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Em plena ditadura militar, MNU iniciou a luta por direitos dos negros
por Ana Carolina Pinheiro — publicado 07/07/2018 00h30, última modificação 06/07/2018 12h39
Há 40 anos, um ato de repúdio contra a discriminação de quatro jovens negros em São Paulo marcou a criação do Movimento Negro Unificado
Reprodução
Bebendo da fonte pioneira do MNU, os coletivos negros vêm aglomerando e organizando cada vez mais os afrodescendentes brasileiros
Nos degraus da escada do Theatro Municipal em São Paulo, no dia 7 de julho de 1978, o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU) começava a construir uma nova fase para a militância negra no Brasil.
O ato aconteceu após quatro jovens negros serem discriminados no Clube de Regatas Tietê. No dia 18 de junho daquele ano, o Movimento foi fundado, mas o lançamento para o público aconteceu no dia 7 de julho, considerada a data oficial de criação do MNU.
“Quando criamos o MNU foi em plena ditadura militar de um país racista e fascista que não aceitava a organização da população pobre e oprimida”, comenta Milton Barbosa, cofundador do MNU. A partir dos anos 60, com os militares comandando a política brasileira, as manifestações de cunho racial eram expressamente proibidas. Na época, a parcela da população que combatia a discriminação era vista como inimiga da pátria e facilmente influenciada pelos ativistas norte-americanos que lutavam pelos direitos civis.
Sobre a estrutura do Movimento, Milton explica que a troca entre grupos distintos politicamente, mas com interesses parecidos, era necessária. “Articulamos com setores burgueses, como imprensa nacional e internacional, que naquele momento tinham interesse em derrotar a ditadura, e setores da esquerda no Brasil e em outras partes do mundo”, aponta.
A forma de organização da comunidade negra naquela época já era plural. Entidades culturais como escolas de samba, grupos de capoeira, casas de religiões de matriz africana, Candomblé e Umbanda, e grupos musicais eram algumas das maneiras populares de preservar a cultura africana no Brasil.
Entretanto, pela primeira vez na história dos movimentos raciais no país, uma instituição articulou essas organizações populares com discursos políticos. “Nós desenvolvemos formas de unir as ações políticas dos grupos de esquerda com estas práticas culturais, além disso o MNU também propôs o enfrentamento político sistemático do racismo e das formas de discriminação correlatas”, considera Milton.
Com 20 anos destinados aos movimentos sociais, Regina Lúcia dos Santos encontrou no MNU um espaço de identificação e estrutura para lutar contra o racismo. Na época, ela relata que a família não compreendia o seu objetivo de luta social. “Não houve resistência por eu ser mulher, até porque já vinha numa trajetória de militância política.
Entretanto, houve uma incompreensão em relação à militância política, pois para minha família, que pode ser considerada de classe média, era difícil compreender a luta pelo coletivo”, revela.
Do início da trajetória do MNU às demandas raciais contemporâneas, a desconstrução do mito da democracia racial continua sendo um dos principais pontos de cobranças realizados pelos movimentos. “Hoje temos vários institutos de pesquisa mostrando dados que comprovam as denúncias que o MNU fazia há 40 anos sobre a violência policial, o genocídio do povo negro, o desemprego, o aviltamento do salário da população negra, a exploração da mulher negra”, argumenta Regina Lúcia.
Sobre os avanços nesse período, a militante elenca os seguintes pontos: “a visibilidade da questão racial e do racismo existente no Brasil melhorou em relação há décadas atrás. Outro ponto importante foi a criação da lei 10639/03 que torna obrigatório o ensino da história da África e da Diáspora brasileira nas redes públicas e privadas de educação”, comenta. A medida é uma forma de garantir a disseminação da contribuição dos negros sobre o processo civilizatório da humanidade e do Brasil.
Para Regina, a fórmula para o Movimento perdurar por tanto tempo no ativismo é a persistência da população aliada à seriedade da causa. “Eu credito à existência do MNU nesses 40 anos a resistência do povo negro brasileiro e a legitimidade da pauta de combate ao racismo colocada pelo MNU”, afirma.
Inspiração para o ativismo negro atual
Bebendo da fonte militante e pioneira do Movimento Negro Unificado, os coletivos negros vêm aglomerando e organizando cada vez mais os afrodescendentes brasileiros em diversos espaços de convivência.
“O MNU desenvolveu formações políticas, culturais e educacionais que incentivaram o nascimento de novas organizações a exemplo de grupos teatrais, hip hop, escolas de samba, instituições de ensino, entre outras”, exemplifica Milton Barbosa. “Essas ações criaram condições do aparecimento de amplos setores antirracistas no seio da sociedade brasileira”.
Para Barbara Vicente, integrante do coletivo negro estudantil NegraSô, da PUC-SP, o legado do MNU é um exemplo de auto-organização entre os afrodescendentes. “Ainda que sujeitos de uma história de opressão, olhar para tantos movimentos e lutas e poder comemorar 40 anos de existência de MNU, nos mostra como agentes da nossa história, não há só resignação”, comenta.
Assim como os quatro jovens negros que foram discriminados no clube majoritariamente branco, em 1975, os negros que conseguem ocupar o espaço universitário atualmente também sofrem a exclusão étnica. “Manter em nossa memória a luta do MNU é saber que não estamos sozinhos, a caminhada em uma sociedade racista é difícil, mas nós podemos estar entre nós e nos articulares politicamente. Nós, negros, estivemos e estamos em movimento", afirma Barbara.
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