quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Da Agência Pública

      
Inimigos caídos sob os pés do Senhor 
por Andrea DiP
                                                            
Como chegamos até aqui? Dizem que para saber se estamos sonhando, devemos fazer essa pergunta. Se conseguirmos lembrar e entender os passos que demos até onde estamos é porque estamos acordados. Muitos jornalistas, defensores de direitos humanos, artistas, ativistas, professores, filósofos, integrantes de movimentos sociais e pessoas que ainda acreditam na democracia e no Estado laico têm feito essa pergunta neste momento de obscurantismo tamanho para a história do país. Como chegamos até aqui?

Na última semana, publicamos três grandes reportagens sobre a chegada à América Latina de um grupo de pastores evangélicos ligados ao presidente Trump, o Capitol Ministries. As matérias fazem parte do especial Transnacionais da Fé – uma investigação realizada por jornalistas de 16 países da América Latina coordenados pela Columbia Journalism Investigations da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia.

O Capitol Ministries, que realiza estudos bíblicos semanais na Casa Branca e no Capitólio americano com a intenção de legitimar políticas de ultradireita, tem objetivos nada modestos como o de evangelizar a política  e “dominar o mundo”. Também tem interesses bem terrenos e palpáveis, por assim dizer, como os que envolvem Sheldon Adelson, o milionário dos cassinos que convenceu Trump a mudar a embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém e que agora tem tentado ampliar seus negócios no Brasil.

“A gente tem um slogan que é ‘first the firsts’, ou seja, primeiro os primeiros. Através dessas pessoas com relevância a gente pode mudar o destino da nossa nação”, me disse em entrevista o pastor da Igreja Batista Vida Nova, Raul José Ferreira Jr., que será o responsável por conduzir os estudos bíblicos no Senado, na Câmara e, “se Deus permitir”, com o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros. O plano é alcançar um por um, converter, conquistar. Lembrei-me de um hino, cantado a plenos pulmões, que ouvi em uma igreja evangélica: “Persegui os inimigos e os alcancei! Os consumi, os atravessei! Sob os pés do Senhor caíram, não mais se levantaram!”. Outro hino dizia que “homem de guerra é Jeová” – assim como afirma Ralph Drollinger, criador do Capitol Ministries, em um texto: “Esse estudo não é sobre se Deus aceita ou não uma guerra. Ele aceita”.

Essa postura, muito observada nos pastores midiáticos e em alguns integrantes da bancada evangélica no Brasil, tem em sua fundação a chamada “Teologia do Domínio”, mas isso é assunto pra outra prosa.

Durante essa investigação, que realizei junto com minhas colegas de Pública Natalia Viana e Alice Maciel, enquanto ouvia os pastores falarem com naturalidade sobre seus planos ambiciosos, eu fazia aquele exercício mental: Como chegamos até aqui? Lembrei da primeira vez que assisti um culto na Câmara dos Deputados em 2015, com o jogador de futebol pastor falando sobre Jezabel, a rainha terrível que perseguia os servos de Deus, e da cantora gospel famosa de mãos dadas com um Eduardo Cunha evangélico fervoroso empunhando sua Bíblia. Eu estava em Brasília fazendo entrevistas para a reportagem “Os Pastores do Congresso”, escolhida e financiada pelos leitores da Pública. Ali eu entendi que algo muito grande e perverso estava se desenhando, unindo política e religião.

Desde então, passei a acompanhar a execução acelerada desse projeto de poder em investigações jornalísticas que me levaram ao meu primeiro livro-reportagem, “Em nome de quem? A Bancada evangélica e seu projeto de poder” (editora Civilização Brasileira).  Continuamos acompanhando o crescimento da bancada evangélica - em número de parlamentares e em força política - com decisivo impacto na história e sociedade brasileira. Assistimos à convergência inédita entre igrejas de diversas denominações para eleger um candidato à presidência; à aproximação cada vez maior entre a igreja e o Estado; ao avanço de uma extrema-direita religiosa que ataca e censura os direitos das mulheres, da população LGBT, dos indígenas, dos negros, dos pobres, dos que lutam por terra, por casa, por comida e desarticula as políticas públicas construídas desde a redemocratização.

A chegada dos evangélicos de Trump ao Brasil vem na esteira de tudo isso. Não, nós não estamos sonhando. Houve uma articulação, um caminho que vem se desenhando das margens para os centros de poder. E fazer jornalismo, atento e investigativo, é essencial para jogar luz nessa estrada, registrar essa história,  para recuperar e mapear os passos quando for preciso.
Andrea DiP é repórter especial e editora na Agência Pública.
Rolou na Pública
Amazônia. A semana começou com o céu de São Paulo escurecendo repentinamente na tarde de segunda-feira. Mais tarde, soube-se que o motivo era a fumaça vinda de queimadas da Amazônia. A Pública tem coberto os conflitos na região no especialAmazônia Sem Lei. Na reportagem publicada nesta segunda, contamos a história de dona Valdiva e outros pequenos agricultores em Confresa (MT), expulsos de suas terras pela deriva de agrotóxicos aplicados por pulverização aérea pelas grandes fazendas de soja que se expandem em seu entorno. A reportagem saiu na edição impressa da Carta Capital.
Na sexta-feira, revelamos que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não gastou os recursos reservados neste ano para a Casa da Mulher Brasileira, programa de atendimento a mulheres vítimas de violência. A reportagem teve mais de 20 republicações em sites como Exame, Catraca Livre e El País Brasil.
Na semana passada, o MP gaúcho pediu a suspensão do agrotóxico fipronil do Cadastro Estadual de Registro de Agrotóxico. O ofício partiu de um inquérito civil instaurado para apurar o extermínio de abelhas no Rio Grande do Sul. Em março, um levantamento da Pública em parceria com a Repórter Brasil mostrou que apenas nos três meses anteriores 400 milhões de abelhas foram encontradas mortas no estado, em grande parte por culpa de agrotóxicos.
Novas dos Aliados
 
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