Na mesma semana em que os resultados das eleições municipais mostraram um país que dobrou à direita, com alguns dos partidos com melhor desempenho nas urnas sendo da base do governo Bolsonaro, o país também registrou mais um recorde negativo com o desmatamento da Amazônia atingindo o seu maior índice em mais de uma década — uma destruição durante um ano de uma área equivalente a 7 cidades de São Paulo.
Se a política antiambiental de Bolsonaro vai funcionando bem na destruição da floresta, também a sua política de apagamento da memória está a todo vapor, com a exclusão de 29 nomes da lista de Personalidades Negras que integravam um rol de homenageados pela Fundação Palmares — entre eles, a escritora Conceição Evaristo, a cantora Elza Soares, a ex-ministra Marina Silva e o músico Martinho da Vila. O mais inacreditável é que esse processo de apagamento é capitaneado por um negro, o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, que assim como o vice-presidente da república, Hamilton Mourão, já afirmou que não há racismo no país.
Racismo que vê incólume um negro chamado Carlos Eduardo Pires de Magalhães morrer dentro de uma padaria em Copacabana sem que isso atrapalhasse o café da manhã dos clientes presentes. 'Estou sem alma', teria dito antes de morrer.
Memória e justiça, aliás, estão em descrédito num país que ainda não esclareceu os mandantes da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que completará mil dias no próximo 8 de dezembro, tema do podcast Pauta Pública.
Em entrevista recente, Anielle Franco, irmã de Marielle, hoje à frente do Instituto que leva o nome da vereadora assassinada no Rio, perguntou "quem é que vai olhar por cada mulher que foi eleita em cada estado desse país?”. Uma preocupação real diante do que ela chamou de falta de estruturas de acolhimento eficazes para as mulheres negras vítimas de violência política.
Ao falar de violência, não se pode esquecer daquela praticada pela polícia militar, responsável pela morte de Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos, Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, Eduardo Silva, 21 anos, Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos, Mateus dos Santos Costa, 23 anos, Gustavo Cruz Xavier, 14 anos, Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos, Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos e Luara Victoria de Oliveira, 18 anos.
Estes nove jovens foram vítimas do Massacre de Paraisópolis há um ano, quando morreram asfixiados na comunidade da zonal sul de São Paulo, após uma ação da PM contra o “Baile da DZ7”, festa ao ar livre tradicional na região. À época, nosso repórter José Cícero da Silva, conversou com pessoas que moram, trabalham ou estavam no baile e nenhum deles confirmou a versão da polícia.
Afastados do trabalho, os PMs envolvidos na ação até hoje não foram indiciados. Assim como Marielle, esses jovens continuam presentes na memória de familiares e amigos, que aguardam, sem resposta, o tempo da justiça.
Thiago Domenici, editor e repórter da Agência Pública
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