sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

5 ações que as ONGs fizeram pelo meio ambiente (e o governo não fez)

5 ações que as ONGs fizeram pelo meio ambiente (e o governo não fez)

Militantes da ONG ambiental Greenpeace protestam pelo combate ao óleo vazado no Nordeste em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília (Foto: Adriano Machado/Greenpeace)
MILITANTES DA ONG AMBIENTAL GREENPEACE PROTESTAM PELO COMBATE AO ÓLEO VAZADO NO NORDESTE EM FRENTE AO PALÁCIO DO PLANALTO, EM BRASÍLIA (FOTO: ADRIANO MACHADO/GREENPEACE)

Alvo favorito do grupo ‘ambientalista’ do governo, organizações da sociedade civil atuaram pela natureza. Veja as ações

As organizações da sociedade civil, sejam elas ONGs (organizações não-governamentais), entidades voluntárias ou conselhos, viram ascender em 2019 um discurso forte contra a atuação organizada em relação ao meio ambiente. No estopim da crise da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro chegou a associar as ONGs com as queimadas recordes na floresta, declaração que chocou ambientalistas dentro e fora do Brasil.
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No entanto, o ano não foi marcado (apenas) por ataques – havia muito a ser feito. Ao contrário do que sugerem os altos escalões do governo, ONGs e demais coletividades foram responsáveis por atuações coordenadas de combate ao fogo na floresta, retirada do óleo das praias do Nordeste e pioneirismos em proteção do bioma mais devastado atualmente.
CartaCapital separou algumas ações que entidades ambientalistas fizeram pelo Brasil em 2019 para, quem sabe, inspirar governantes em 2020.

1. “Ambientalismo de resultado” em Bailinque (AP)

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é um crítico da ampliação da demarcação de terras indígenas e afirma, quando pode, que defende o chamado “ambientalismo de resultado” – uma tentativa de aplicar sustentabilidade ambiental e de possibilidades para os moradores das regiões amazônicas.
Enquanto o discurso de Salles ainda está limitado a encontros com governadores, a organização Greenpeace, em parceria com o Instituto IDEAAS, a Associação da Comunidades Tradicionais do Bailique (ACTB) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), instalou painéis fotovoltaicos para alimentar freezers na ilha de Bailinque, no Amapá, onde peixes e polpas de açaí servem como base da economia local.
Bailinque é um arquipélago formado por oito ilhas na foz do Rio Amazonas. Para chegar até a região, leva-se de 12 a 14 horas de barco de Macapá, capital do estado. A inconstância da energia elétrica na região fazia com que moradores tivessem que depender de um gerador a diesel, que funcionava apenas 4h por dia devido ao alto custo de manter o equipamento, relata o Greenpeace.
VOLUNTÁRIOS E MORADORES INSTALAM PAINÉIS DE ENERGIA SOLAR EM REGIÃO DO ARQUIPÉLAGO DE BAILINQUE, NO AMAPÁ (FOTO: REPRODUÇÃO/GREENPEACE)
O fato de o gerador funcionar a partir da queima de um combustível fóssil em uma das regiões mais próximas do Trópico no País, além de ineficiente, não era sustentável.  Além dos painéis, foi instalado um sistema de captação de água da chuva em três comunidades, e as entidades responsáveis puderam ministrar três dias de curso sobre como operar a tecnologia.
“O gelo dentro da comunidade muda bastante nossa vida, porque a gente precisa dele. Antes, a gente tinha que ir buscar em outra comunidade, gastar tempo e o dinheiro com a gasolina do barco. Esse tempo já era suficiente pra perder as comidas que estragavam em casa”, disse Suzana Barbosa Sarges, moradora da vila do Arraiol, ao Greenpeace.

2. Salvando o Nordeste – e as Forças Armadas – do óleo

Embora a concorrência por maior tragédia ambiental tenha se acirrado nos últimos anos no Brasil – os rejeitos da lama de Mariana e Brumadinho (MG) persistirão na natureza e na memória por gerações -, o vazamento de um óleo cru, bruto e insistente no Nordeste brasileiro é o acidente ambiental com maior extensão territorial da história.
Não foi apenas o óleo nas praias que chamou a atenção, e sim a demora para que o governo federal encarasse o episódio com suas devidas proporções. Até o meio de dezembro, 959 localidades tinham sido atingidas, segundo o Ibama.
No começo foram os voluntários do Movimento Salve Maracaípe, de Pernambuco, que primeiro denunciaram o aparecimento de manchas de óleo no litoral. Também foram eles e outros apoiadores locais que ficaram com o primeiro ônus de encararem os pedaços espessos e desconhecidos do óleo, no que chamam de “fase emergencial” do ocorrido – quando havia silêncio por parte do governo e desespero de quem via o óleo chegar.
“Houve falta de aparatos e estruturas por parte do governo federal para identificar o petróleo em alto mar, além da retirada do que chegou às praias e a criação de protocolos”, diz Sidney Marcelino Leiteum dos coordenadores do projeto.
“Aqui em Pernambuco, o Salve Maracaípe fez uma grande mobilização de voluntários e recursos diversos, como EPIs (Equipamento de Proteção Individual) e alimentação. Inclusive, fornecemos ambos para o pessoal das Forças Armadas que chegaram depois sem nenhuma estrutura adequada do ponto de vista de proteção individual”, relata Sidney. Em operações voluntárias que duraram menos de uma semana, mais de mil toneladas do piche foram retiradas das praias pernambucanas onde o Salve Maracaípe atuou.
Uma força-tarefa com Marinha, Ibama, ICMBio, Forças Armadas e demais organizações foi formada postumamente para prestar respostas às demandas da população nordestina e brasileira sobre o acidente, que permanece sem respostas conclusivas sobre origem do óleo, a real dimensão de quando as manchas irão parar de chegar na costa e os impactos futuros na biodiversidade marinha.
De acordo com a agência de checagem Aos Fatos, a crise pelo vazamento de óleo ocupou apenas 10% da agenda oficial do ministro Salles. Jair Bolsonaro não chegou a comparecer na região para acompanhar as investigações. O Salve Maracaípe e demais voluntários continuam esperando por respostas.

3. Sem fogo para contar a história

A região de Alter do Chão não é apenas casa das praias conhecidas como “Caribe amazônico”, nome cunhado em homenagem à beleza exuberante das águas do Rio Tapajós nos bancos de areia fofa. Também abriga a maior reserva de água doce do mundo. A preciosidade do local, porém, não fez com que a área fosse isenta dos incêndios que acometeram a Amazônia no segundo semestre de 2019.
Um grupo de voluntários treinados pelo Corpo de Bombeiros decidiram criar, ainda em 2017, uma equipe de brigadistas de combate ao fogo na região. Um incêndio que aconteceu ao redor da casa de um dos voluntários mobilizou a criação do time em uma área gigantesca sem a devida cobertura por parte das forças armadas e das equipes de combate ao fogo.
O descaso cobrou seu preço: em setembro de 2019, ajudaram as autoridades a controlarem um incêndio que assolou a região. Por ajudarem a combater a eminente tragédia ambiental, os brigadistas foram presos meses depois. A acusação? Fogo criminoso nas regiões que ajudaram a salvar.
 
A história caiu como luva na retórica do presidente Bolsonaro e de demais apoiadores. Para eles, as ONGs, que criticaram a ação governamental no combate às queimadas da Amazônia, estavam envolvidas na perpetuação da destruição para chamar a atenção. Pelo inquérito policial que levou quatro brigadistas de Alter à prisão, até o ator Leonardo DiCaprio estava envolvido em doações supostamente escusas.
BRIGADISTAS EM ATUAÇÃO DE COMBATE A INCÊNDIO (FOTO: BRIGADA DE ALTER DO CHÃO)
Mas o desenrolar da história não corroborou para a criminalização de ONGs. Os quatro brigadistas foram liberados dois dias após serem presos. O Ministério Público Federal apresentou elementos de uma investigação já em curso que negava o envolvimento das organizações e apontava, ao invés disso, a influência de grileiros de especulação imobiliária. Áudios vazados entre o prefeito de Santarém e o governador do Pará também mostraram as inconsistências no inquérito policial.
A prisão mandou uma mensagem preocupante para a atuação dos brigadistas de Alter do Chão, que ainda não sabem se vão voltar à região para continuarem a fazer, de forma voluntária, o que precisava ser feito.

4. Cerrado, o não esquecido

O bioma que mais é destruído no Brasil é o Cerrado, apesar da baixa popularidade dos cenários desérticos brasileiros. Não poderia ser menos importante: é conhecido como “a caixa d’água” do País por ser o berço de diversos rios que abastecem bacias hidrográficas importantes.
De acordo com o último relatório do Prodes, liberado em 16 de dezembro, o Brasil perde a área de Londres a cada três meses no bioma em questão. Em um dos corredores ambientais mais importantes do Cerrado, há a atuação de uma ONG para barrar, com recursos privados, a ampliação de campos para gado e soja.
No Mosaico Sertão Veredas Peruaçu, localizado em Minas Gerais e imortalizado como parte integrante da obra-prima de Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas, a organização SaveCerrado resolveu buscar dinheiro para preservar uma área de 18 mil hectares pertencente a uma empresa. “Nós antecipamos essa ideia embrionária de um pagamento pela preservação”, diz Paulo Bellonia, diretor-executivo da ONG.
MIRANTE DOS CACTOS NO CAMINHO DA GRUTA DO CARLÚCIO, NO PARQUE NACIONAL CAVERNAS DO PERUAÇU, MG. (FOTO: ARQUIVO ICMBIO)
Bellonia afirma que concorda com certas declarações do ministro Ricardo Salles em relação aos recursos aplicados ao Brasil, porque “única forma de preservar o meio ambiente é com dinheiro”, diz, mas logo ressalta as limitações da pasta em relação a pensamentos estratégicos.
“O que o governo quer é que o recurso passe 100% por ele para que façam a distribuição depois. Na primeira entrevista que Salles deu, ele foi muito claro: a gente não pode sobrepor uma lei federal com um acordo internacional. O conceito dele está correto, mas as ações, não. Elas estão na contramão da história”, analisa.

5. Práticas e diálogos com indígenas no Xingu

De acordo com o presidente Jair Bolsonaro, boa parte do fogo que acometeu a Amazônia foi causado pelo próprios indígenas, que, sem instrução, queimavam terreno para limpar o solo para a agricultura. Apesar da associação entre os recordes de fogo e práticas habituais indígenas ser descabida, há, de fato, um grande uso da prática entre populações tradicionais para facilitar no manejo do solo.
Porém, enquanto alguns fogem da responsabilidade, outros educam. É o que mostra um projeto do Instituto Socioambiental (ISA) que, em conjunto com indígenas da extensa área do Parque Indígena do Xingu, no Pará, procura estabelecer com a população novas práticas menos perigosas para não dar margem ao alastramento desenfreado do fogo – ação potencializada pela maior secura da floresta.
O projeto Manejo do Fogo contou com o auxílio de um órgão federal, o PrevFogo, pertencente ao Ibama. Iniciado em 2015 e com um aporte do Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima, foram pensadas ações diretamente no chão, além de acordos comunitários em relação ao fogo.
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IKPENG APAGA FOGUEIRA UTILIZADA PARA ASSAR PEIXE (FOTO: MANOELA MEYER/ISA)
Segundo o ISA, houve redução do número de focos de calor nos últimos anos, mas o trabalho foi intenso. Alguns líderes de comunidades indígenas, demonizadas pela atual gestão, tiveram que passar por um processo de convencimento em relação a mudanças de práticas nas respectivas aldeias – uma desconfiança natural, considerando-se o que o homem branco representa naquela área.
Soluções foram construídas com a própria população – como os índios Ikpeng, que resolveram trocar o material do telhado das casas de sapê, altamente inflamável, para inajá. Para práticas que ainda necessitam do fogo, os indígenas fazem cercos sem nenhum tipo de vegetação ao redor da área queimada, o que impede uma propagação para o restante da floresta. As sabedorias milenares encontram novas opções de sobrevivência das pessoas e da biodiversidade amazônica.

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