sexta-feira, 29 de maio de 2020

Robson Mendonça: ‘Minha esperança é ver as pessoas saírem das calçadas’



Robson Mendonça: ‘Minha esperança é ver as pessoas saírem das calçadas’





Por Paulo Eduardo Dias e Pedro Ribeiro Nogueira
O relógio está prestes a bater 11h, quando uma aglomeração começa a ocupar a rua José Bonifácio, na região da Sé, centro da capital paulista. Logo, uma fila é formada por homens, mulheres e adolescentes, todos eles atrás de um prato de comida entregue pelo Movimento Estadual da População em Situação de Rua.
No mesmo endereço desde 2010, a entidade é presidida por Robson Mendonça, 67 anos. À Ponte, ele contou que distribui cerca de duas mil alimentações, em parceria com a prefeitura de São Paulo, de segunda-feira a segunda-feira. No entanto, passou a identificar um aumento significativo de pessoas que buscam por uma refeição desde o início da quarentena imposta para conter a propagação do novo coronavírus.

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“Aumentou muito o número daqueles que passaram a buscar o alimento por causa da pandemia. Muitos não moram nas ruas, mas moram em pensões, cortiços e estão com dificuldade em pagar aluguel e se alimentar, já que são trabalhadores autônomos, ambulantes”, afirmou Mendonça.
A reportagem esteve na manhã do dia 14/5 na sede do Movimento Estadual da População em Situação de Rua e pode acompanhar um pouco do cotidiano de Robson Mendonça. Mesmo do grupo considerado de risco para a Covid-19, devido a idade e sua condição de saúde, já que, segundo ele, possui câncer pulmonar e um tumor no cérebro, o homem não para. Ele faz questão de acompanhar toda a distribuição dos alimentos e de repreender quem pega mais de um marmitex e não pensa no próximo que deixará de comer.
Mesmo com todo esforço, a quantidade de pessoas é tão grande que alguns deixam o local de mãos vazias e com fome, o que faz o semblante do homem murchar de tristeza.
“Seriam necessárias 3 mil refeições para suprir toda demanda que temos”, sustentou. No entanto, devido a uma grande quantidade de doações de maçã naquela manhã, a fome de alguns pode ser contornada com a fruta.
Além da alimentação, que naquele dia teve arroz, feijão, frango picado e legumes, as pessoas que buscam um prato de comida na rua José Bonifácio podem matar a sede tomando água depositada em um galão que comporta 250 litros.
A sede da entidade ainda serve de escritório para moradores em situação de rua que desejam melhorar de vida. “Antes da pandemia cadastrava pessoas, encaminhava para tirar documentos, curso profissionalizante, álcool e drogas, além de trabalho. O estado deveria fazer o que eu estou fazendo”, completou. Contudo, diante do coronavírus, os trabalhos ficaram restritos, limitando-se às refeições e cadastros para a obtenção do auxílio emergencial.
A história de Robson Mendonça não é fácil de ser contada nas linhas de um texto. Gaúcho de Alegrete, ele deixou a vida confortável que tinha no Rio Grande Sul em busca de novos horizontes em São Paulo, mas logo de cara se deparou com as mazelas da maior metrópole da América Latina.
Ao chegar em São Paulo em 1998, acabou por sofrer um duro golpe e perder tudo ao ser abordado por bandidos, que conseguiram levar o montante que havia juntado, segundo ele, cerca de R$ 200 mil nos valores de hoje.
“Saí do Sul porque minha esposa achava que em São Paulo poderia ser melhor para cuidar dos nossos filhos. Chegando em São Paulo fui sequestrado e perdi tudo que tinha no banco”, disse à Ponte. Diante do quadro, sem nenhum dinheiro, Robson Mendonça acabou indo morar em um albergue em Santo Amaro, na zona sul da cidade.
No mesmo instante que lutava para conseguir se reerguer, o homem foi impactado por uma tragédia. A morte de sua esposa e dos dois filhos após um acidente de carro.
Diante do quadro, passou a beber e foi parar na região da Luz, também no centro, conhecida como cracolândia, por causa do uso e venda de drogas, entre elas o crack. Robson conta que sua vida passou a ter novos rumos em 2004, quando frequentava encontros de moradores de rua.
Foi numa dessas reuniões que conheceu uma mulher. Sensibilizada com sua história, Robson conta que ela perguntou o que poderia fazer para tirá-lo daquela situação. “Respondi que ela deveria pagar só um mês de aluguel que eu iria fazer o resto”.
Desde então, de acordo com ele, sua vida tomou novos rumos. Em 2005, criou o Movimento Estadual dos Moradores em Situação de Rua e seis anos depois, a Bicicloteca, um tipo de biblioteca itinerante, em que interessados poderiam pegar livros enfileirados em uma grande caixa instalada sobre uma bicicleta.
“Ia na Biblioteca Mario de Andrade para ler um livro, mas não conseguia. Ninguém quer ler um livro ao lado de um morador de rua”, disse.
Atualmente, Robson Mendonça vive de doações e dos R$ 89 que recebe mensalmente do Bolsa Família. “O importante é servir ao próximo e esperar por dias melhores. Minha esperança é de ver as pessoas saírem das calçadas e terem sua autoestima restabelecida”.

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