quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Mesmo na pandemia, o governo continua promovendo o envenenamento da sua comida

 

Bom dia, Glauco!

Mesmo durante a pandemia, o lobby do agronegócio segue poderoso, conseguindo a aprovação de substâncias perigosas e descontos bilionários em impostos. Na newsletter de hoje, Pedro Grigori, correspondente da Pública em Brasília e repórter do projeto "Por Trás do Alimento", explica como a crise do coronavírus está sendo usada como cortina de fumaça pelo governo Bolsonaro para continuar promovendo e liberando os agrotóxicos que envenenam sua comida.  

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Um abraço, 

Giulia Afiune
Editora de Audiências
Mesmo na pandemia, o governo continua promovendo o envenenamento da sua comida
por Pedro Grigori


Quando apareceram os primeiros casos de Covid-19 no Brasil e o distanciamento social teve início, os brasileiros correram para os supermercados. Com medo do desabastecimento, o povo começou a estocar comida e produtos de higiene. O setor dos supermercados logo respondeu que não corria risco de ficar sem estoques, e o governo federal afirmou que agiria para garantir isso. Realmente, muitas decisões foram tomadas nos últimos meses em relação à comida que vai parar na sua mesa, mas nem todas tinham o objetivo de garantir a alimentação e o bem estar dos brasileiros durante a crise do coronavírus. 

Enquanto o Ministério do Meio Ambiente usa a pandemia como cortina de fumaça para passar a boiada, o da Agricultura também aproveita para passar o veneno.

Ainda em março, o Ministério da Agricultura listou a produção de agrotóxicos como uma atividade essencial, que não poderia ser interrompida durante o enfrentamento ao vírus. Desde o início da pandemia, o Governo já aprovou o registro de 194 novos agrotóxicos. 

O poder público também aproveitou para manter um desconto no imposto pago por empresas que compram esses venenos. Em abril, os governadores dos 26 estados e do Distrito Federal decidiram renovar pela 20ª vez uma norma do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) que reduz em 60% o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) dos agrotóxicos. Esta medida significa uma perda anual de R$ 6,2 bilhões aos cofres públicos

A fortuna que o agronegócio deixou de pagar em impostos pelos pesticidas seria o suficiente para comprar mais de 90 mil respiradores mecânicos, no valor de US$ 13 mil cada, como os que o Governo Federal adquiriu em abril. Mas o argumento para a isenção fiscal foi, mais uma vez, a suposta importância dos agrotóxicos para a produção de alimentos. O desconto está em vigor há 23 anos e estava sendo reavaliado em um estudo técnico que não pôde ser concluído devido à pandemia, como contou à Pública o diretor do Confaz, Bruno Negris. Os governadores então decidiram renová-lo por uma questão emergencial. 


Mas será que o uso de agrotóxicos é tão essencial assim para a produção de alimentos? Um estudo da Universidade Federal do Mato Grosso, coordenado pelo professor Wanderlei Pignati, mostra outra realidade. Ele analisou os plantios brasileiros em 2015 e identificou que 82% do volume de agrotóxicos usado no país é lançado em plantações de commodities agrícolas, como soja, milho e cana-de-açúcar.  

O estudo é mais uma prova de que os agrotóxicos são mais importantes para o agronegócio do que para a alimentação do brasileiro. 

Não é segredo que o agro é a menina dos olhos do governo federal. No primeiro trimestre, o setor agrícola foi o único a resistir à crise do coronavírus. De acordo com o IBGE, o PIB brasileiro teve uma contração de 1,5% entre janeiro e março de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior. Mas a agricultura cresceu 0,6%. 

De acordo com previsão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o PIB brasileiro deve cair 6% neste ano, enquanto a agricultura crescerá 2%. 

O problema é que para dar continuidade a esse modelo de produção altamente lucrativo, toda a sociedade é colocada em risco pelo uso exagerado de agrotóxicos. De acordo com o Ministério da Saúde, apenas em 2017, 14 mil pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos no Brasil. O número real é muito maior pois, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada caso notificado de intoxicação por agrotóxicos, outros 50 não são notificados. 

Mas o lobby dos agrotóxicos segue poderoso. Em julho, a Pública e a Repórter Brasil mostraram como parlamentares e entidades do agronegócio atuaram juntos nos últimos meses para tentar impedir o banimento do Paraquate, um agrotóxico extremamente perigoso, previsto para sair do mercado brasileiro no final de setembro. Há evidências de que a exposição ao produto pode causar mutações genéticas e até a doença de Parkinson.

Se por um lado os grandes produtores de commodities agrícolas estão saindo quase imunes dessa crise, os pequenos agricultores não têm a mesma sorte. Em maio, o presidente Jair Bolsonaro vetou a ampliação do auxílio emergencial para os trabalhadores do campo, principais responsáveis por garantir que arroz, feijão, frutas e hortaliças cheguem à sua mesa. Os agricultores familiares representam nada menos que 77% dos estabelecimentos agrícolas do país, de acordo com o último Censo Agropecuário, de 2017.

Na semana passada, após cinco longos meses de discussão, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que prevê a concessão de um auxílio emergencial a agricultores familiares. O texto passou pelo Senado e pela Câmara e tem até o próximo dia 20 para ser sancionado ou não pelo presidente. Será que agora Bolsonaro ajudará os pequenos produtores de alimento ou continuará beneficiando apenas o agronegócio?

Pedro Grigori é repórter e correspondente da Pública em Brasília. 

Rolou na Pública

Covid-19 e povos indígenas. Ontem publicamos entrevista com a ambientalista Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental. Para ela, o impacto da Covid-19, somado a outras ameaças em curso, pode significar “um comprometimento das comunidades do ponto de vista de reprodução física e cultural”. A entrevista já foi republicada no Sul 21 e no Jornal GGN.   

Guerra cultural bolsonarista. A entrevista da Pública com o professor da Uerj João Cezar de Castro Rocha, publicada em maio, saiu na semana passada em espanhol no GK, nosso parceiro no Equador.

Gado ilegal na JBS. Na última semana, revelamos com exclusividade como um pecuarista com larga ficha de crimes ambientais na Amazônia enviou gado criado ilegalmente em terra indígena à JBS, a maior produtora de carne bovina do mundo. A reportagem foi republicada em 13 sites. 

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