sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

O butim de Sergio Moro

 

O butim de Sergio Moro 


Será na Vila Olímpia o próximo estágio da carreira do ex-juiz, ex-ministro e ex-bolsonarista de carteirinha Sergio Moro, agora na iniciativa privada. A consultoria americana Alvarez e Marsal anunciou que Moro será o chefe de investigações, disputas e compliance no seu escritório envidraçado à beira da Marginal Tietê, pertinho do luxuoso Shopping JK. 

Especializada em reestruturação corporativa, a Alvarez & Marsal é a administradora judicial da Odebrecht, após a construtora ter pedido recuperação judicial por causa das investigações da Lava-Jato no Brasil, nos EUA e em dezenas de países da América Latina. A consultora já faturou 17,6 milhões com o serviço, segundo reportagem do Uol. O Valor Econômico noticiou que o contrato de Moro o exime de advogar em causas em que haja conflito de interesses. 

Entre os sócios sêniores, a empresa orgulha-se de contar com um ex-agente do FBI, um ex-procurador do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) e outro do governo britânico, além de um ex-funcionário da NSA.  

Há alguns anos críticos vêm apontando para a escandalosa “porta giratória” entre os procuradores americanos que se dedicam a investigar corrupção e os riquíssimos escritórios de advocacia que têm vendido serviços para empresas se “blindarem” exatamente desse tipo de investigação. 

São jovens com ar de auto-satisfação e luxuosos escritórios com vista para os pontos mais cobiçados de Nova York ou Washington. O caso mais notório é Patrick Stokes, que liderou entre entre 2014 e 2016 o departamento de FCPA (corrupção transnacional) do DOJ e depois virou sócio no escritório Gibson, Dunn & Crutcher’s, em uma posição cujo salário chegou a R$ 3,2 milhões em 2017. Detalhe: a empresa foi a contratada pela Petrobras para negociar o acordo com o DOJ, assinado no final de 2018, dois anos depois de Patrick sair do cargo. O contrato traz a assinatura do advogado Joseph Warin, hoje sócio de Patrick.  

Em um breve levantamento feito com a jornalista Raphaela Ribeiro, identificamos que de 19 procuradores americanos envolvidos nas investigações da Lava Jato, do DOJ e do Securities and Exchange Commission (Sec), pelo menos seis foram para a iniciativa privada. 

Kevin Gingras, que veio ao Brasil em nome do DOJ entrevistar Nestor Cerveró, Paulo Roberto Costa e Alexandre Yousseff em julho de 2016, hoje é vice-presidente de litígios na empresa fabricante de armas e tecnologia de defesa Lockheed Martin Corporation. 

Charles Duross não chegou a trabalhar nos casos da Lava-Jato, mas liderou a unidade de corrupção internacional do DOJ até 2014. Estava nessa posição quando o governo americano começou a investigar a Embraer por corrupção na República Dominicana, o que levou a uma multa de mais de US$ 100 milhões para o governo dos EUA. 

Duross hoje é advogado associado no escritório Morrison & Foerster LLP. Ele foi indicado pelo DOJ para acompanhar as práticas anticorrupção que vêm sendo adotadas pela Odebrecht e o desenvolvimento do setor de “compliance”, depois da empreiteira concordar em pagar uma multa bilionária aos americanos.

Do lado do FBI, George “Ren” McEachern liderou até 2017 a Unidade de Corrupção Internacional em Washington, com mais de 40 agentes, supervisionando todas as investigações de corrupção ligadas à Lava Jato. Pouco depois, deixou o FBI para passar para a consultoria Exiger, onde ensina métodos de “compliance” e dá palestras para empresas como as médico-farmacêuticas Pfizer e Johnson&Johnson e a fabricante de armas militares Raytheon.

Aqui no Brasil, o pioneiro ao “mudar de lado” foi o procurador Marcelo Miller, que aparece como um dos principais articuladores com os americanos nas conversas da Vaza-Jato, propondo acordos diretamente a eles durante reuniões do grupo anticorrupção da OCDE. 

Em abril de 2017 ele deixou o MPF e em seguida virou sócio do escritório de advogados especializado em compliance Trench Rossi Watanabe. Miller se deu mal. O anúncio do afastamento foi feito às vésperas da delação de Joesley Batista, da JBS, que teve intermediação do mesmo escritório. Por ter atuado nas duas pontas do negócio, passou a ser investigado e foi denunciado pelo próprio MPF. Em setembro daquele ano a PGR rescindiu o acordo de colaboração de Joesley Batista mediado pelo procurador. E Miller saiu da empresa poucos meses depois de ser contratado, recebendo a bagatela de R$ 1,6 milhão, segundo reportagem do O Globo

Outro que pulou para a iniciativa privada foi o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima. Hoje no seu LinkedIn ele se descreve como “advogado na área de compliance, investigações internas, monitoria, e acordos de leniência e colaboração premiada”. Virou consultor, segundo coluna de Fausto Macedo, sem dar o nome aos clientes que o têm contratado, autor de livro sobre compliance para bancos e palestrante. 

Sem cargo no governo, sem magistratura, a nova empreitada de Moro pode ser lida apenas como uma demonstração do apreço ao dinheiro – lembremos que ele chegou a receber mais de R$ 100 mil no Tribunal Federal da 4ª Região por causa dos “penduricalhos” – e de falta de imaginação, engordando ainda mais fila da “porta giratória” da Lava-Jato.

Natalia Viana, codiretora da Agência Pública

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Pauta Pública. Completamos mil dias desde o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 15 de março de 2018. Ainda não sabemos quem são os mandantes do crime, mas o jornalismo vem sendo essencial para escancarar os interesses políticos envolvidos na ausência de respostas. Ouça agora a entrevista com Vera Araújo, jornalista que vem investigando o caso.

O que você perdeu na semana


Mina clandestina dos militares. Reportagem do The Intercept Brasil em parceria com o InfoAmazônia revela que aeronáutica explora mina de brita clandestinamente há uma década no Amazonas. Extração ocorre na Terra Indígena Alto Rio Negro, que abriga mais de 26 mil indígenas de 22 etnias.   

Milicianos infiltrados no PSOL. Dois milicianos que atuavam como braço financeiro do Escritório do Crime se filiaram ao PSOL, partido de Marielle Franco,  assassinada com o motorista Anderson Gomes há mil dias. Um dos milicianos que se filiou ao partido era homem de extrema confiança de Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope). 

O fim da era Maia. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram no último domingo (06/11) que Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) não poderão concorrer à reeleição da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente. Este texto da BBC Brasil responde três perguntas importantes sobre o tema. 

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Unidade contra Bolsonaro. Ex-candidato a prefeito de São Paulo e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos afirma que a unidade do campo progressista é essencial, mas sozinha a esquerda não derrotará o bolsonarismo: é necessário trabalho de base sólido e presença nas periferias, com solidariedade “dialogando, escutando, construindo redes de solidariedade para além de discurso político”.

Depósito de venenos. Na comunidade de Mandingueiro, interior de Minas Gerais, um aterro do agrotóxico Aldrin, veneno letal e proibido no Brasil, contaminou o solo e a água na região por 40 anos. A retirada do produto só aconteceu em 2019, após os moradores entrarem com ação no Ministério Público. A empresa responsável, Aperam, não quer pagar a indenização para reparar o estrago ambiental causado.

Cablegate. Uma parceria da Agência Pública com o Canal Meio vai contar a história inédita dos bastidores do Cablegate, o maior vazamento da história do jornalismo, feito por uma equipe de jornalistas junto ao WikiLeaks e Julian Assange. A codiretora da Agência Pública, Natalia Viana, foi a única brasileira entre eles e revela os detalhes em uma newsletter pop-up, que será enviada por e-mail a partir de 4 de janeiro de 2021. Inscreva-se aqui
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Caso Fazenda Boa Esperança. O acampamento Boa Esperança, em Novo Mundo, no norte de Mato Grosso, há dez anos é palco de despejos, ataques de pistoleiros e incêndios. Apesar da decisão favorável da Justiça Federal para a criação de um assentamento na região, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não pode executá-la por conta da suspensão da reforma agrária pelo governo Bolsonaro. 

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