sexta-feira, 3 de abril de 2020

"Fora Bolsonaro, queremos viver"

"Fora Bolsonaro, queremos viver"
 
No momento em que escrevo essa newsletter, o Brasil registra o recorde de mortes em 24 horas por coronavírus. Entre quarta e quinta-feira 58 pessoas morreram - o recorde anterior era de 42 mortes na terça-feira - somando 299 mortes e 7.910 casos confirmados, um aumento de 16% em relação ao dia anterior.
Isso, sem levar em conta a subnotificação, já apontada pela Pública, e relatada como “imensa” por equipes de atenção básica de saúde em reportagem publicada ontem pela Folha de S. Paulo. A falta de kits para exames - só em São Paulo há 10 mil na fila para os testes - e de uma portaria específica do Ministério da Saúde, regulamentando as notificações, estão entre os motivos para a inconfiabilidade dos números. Também não há como saber quantos, de fato, morreram por coronavírus. Como relatamos na sexta-feira passada, os que falecem em São Paulo, por exemplo, estão sendo enterrados sem autópsia, muitas vezes sem fazer os testes para a doença. O mesmo acontece em pelo menos seis estados. Uma falha grave, que prejudica qualquer estratégia séria de combate à pandemia. 
E essa nem é a notícia mais preocupante da semana. Como vem alertando os epidemiologistas, a situação de extrema desigualdade do país é uma variável determinante e de comportamento ainda imprevisível. Favelas e outras moradias precárias facilitam o contágio e dificultam as medidas profiláticas - essa semana o Ministério Público teve que entrar com uma ação emergencial pública para exigir que a Sabesp garanta o abastecimento de água nas favelas, onde a falta é constante. Mas, apesar da luta que travam associações de moradores, sindicatos e jovens das comunidades, onde 96% são a favor das medidas de isolamento social, os primeiros casos de contaminação nas favelas começam a aparecer. Na Rocinha, no Rio de Janeiro, houve duas mortes suspeitas na segunda-feira passada. 
Nesse quadro catastrófico, agravado pelo afastamento de profissionais de saúde com sintomas respiratórios, confirmados ou não (só em São Paulo já foram 600 os que tiveram que ser removidos segundo estatística do Sindesp) e pela previsível falta de leitos de UTI, o país não tem comando confiável. E isso não é mais uma opinião, é um fato, haja vista a atitude permanentemente irresponsável do presidente da República. Ontem, por exemplo, ele pediu aos brasileiros que jejuassem para combater a epidemia depois de desautorizar mais uma vez o ministro da Saúde em entrevista na Jovem Pan.
Por fim, se alguém ainda tiver alguma dúvida a respeito do descaso absoluto do presidente pela vida dos brasileiros, pode olhar também para a economia. 
Ontem, Bolsonaro postou uma live “com um comovente depoimento de uma professora ao presidente”. Dizendo não ter como viver sem trabalhar, ela pedia que o Exército obrigasse os governadores a acabar com as quarentenas. O presidente aplaudiu, totalitarismo é com ele mesmo, mas não disse à professora que ele demorou quase três dias para sancionar o projeto de renda mínima emergencial, aprovado pelo Congresso, e que a MP 936, que ele enviou ontem ao Legislativo, permite que as empresas cortem até 70% dos salários dos trabalhadores formais sem que o governo cubra a integralidade dos rendimentos. 
Como explicou a economista Monica de Bolle “a MP introduz para o trabalhador formal uma incerteza econômica brutal e uma precarização da situação do trabalhador num momento de crise aguda, num momento em que a epidemia vai começar a fazer muitas e muitas vítimas; aquele trabalhador que tiver seu salário cortado em 70%, principalmente se está na faixa de até 3 salários-mínimos, vai fazer bico na rua, exatamente o que a gente não quer nesta fase aguda da epidemia”. 
Enquanto termino de escrever, o panelaço cada vez mais forte pelo país afora surge como esperança. De uma janela, em São Paulo, a moradora grita: “Fora Bolsonaro, queremos viver!”.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
O que você perdeu na semana

Mais um guajajara assassinado. Na última terça-feira, dia 31 de março, o líder indígena Zezico Rodrigues Guajajara, da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, foi encontrado morto. Esse é o quinto assassinato de um Guajajara em quatro meses. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), desde 2000 o estado do Maranhão teve 48 homicídios contra o povo Guajajara, sendo um dos mais violentos contra a etnia.

Desigualdade na distribuição de respiradores. Cerca de um terço das cidades brasileiras tem no máximo dez respiradores mecânicos. Os equipamentos estão concentrados nas capitais. Nos estados do Nordeste e Norte, o número de respiradores por habitante é menor do que em outras regiões do país. Segundo o presidente da Associação Latino-Americana do Tórax, Gustavo Zabert, em um cenário de baixo impacto, em 15 dias faltarão ventiladores mecânicos no Brasil. 

Mães na favela e o coronavírus. Um mês sem renda devido ao isolamento significa não ter como comprar comida, segundo 92% das mães consultadas na pesquisa feita pelo Data Favela e pelo Instituto Locomotiva. Ainda, 76% das entrevistadas relatam que, sem as crianças na escola, os gastos domésticos já aumentaram. Apesar das comunidades serem apontadas como as áreas mais vulneráveis à Covid-19, ainda não foi elaborado nenhum plano específico por parte do poder público.
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Grupo de risco para Covid-19. A população de risco no Brasil é muito maior do que os 22 milhões de idosos. Levantamento da Pública mostra que país tem quase 3 mil internações por dia causadas por doenças do grupo de risco para a Covid-19, como pneumonia, diabetes e hipertensão. A maioria dessas hospitalizações (59%) envolveu pessoas com menos de 60 anos.

Comunicadores populares. Na ausência do Estado, comunicadores populares de todo o país se mobilizam para desmentir notícias falsas e informar moradores da periferia sobre o coronavírus. Em São Paulo, grupo passou a enviar, via Whatsapp, um podcast de 2 a 3 minutos chamado "Pandemia Sem Neurose", com atualizações das medidas do governo e dicas de prevenção.⠀

Ataque às vítimas do coronavírus. Pessoas com suspeita ou acometidas pela doença estão sendo hostilizadas dentro e fora das redes sociais. Os ataques são de todos os tipos: desde fake news de que estariam andando nas ruas para contaminar outras pessoas até ameaças de morte. Em Goiás, mulher grávida teve a casa apedrejada após um áudio de Whatsapp espalhar a informação de que ela estaria com suspeita de Covid-19.

Efeitos do glifosato. Depois de passar cinco anos aplicando agrotóxico produzido pela Bayer (Monsanto) em sua pequena lavoura de café, o agricultor Sebastião Bernardo da Silva desenvolveu um quadro de epilepsia e esquizofrenia que, segundo mais de dez laudos, foi consequência à exposição ao agrotóxico. Processada pelo trabalhador, a empresa se recusa a reconhecer os efeitos de seu produto: "não ficou comprovado nenhum nexo causal entre o uso do glifosato e as doenças alegadas pelo demandante."

56 anos do golpe militar. Angela Mendes de Almeida, hoje com 80 anos, dedicou a vida a lutar pelas vítimas da ditadura. Seu companheiro amoroso e de militância, o jornalista Luiz Eduardo Merlino, foi brutalmente assassinado pelo regime aos 23 anos, em 1971. A história de vida e militância de Angela foi contada por Marina Amaral, codiretora da Pública, no livro “Heroínas desta história – Mulheres em busca de justiça por familiares mortos pela ditadura”. Trecho do capítulo pode ser lido no nosso site
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Por dentro de um hospital de campanha. Em uma semana, Madri viu os pavilhões da Instituição de Feiras de Madrid (Ifema) se tornarem um hospital de campanha para atender os casos de Covid-19 perante o colapso dos hospitais comuns. Entre as filas de leitos hospitalares, a cada nova alta, o pavilhão explode em palmas. Entre os pacientes, a saudade de casa e a falta dos familiares é tão difícil quanto lidar com a doença.
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