Diplomacia
A fria relação entre o Brasil e o Vaticano
por Frederico Rocha Ferreira* — publicado 12/08/2018 01h00, última modificação 08/08/2018 13h58
Desde o impeachment de Dilma Rousseff, o papa Francisco faz questão de manter distância do País
Governo do Chile

O papa evita o Brasil desde o impeachment
O impedimento da visita de Juan Grabois, consultor e “amigo do papa”, ao ex-presidente Lula é resultado de uma relação estremecida entre o governo brasileiro e o pontífice desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Em 2013, o papa Francisco ficou uma semana no Brasil. Reuniu milhões de fiéis no Rio de Janeiro e em Aparecida, interior de São Paulo, durante a Jornada Mundial da Juventude.
Naquela oportunidade, fez discursos duros contra a desigualdade social e pediu a máxima atenção aos pobres. Quando partiu, se despediu com um até breve, manifestando desejo de voltar para dirigir as comemorações dos 300 anos da padroeira do Brasil, em Aparecida.
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A derrubada de Dilma o fez mudar de planos. Francisco não escondeu a mágoa com o golpe de 2016 no Brasil. Em pleno processo de impeachment, escreveu uma carta de apoio à presidente, revelada por Leonardo Boff, teólogo próximo ao papa, posteriormente confirmada pela própria Dilma.
Em abril de 2017, ano da comemoração dos 300 anos da padroeira, havia a expectativa da vinda do papa. O próprio Michel Temer escreveu a Francisco, mas o Papa recusou o convite para vir ao Brasil.
Para Boff, a recusa está em conformidade com sua opção pelos pobres, ou seja, com a agenda do ex-presidente Lula. Ao mesmo tempo em que o papa se recusava vir ao Brasil, desembarcava por aqui seu consultor e amigo Jean Grabois para se encontrar com o ex-presidente e entregar em mãos um presente, a cópia da encíclica "Laudato Si", na qual Francisco faz duras críticas ao consumismo e ao desenvolvimento irresponsável, além de um apelo à mudança e à unificação global das ações para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas.
Na ocasião, Lula pediu a Grabois que transmitisse a Francisco o seu otimista pelos encontros do pontífice com os movimentos populares.
A relação de Grabois com o papa é antiga. Fundador do Movimento dos Trabalhadores Excluídos da Argentina, o consultor é filho do líder peronista Roberto “Pajarito” Grabois e hoje dirige a Confederação de Trabalhadores da Economia Popular em seu país.
Sua proximidade com o papa vem dos tempos em que Bergoglio era arcebispo de Buenos Aires e estava à frente da Conferência Episcopal Argentina, ambos unidos por uma Argentina mais justa.
Em junho de 2016, Francisco nomeou Grabois consultor pontifício do Conselho de Justiça e Paz, órgão absorvido pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, mas é sempre o argentino quem está à frente dos movimentos populares em nome do pontífice, cobrindo uma rede de centenas de formações sociais anticapitalistas, principalmente na América Latina.
Grabois é tão próximo a Bergoglio que na Argentina, quando ele tece críticas ao governo Macri ou quando está no palco de um movimento popular, como na greve geral articulada pelo secretário-geral da União dos Caminhoneiros, Hugo Moyano, todos entendem que suas palavras e ações refletem, na verdade, o pensamento político do papa, posicionamento que Francisco não esconde.
Do alto de sua autoridade, está sempre dando voz aos oprimidos, para além da esfera religiosa e repercutindo situações políticas, como recentemente o fez na reunião do Conselho Episcopal Latino-americano, onde o chefe da Igreja Católica advertiu para o andamento de um "golpe de Estado suave” em alguns países da América Latina, numa referência clara aos acontecimentos no Brasil.
Portanto, não é segredo que na América Latina a voz oficial e oficiosa do papa é Grabois. A proibição de sua visita ao ex-presidente Lula, preso em Curitiba, foi uma retaliação do governo brasileiro pela proximidade do pontífice aos movimentos populares e por sua atuação contra o capitalismo.
* Sócio desde 2017
Fonte: Carta Capital
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