Youssef & Moro: 14 anos de acordos destacados por Lula
Youssef & Moro: 14 anos de acordos destacados por Lula
Marcelo Auler
No que pese o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter errado ao classificar como amigos o futuro ex-juiz Sérgio Moro e o doleiro Alberto Youssef – de fato, nada existe que possa caracterizar uma relação de amizade entre os dois – na realidade, ele não se equivocou ao apontar que o então magistrado acabou beneficiando o doleiro reincidente. Da mesma forma que o doleiro também fez suas “gentilezas” ao juiz e à chamada República de Curitiba, responsável pela Operação Lava Jato naquela cidade.
Moro e Youssef se cruzaram pela primeira vez quando das investigações das remessas de dólares ao exterior por meio das chamadas contas CC5, operadas pela agência do Banestado, em Foz do Iguaçu. Embora ainda fosse considerado pequeno, o doleiro de Londrina já tinha contas a ajustar com a Justiça.
Foi esperto, negociou a delação premiada, entregou seus principais concorrentes no mercado paralelo do câmbio, escondeu o que não interessava falar e ainda parte do dinheiro que deveria ter entregue pois se tratava de fruto das ilegalidades pelas quais estava sendo processado. Ficou livre, com capital necessário para alavancar seus negócios, com menos concorrência e ainda mantendo amizade com políticos da sua região. Políticos poupados nas suas denúncias. Só não convenceu ao delegado de Polícia Federal de Londrina, Gerson Machado.
Tudo isso, narramos no verbete Polícia Federal, da Enciclopédia do Golpe, Volume I, (Editora Praxis, 288 páginas), editada por iniciativa do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora – DECLATRA e reprisamos aqui no Blog em Enciclopédia do Golpe: PF e o viés político na Lava Jato. Nestes textos mostramos como ficou caracterizado que Moro, apesar de alertado pelo delegado Machado de que Youssef não atendera às exigências do acordo de delação premiada, nenhuma providência tomou.
Juíza irritou-se com Lula – Em consequência, o doleiro continuou agindo na ilegalidade, cresceu no mercado paralelo do câmbio, mudou-se de Londrina para São Paulo e atuou ativamente nos casos de corrupção da Petrobras.
Estava ainda sob tutela judicial, dentro do acordo feito na então 2ªVara Federal de Curitiba, posteriormente denominada 13ª Vara Federal Criminal. Logo, o ex-presidente Lula não deixa de ter razão no que “constatou” – usando aqui sua expressão lá – no interrogatório à juíza Gabriel Hardt, quarta-feira (14/11). Rememorando o diálogo no qual a juíza mostrou-se nitidamente contrariada:
Lula – Eu não sei por que cargas d’água, no caso Petrobras, houve essa questão de jogar suspeita sobre indicações de pessoas. É triste, mas é assim. Possivelmente, por conta de que o delator principal é o [Alberto] Youssef, que era amigo do Moro desde o caso do Banestado (Banco do Estado do Paraná). É isso, lamentavelmente é isso…Juíza – Doutor, por favor. Ele não vai fazer acusações ao meu colega aqui.Lula – Eu não estou acusando, estou constatando um fato, doutora.Juíza – Não é um fato, porque o Moro não é amigo do Youssef e nunca foi.Lula – Mas manteve ele [Youssef] sob vigilância 8 anos.Juíza – Ele não ficou sob vigilância 8 anos, e é melhor o senhor parar com isso.
O doleiro, como afirmamos anteriormente, ao crescer e firmar-se em Londrina – inicialmente como “sacoleiro” trazendo produtos do Paraguai sem o recolhimento de impostos, depois como cambista – criou um ciclo de relacionamento com políticos como o falecido José Mohamed Janene, deputado do PP-PR, envolvido no Mensalão; André Vargas, ex-deputado petista, atualmente preso pela Lava Jato; e, também, o senador Álvaro Dias, cuja carreira política iniciou-se naquela cidade. Este, inclusive, contou com a ajuda de Youssef na campanha a senador, em 1998.
Ao fazer sua primeira delação a Moro no bojo do processo da CC5, em 2004, Youssef jamais mencionou os pagamentos de campanha feitos para Dias. Também se calou sobre o assunto em 2014, ao ser preso já no contexto da Operação Lava Jato. Tanto que, como noticiamos na reportagem citada, ele tão logo chegou à carceragem da Polícia Federal em Curitiba recebeu uma estranha visita. Na postagem informamos:
“A preocupação de que o nome do senador – na época, 2014, no PSDB – surgisse no bojo da Lava Jato com a prisão do doleiro preocupou muita gente. Em Curitiba, não só na Polícia Federal, é corrente a história de uma visita que Youssef recebeu já na carceragem da Superintendência do DPF, dias depois de ali chegar.
Nela, segundo contam, cobraram garantias de que ele não falaria do senador. A estranha e irregular visita gerou uma sindicância interna na Polícia. Nela foi dada outra justificativa para a presença do visitante na carceragem, uma área reservada. O assunto acabou esquecido e arquivado. Tal e qual outras estranhas ocorrências na custódia da SR/DPF/PR”.
Lula tinha razão – Estes pagamentos da campanha de Dias em 1998 só vieram a ser admitidos pelo doleiro um ano depois de estar preso pela Lava Jato, ao depor na CPI da Petrobras (25/08/15). Na ocasião, narrou:
“Na época eu fiz a campanha do senador Álvaro Dias (…) parte destas horas voadas foram pagas pelo Paolicchi, que foi secretário de Fazenda da Prefeitura de Maringá. E parte foi doação mesmo que eu fiz das horas voadas”.
Curiosamente, mesmo alertado pelo delegado Machado – assim como também o foi o procurador da República Deltan Dallagnol – sobre o “esquecimento” do doleiro, na sua delação de 2004, tanto da ajuda ao então senador, como ainda dos quase 20 milhões (provavelmente de dólares) não devolvidos que serviram para impulsionar seu retorno ao “mercado”, Youssef continuou beneficiando-se dos termos do acordo que, no entendimento do delegado, não fora cumprido.
Isso mostra que o ex-presidente Lula tinha razão quando alertou, inicialmente em maio de 2017, em depoimento ao próprio juiz Moro (cujo diálogo está transcrito na ilustração que abre esta reportagem) e, na quarta-feira (14/11), ao ser interrogado pela juíza Gabriela. Como disse, o doleiro estava – ou deveria estar – sob a vigilância do juizado da 13ª Vara Federal (antes, 2ª Vara) de Curitiba. Afinal, a liberdade resultara de um acordo judicial que a qualquer momento poderia ser suspenso.
Em março de 2014, quando da prisão de Youssef na Operação Lava Jato, como também noticiamos no texto para a Enciclopédia do Golpe, ainda que de forma velada, o interesse da Força Tarefa de Curitiba já era de atingir o PT e seus aliados.
Silêncio sobre o grampo criminoso – Isto pode explicar os motivos de políticos de outros partidos, como Dias, terem sido poupados. Inclusive por Youssef, que mais uma vez foi beneficiado por Moro, em nova delação premiada, mesmo tendo desrespeitado as regras da delação de 2004. A simples reincidência no crime deveria impossibilitar nova delação. Mas o interesse maior era chegar nos políticos do PT, como o transcorrer do tempo demonstrou.
O novo benefício pode estar também relacionado ao fato de o doleiro e seu advogado, Antônio Augusto Lopes Figueiredo Basto, terem poupado a Força Tarefa de questões nebulosas e, até mesmo, criminosas. A começar pelo conhecido – e jamais explorado por nenhuma das partes envolvidas na Lava Jato – grampo ilegal que o doleiro encontrou na cela onde foi alojado na carceragem da Polícia Federal. A ele seguiu-se o crime de uma sindicância falsa, na qual se tentava negar o funcionamento da escuta.
Apesar de todas as promessas de Figueiredo Basto de que, se comprovado, o assunto seria denunciado – como reportamos, em agosto de 2015, em Lava Jato revolve lamaçal na PF-PR -, o assunto jamais foi cobrado pela defesa do acusado. Mesmo depois de ter ficado comprovado que o grampo existiu e captou áudios dentro da cela – Surgem os áudios da cela do Youssef: são mais de 100 horas. O silêncio sobre o caso pode sim estar relacionado também com a nova delação da qual o doleiro se beneficiou.
Convém lembrar que no início da Lava Jato, isto é, em 2014, o próprio Moro, ao revalidar a condenação que dera dez anos antes, em 2004, e suspendera por conta da delação premiada de então, definiu Youssef como um “delinquente profissional […] Teve sua grande oportunidade para abandonar o mundo do crime, mas a desperdiçou”.
A condenação anterior, suspensa pelo acordo, voltou a valer e um processo que estava paralisado foi reaberto. No texto que apresentamos na Enciclopédia explicamos:
“Em 2003, ao ser pego nas investigações em torno da remessa ilegal de dinheiro para o exterior via o expediente CC5 através do Banestado, o doleiro era considerado um iniciante. Mesmo assim, segundo relatos do próprio Moro no processo paralisado em 2004 e reaberto em 2014, em pelo menos três de suas contas bancárias no exterior passaram valores expressivos: R$ 172.964.954,00 (conta da empresa Proserv Assessoria Empresarial S/C Ltda.); 163.006.274,03 dólares (Ranby International Corp.) e 668.592.605,05 dólares (June International Corp.).
Neste processo reaberto o réu pegou quatro anos e quatro meses de reclusão, em sentença assinada em setembro de 2014. A condenação, na verdade, pode ser vista como parte de uma estratégia.
Se chegasse a responder judicialmente por todos os crimes dos quais o acusavam, calculava-se que as penas superariam 122 anos. Tal informação servia para lhe pressionar a uma nova colaboração. A sentença ajudava nesta pressão pela delação. Por meses, relutou fazê-la. Depois, cedeu.
Delegado alertou – Na verdade, Youssef e sua defesa jogaram sempre com a “delação premiada” como forma de beneficiar o doleiro. Em 2004, na ação do Banestado, sua pena foi de sete anos de prisão em regime semiaberto, por crimes contra a ordem tributária, evasão de divisas e formação de quadrilha. Com a delação, cumpriu um ano em regime fechado e ganhou a liberdade. Livre, voltou ao crime.
Caso o juiz e o procurador, ao serem alertados pelo delegado Machado sobre o descumprimento das regras da delação pelo doleiro, tivessem tomado providencias, certamente não se impediria o escândalo da Petrobras surgido dez anos depois, mas nele, provavelmente Youssef não teria o papel importante que teve.
Mais ainda, a Lava Jato poderia ter sido deflagrada antes se o trabalho de Machado tivesse continuidade. Ele, por ter alertado sobre Youssef, bem como por conta da investigação feita sobre Janene, ainda que oficialmente mirasse no assessor do deputado, acabou perseguido e injustiçado. Viveu momentos de estresse, teve que tirar licença médica o que foi aproveitado pela administração para aposentá-lo muito cedo.
Partiu dele, porém, o início, em 2006/2007, das investigações que se tornaram, sete anos depois, na Ação Penal da Operação Lava Jato.Respaldou-se, então em informações do processo do Mensalão, acrescidas de denúncias do empresário Hermes Freitas Magnus. A Lava Jato, oficialmente surgiu dos inquéritos que instaurou – IPLs 790/07 e 714/09 – na Delegacia de Polícia Federal de Londrina, Paraná.
Mesmo sendo investigações em delegacia do interior do Estado, o ajuizamento dos inquéritos ocorreu na então 2ª Vara Federal de Curitiba por tratarem de lavagem de dinheiro, na qual a Vara – depois transformada em 13ª Vara Federal Criminal – ficou especializada, tendo Moro à frente na maior parte do tempo
Oficialmente a investigação girava em torno da movimentação financeira de um assessor de Janene – Meheidin Hussein Jenani. Mas atingia também a mulher do deputado – Stael Fernanda Rodrigues Janene -, que a polícia, os auditores da Receita Federal e o Ministério Público Federal relacionavam com as verbas distribuídas por Marcos Valério, o criador do Mensalão do PSDB, em Minas, depois envolvido no chamado Mensalão do PT.
A investigação de Machado gerou um debate jurídico em torno da competência do Foro de Curitiba na Lava Jato. Advogados de defesa consideram que Moro usurpou o poder do Supremo Tribunal, uma vez que, ainda que sem admiti-lo, no fundo investigava Janene, à época, deputado, portanto, com direito a foro especial. Na Enciclopédia informamos:
“No inquérito que se transformou na Ação Penal nº 5047229-77.2014.404.7000, na qual os doleiros como Youssef e Carlos Habib Chater foram condenados, surgiu a informação de que parte do capital que Janene usou para se tornar sócio de Magnus, na Dunel Indústria e Comércio Ltda., provinha de uma conta da Brasília Torre Comércio de Alimento Ltda.
A Brasília Torre era uma das empresas de propriedade do doleiro Chater. O mesmo dono do Posto da Torre, onde além de combustível, operava com câmbio. Ali também funciona uma lavanderia de roupas que justificou o nome da Operação Lava Jato.
Era o fio da meada que, anos depois, desfiaria o novelo que levou às ações da Força Tarefa de Curitiba (…)”
Investigação ficou parada – Os Inquéritos, em determinado momento, foram todos transferidos para a Superintendência do DPF em Curitiba sob a justificativa de que lá haveria mais condições de levá-los adiante. Na realidade, ficaram um bom tempo parados, até serem retomados quando o juiz Moro retornou do período em que assessorou a ministra Rosa Weber, no Supremo Tribunal Federal, em 2012.
Foi quando se deu o reencontro entre Moro e Youssef que, depois de relutar em fazer nova delação premiada, acabou recorrendo à mesma no final de 2014. Foi em plena campanha eleitoral em que Dilma Rousseff concorria à reeleição. Momento em que seu primeiro depoimento, que deveria ser mantido em sigilo, vazou. Foi capa da revista Veja, dias antes do segundo turno, alardeando que tanto a presidente como o ex-presidente Lula sabiam tudo sobre a corrupção na Petrobras. Afirmação jamais confirmada ao longo dos anos. A vitória de Dilma mostrou que a notícia não atingiu o objetivo desejado.
Em consequência desses entendimentos todos que levaram a uma nova delação, Youssef ganhou privilégios na custódia da Polícia Federal, como admitiu seu advogado ao Blog em julho/agosto de 2015:
Ele (o cliente) está na praia, enquanto os demais estão no mar se debatendo com os tubarões”. Entre outras regalias, teve direito a geladeira e até TV na cela, ao contrário dos demais. Preso em 19 de março de 2014, ele ganhou o direito à prisão domiciliar, por quatro meses, em 17 de novembro de 2016. Ou seja, há um ano está fora da cadeia e há oito meses mais livre. Até quando?
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