disputa interna em torno de duas visões distintas para se construir a melhor proposta para dar conta do grande compromisso de campanha, que era reduzir a miséria e a pobreza do país.
Uma dessas propostas consistia na unificação dos programas de distribuição de renda já existentes, em várias prefeituras do país, inclusive o Renda Mínima da prefeitura de Marta Súblicy, em São Paulo. A ideia aqui era era criar um programa social do Estado, com o engajamento de prefeituras para a distribuição de seus benefícios, com regularidade e pontualidade, através de um pagamento mensal garantido em quantias pre-estabelecidas, a partir de critérios cientificamente rigorosos e socialmente justos.
A outra ideia excluía a administração pública. Baseava-se nos movimentos sociais e pretendia, a partir de assembléias populares em cada cidade, construir um sistema paralelo pelo qual a própria população carente seria responsável pela coleta e partilha de recursos. A noção, aqui, é que envolver a administração pública no processo iria trazer o empreguismo, a corrupção, a troca de favores e todos os demais desvios apontados no cotidiano do Estado brasileiro.
A primeira alternativa, que teve em Ana Fonseca sua maior expressão, foi afinal vitoriosa, por escolha de Lula, decisão que produziu uma importante cisão do início do governo entre o Planalto e sua ala ligada a fatia a esquerda da Igreja Católica.
Recebido com uma campanha de denúncias da TV Globo, que assumiu o mote que ligava o programa à troca de favores e a corrupção antes mesmo de explicar do que se tratava, o Bolsa Família trouxe uma mudança profunda e duradoura, que ressaltava o papel prioritário que o só o Estado pode assumir na luta contra a miséria econômica e a exclusão social.
Enquanto adversários sempre utilizaram o preconceito mais arraigado para manter a pobreza intacta, que consiste em responsabilizar os mais pobres pela própria pobreza, Ana Fonseca nos ajudou a encarar nossa realidade como ela é, contribuindo para nos fazer um país de cidadãos mais livres e conscientes de nossas origens e dificuldades.
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