Mateus, Drummond e o leiteiro que morreu
Mateus Batista Rodrigues, de Goiânia, subiu ao telhado com a agilidade de seus 22 anos, para instalar um aparelho de ar condicionado, destes de “unidade externa”, na casa de uma senhora, que, caprichosa, na certa não queria o monstrengo na fachada.
Como o moço de Drummond, que era leiteiro, acordava bem cedinho para distribuir leite bom para gente ruim, Mateus levava ar fresco para gente de cabeça quente, como há tanta neste país.
Tinha um ano apenas a mais que o leiteiro do poeta, moço morador na Rua Namur, empregado no entreposto, com 21 anos de idade, e decerto não sabia bem quanto bem faria, pondo talvez amores onde antes haveria suores e maus humores.
Também não sabia, como o leiteiro, que havia um vizinho assustado, daqueles que, diz o mestre, logo faz saltar da gaveta para a mão o revólver, porque ladrão se pega com tiro.
Ainda mais, porque era guarda, e guarda sempre ele tinha razão.
E Mateus, do mesmo jeito, estatelou-se no chão. Em lugar do leite e sangue com que Drummond fez a cor da aurora, talvez os canos de cobre que emendava tenham cintilado como o sol que seus olhos viram sumir, devagar, num reverso de amanhecer.
Deu mais sorte o goiano que o mineiro, está brigando num hospital para, de pulmão perfurado, respirar por sua, quem sabe, longa vida, porque a dona do telhado impediu o segundo tiro.
O vizinho assustadiço, no poema de Drummond, foge pra rua: “Meu Deus, matei um inocente./Bala que mata gatuno/também serve pra furtar/a vida de nosso irmão.”
Este outro vizinho também fugiu, mas talvez sem doer-lhe sequer a consciência: “Quem manda andar lá por cima/onde só os gatos vão/Menino apanhando pipa/é aprendiz de ladrão.”
E acabou a poesia, porque o seu juiz mandou: susto, medo, emoção ou surpresa perdoam o furo em Mateus, que não mais galgará telhados para trazer o ar fresco, tão bom quanto o leite fresquinho do leiteiro.
A história, real, você lê aqui. E o poema de Drummond, aqui.
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