Se você acompanha o Intercept, deve se lembrar da nossa recomendação de carnaval no ano passado:
usar máscaras. Não só porque máscaras são uma tradição da festa mais popular do Brasil, mas também porque à época a Polícia Militar do Rio estava testando um novo sistema de reconhecimento facial na cidade. Seu laboratório? O carnaval de rua.
A novidade, que havia sido anunciada como "ferramenta fantástica", mostrou que tem seus problemas. No Rio de Janeiro, uma mulher
chegou a ser detida por engano ao ser "reconhecida" pelo sistema. Em outros países, o
índice de erros chega a 92%. Por aqui, adivinha
a cor das pessoas que são presas por meio do sistema? Negras, claro.
Nada disso foi suficiente para deter a tecnologia. O governador de São Paulo, João Doria, já avisou que o carnaval de São Paulo vai ter câmeras de reconhecimento facial para "tentar detectar criminosos em meio aos foliões". O jeitinho dele de combater a criminalidade no carnaval a gente conhece: na segunda-feira, Doria elogiou a ação de um policial civil de folga que reagiu a uma tentativa de assalto atirando a esmo no meio de um bloco. Cinco pessoas foram atingidas, três delas foliões inocentes. Para o tucano, porém, foi tudo ótimo: o policial "agiu como deveria ter agido, para proteger as pessoas".
Uma tecnologia que identifica potenciais suspeitos, ainda que com uma porcentagem de erro assustadora, pode ser uma carta-branca para outras ações policiais truculentas – agora respaldadas por um algoritmo. E, com sistemas cada vez mais sofisticados e integrados, tudo indica que o cenário
só vai piorar.
No ano passado,
um levantamento do Instituto Igarapé mostrou que pelo menos 37 municípios de todas as regiões do país usam a tecnologia de reconhecimento facial para alguma coisa – de trânsito a segurança, até em escolas. Se você mora em alguma delas – Praia Grande, Ribeirão Preto, Blumenau ou Curitiba, por exemplo –, provavelmente já teve o rosto catalogado.
Mas nada como o carnaval pras autoridades se fartarem com seus brinquedos de alta tecnologia. Se até ano passado o reconhecimento facial estava restrito às ruas de Salvador e Rio, em 2020 ele chegou em Brasília, Belo Horizonte, Salvador e Florianópolis, além de São Paulo.
A desculpa é sempre a mesma: segurança. Acontece que, até agora, não há evidências suficientes que mostrem que a quebra de privacidade em massa desse tipo de tecnologia realmente se converte em menos crimes. O estado tecnocrata investe em uma solução populista e midiática enquanto viola um direito fundamental de quem só quer festejar na rua.
Então, a gente reforça a recomendação: se vai para um bloco em qualquer uma dessas cidades e não quer ter os passos monitorados e rosto analisado e catalogado por tempo e finalidade desconhecidos, capriche na máscara. Maquiagem também funciona – e
há até tutoriais de como fazer uma make caprichada para burlar a vigilância em massa.
Bom carnaval!
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