sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Essa justiça é um campo minado

 

Essa justiça é um campo minado 


Na mesma semana em que os resultados das eleições municipais mostraram um país que dobrou à direita, com alguns dos partidos com melhor desempenho nas urnas sendo da base do governo Bolsonaro, o país também registrou mais um recorde negativo com o desmatamento da Amazônia atingindo o seu maior índice em mais de uma década — uma destruição durante um ano de uma área equivalente a 7 cidades de São Paulo

Se a política antiambiental de Bolsonaro vai funcionando bem na destruição da floresta, também a sua política de apagamento da memória está a todo vapor, com a exclusão de 29 nomes da lista de Personalidades Negras que integravam um rol de homenageados pela Fundação Palmares — entre eles, a escritora Conceição Evaristo, a cantora Elza Soares, a ex-ministra Marina Silva e o músico Martinho da Vila. O mais inacreditável é que esse processo de apagamento é capitaneado por um negro, o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, que assim como o vice-presidente da república, Hamilton Mourão, já afirmou que não há racismo no país

Racismo que vê incólume um negro chamado Carlos Eduardo Pires de Magalhães morrer dentro de uma padaria em Copacabana sem que isso atrapalhasse o café da manhã dos clientes presentes. 'Estou sem alma', teria dito antes de morrer. 

Memória e justiça, aliás, estão em descrédito num país que ainda não esclareceu os mandantes da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que completará mil dias no próximo 8 de dezembro, tema do podcast Pauta Pública

Em entrevista recente, Anielle Franco, irmã de Marielle, hoje à frente do Instituto que leva o nome da vereadora assassinada no Rio, perguntou "quem é que vai olhar por cada mulher que foi eleita em cada estado desse país?”. Uma preocupação real diante do que ela chamou de falta de estruturas de acolhimento eficazes para as mulheres negras vítimas de violência política

Ao falar de violência, não se pode esquecer daquela praticada pela polícia militar, responsável pela morte de Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos, Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos, Eduardo Silva, 21 anos, Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos, Mateus dos Santos Costa, 23 anos, Gustavo Cruz Xavier, 14 anos, Gabriel Rogério de Moraes, 20 anos, Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos e Luara Victoria de Oliveira, 18 anos.

Estes nove jovens foram vítimas do Massacre de Paraisópolis há um ano, quando morreram asfixiados na comunidade da zonal sul de São Paulo, após uma ação da PM contra o “Baile da DZ7”, festa ao ar livre tradicional na região. À época, nosso repórter José Cícero da Silva, conversou com pessoas que moram, trabalham ou estavam no baile e nenhum deles confirmou a versão da polícia.

Afastados do trabalho, os PMs envolvidos na ação até hoje não foram indiciados. Assim como Marielle, esses jovens continuam presentes na memória de familiares e amigos, que aguardam, sem resposta, o tempo da justiça.

Thiago Domenici, editor e repórter da Agência Pública

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Pauta Pública. 
Prestes a completarmos mil dias desde o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 15 de março de 2018, ainda não sabemos quem mandou assassinar a vereadora. Novo episódio do Pauta Pública recebe a jornalista Vera Araújo, que lançou com Chico Otávio o livro Mataram Marielle, onde conta detalhes de sua investigação que foi crucial para novas descobertas do caso. Ouça agora. 

O que você perdeu na semana


Nova secretária de Eduardo Paes. Na quarta-feira (02/12), o prefeito eleito do Rio de Janeiro Eduardo Paes nomeou a professora Marli Peçanha para uma nova secretaria, chamada de Ação Comunitária. Em 2016, a Agência Pública denunciou o envolvimento de Peçanha no despejo de comunidades da Vila Autódromo, local visado por conta dos Jogos Olímpicos. Nossa equipe a flagrou depreciando moradores: “Eu sinto o cheiro desse povo de longe. Não dou papo. Aqui é tudo farinha do mesmo saco. Eles não moram aqui e vivem disso."  

Irregularidade em hidrelétrica no Mato Grosso. No norte de Mato Grosso, consórcio responsável pelo funcionamento da Usina Hidrelétrica de Sinop é acusado por moradores de não cumprir várias de suas responsabilidades sociais e ambientais. A população atingida luta para que a Companhia Energética Sinop (CES), que tem como acionista majoritária a empresa pública Electricité de France (EDF), pague as compensações justas pela perda das suas terras e proteja os recursos naturais da área. 

Crescimento do PIB. A economia brasileira cresceu 7,7% no terceiro trimestre de 2020, segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na quinta-feira (3). Esta análise do Nexo mostra que, além de não ter recuperado as perdas do primeiro semestre do ano, a atividade econômica brasileira ainda está longe de retomar o patamar de antes da crise que começou no segundo trimestre de 2014.  

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Dez anos de Cablegate. Liderado por Julian Assange, o WikiLeaks publicou o maior vazamento da história do jornalismo. Até hoje preso pelas informações publicadas, diferentes governos agiram para destruir o jornalista, afirma neste relato inédito a codiretora da Agência Pública Natalia Viana, que trabalhou com Assange na época. 

Vitória da direita nas urnas. Jair Bolsonaro fracassou ao emplacar seus candidatos nas prefeituras, mas o saldo da eleição não indica a queda do bolsonarismo. Segundo a cientista política Flávia Biroli, os partidos da direita tradicional e conservadora foram os maiores vitoriosos nas eleições municipais e são a base parlamentar do atual governo.

Mobilidade em São Paulo. Poucos e gigantes, assim são os grupos de empreiteiras que ganharam mais da metade das licitações de mobilidade na cidade de São Paulo na última década. Sete dos dez consórcios com as licitações mais caras têm empresas acusadas de improbidade administrativa. Foram licitados mais de R$ 6 bilhões no período, mas o problema da mobilidade não foi resolvido.
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Estupro de vulnerável. Análise realizada a partir dos dados de boletins de ocorrência aponta para uma queda brusca no número de casos registrados de estupros de vulnerável no período entre 24 de março e 30 de junho de 2020. Frente à redução dos registros observada desde o início da pandemia, o Ministério Público do Estado de São Paulo, o Instituto Sou da Paz e o Fundo das Nações Unidas para a Infância começaram a trabalhar conjuntamente, com objetivo de verificar possíveis impactos do isolamento social na ocorrência e na notificação da violência sexual contra crianças e adolescentes. 

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